Do famoso grupo dos Inklings, Charles Williams (1886/1945) é com certeza aquele que tem a posteridade mais estranha. As vidas e a bibliografia de Tolkien e C. S. Lewis têm sido minuciosamente estudadas, mas Charles Williams, a terceira cabeça do grupo, ficou confinado a uns escaninhos que não merece.
Charles Williams é também atraído pelo mundo fantástico que cevou as reuniões semanais dos Inklings; no entanto, aquilo que para Tolkien ou Lewis é uma forma de alegoria, para Williams é uma forma de realidade. Isto é, Tolkien não escreve sobre a Terra Média; a Terra Média, como Nárnia para Lewis, é uma maneira de falar do Homem comum. Williams, nos seus livros Guerra no Céu ou Descida aos Infernos, trata a mitologia não como um meio, mas como um fim. Isto é, o nosso mundo, na ideia de Williams, não corresponde exactamente àquilo que o mito expressa; os mitos são mais aspirações do que espelhos. As nossas relações dão-se à luz do mito, sim, mas porque procuram chegar-lhe; os mitos não são formas de chegarmos a nós próprios, mas formas de entrar naquilo que ainda não temos.
Charles Williams é também atraído pelo mundo fantástico que cevou as reuniões semanais dos Inklings; no entanto, aquilo que para Tolkien ou Lewis é uma forma de alegoria, para Williams é uma forma de realidade.
Claro que, do ponto de vista da ortodoxia Católica, há uns certos perigos neste modo de compreender, não só os mitos, mas toda a escatologia; o perigo em que Williams cai é também o perigo de Orígenes, isto é, o de olhar para a pureza como algo afastado do nosso mundo, e de olhar para o mundo apenas como uma etapa em direcção a outro mundo. A ideia de uma escada substancial tem uma certa tradição no Cristianismo, mas sempre com um cuidado que Williams não tem. Um dos pontos capitais da revelação é a ideia de que o Divino participa deste mundo; a ideia de que a glória provém de um afastamento dele é uma ideia perigosa, porquanto menospreza a revelação no seu sentido histórico. Claro que a revelação serve para nos elevar a Deus; mas a revelação não pode ser apenas um meio, é também um fim. Não podemos olhar para a revelação apenas como um acontecimento que se esgota nos seus objectivos, sem relevância no lado prático. Jesus nasceu e viveu, o que torna essa vida sagrada, não é sagrado apenas o objectivo de, com a vida, nos levar ao Céu.
Charles Williams tem, certamente, ideias interessantes sobre o Céu, o Amor e a abnegação; no entanto, ficaria muito mais perto do Céu se, para lhe tentar chegar, também se ocupasse da terra.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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