A modernista Casa Marta Ortigão Sampaio

Na sugestão da semana, a Brotéria propõe uma visita, guiada por Joana Ferreira da Silva, ao edifício modernista da família da mecenas e pintora portuense.

Na sugestão da semana, a Brotéria propõe uma visita, guiada por Joana Ferreira da Silva, ao edifício modernista da família da mecenas e pintora portuense.

O projeto arquitetónico da Casa Marta Ortigão Sampaio, aberta ao público em 1996, foi encomendado ao Arq. José Carlos Loureiro nos anos cinquenta do século passado, tendo ficado concluído em 1958. O arquiteto, nome destacado do panorama modernista do Porto, foi também o responsável pela edificação vizinha, o célebre Edifício Parnaso, cuja encomenda partiu da irmã de Marta, Maria Feliciana, e de seu marido, o compositor José Correia de Oliveira que ali fundou a Escola de Música Parnaso.

Neste edifício modernista de seis andares, com um jardim numa cota inferior à rua, encontram-se coleções de pintura, mobiliário, joias, armas e outros objetos decorativos e de uso pessoal. Merecem destaque as coleções de pintura e de joias. Esta última representa uma das maiores coleções de uso pessoal, com mais de 300 peças datadas entre os séculos XVIII e primeira metade do século XX, onde figuram colares, brincos, anéis, laças, pendentes, alfinetes, cordões e relógios. Já a coleção de pintura, é constituída sobretudo por obras de estilo naturalista: marinhas, paisagens, retratos, naturezas-mortas, cenas de interior ou pitorescas são os temas preferidos e que representam, possivelmente, a continuidade de um gosto estabelecido por Vasco Ortigão Sampaio (pai da doadora), colecionador importante no Porto e mecenas de pintores portuenses como Marques de Oliveira, Artur Loureiro e Sousa Pinto, todos representados nesta coleção. O núcleo mais importante será, no entanto, o que reúne as obras de Aurélia de Sousa e, também, as de sua irmã mais nova, Sofia de Sousa (tias maternas da doadora). Apreciar o rigor, austeridade e intensidade das composições de Aurélia de Sousa ajuda a compreender a revalorização dada, nas últimas décadas, ao trabalho desta artista luso-chilena.

Mas além disto, as casas-museu não deixam de ser, igualmente, oportunidades de evasão. Sempre que se visita um local desta natureza é impossível recusar uma viagem imaginada até ao tempo em que um tal espaço era apenas e simplesmente uma casa vivida

O modo como as casas se organizam, como são decoradas ou vividas pode dizer muito sobre quem as habita ou habitou. Ou assim se crê, já que entrando numa casa-museu imediatamente se começa a julgar. Aqui, tende-se a avaliar livremente o apreço do dono pelos seus objetos, a calcular o valor das peças, a classificar a importância das coleções, a ajuizar a pertinência das suas escolhas, ou a julgar o seu gosto estético. Por outro lado, estas casas são também locais de descoberta e de revelação. Neste caso, descobre-se que Marta Ortigão Sampaio pertenceu a uma família da alta burguesia, cresceu num ambiente culto e privilegiado onde as artes eram apreciadas, estudou música, desenho e pintura, reuniu uma valiosa biblioteca especializada em livros de arte e preservou um interesse eclético e de gosto conservador. Mas além disto, as casas-museu não deixam de ser, igualmente, oportunidades de evasão. Sempre que se visita um local desta natureza é impossível recusar uma viagem imaginada até ao tempo em que um tal espaço era apenas e simplesmente uma casa vivida. Imagina-se a vida familiar e social. As hierarquias domésticas, os hábitos enraizados, a organização da vida quotidiana. Imaginam-se os jantares privados, as tertúlias, festas ou saraus culturais organizados. E procuram-se, avidamente, provas dessas efabulações, através do próprio espólio em exposição e de tudo o que possa confirmar ou não as cenas imaginadas, nomeadamente fotografias, retratos e objetos de uso pessoal.

Acontece que Marta Ortigão Sampaio nunca viveu nesta casa. E talvez seja essa uma das razões para que o nome “Museu” tenha caído da designação oficial deste espaço, aquando da recente reorganização da identidade museológica dos locais que integram o Museu da Cidade do Porto. Não obstante, o exercício imaginativo descrito é possível e até legítimo, uma vez que a Câmara Municipal do Porto, ao montar este núcleo museológico, procurou recriar alguns dos ambientes de vida da doadora, da sua família e da sua época. De facto, o edifício nasceu da sua vontade com o objetivo, segundo o seu arquiteto, de para ali transferir as suas coleções, como veio efetivamente a acontecer por disposição testamentária. Além disto, todo o espólio da casa pertenceu à doadora, passou pelas suas mãos, fez parte da sua vida. Assim, sempre que um visitante, ao percorrer esta casa, consegue viajar através da memória, da sabedoria, da sensibilidade estética, da arte, dos costumes, e da cultura ali representados, podemos dizer que a Casa Marta Ortigão Sampaio cumpriu a sua função.

Fotografia: © António-Alves

Site da Casa Marta Ortigão Sampaio

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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