As creches, jardins infantis e escolas primárias reabrem hoje, 15 de março, depois de quase oito semanas encerradas. Como pediatra não podia estar mais feliz. Finalmente!
As crianças podem voltar a conviver, a brincar em grupo, a gastar energias nos recreios, a viver com as rotinas que tanto os estruturam, a retomar a aprendizagem presencial no caso do primeiro ciclo. Os pais que estão em teletrabalho podem respirar fundo, ganhar novamente o seu espaço e o seu tempo. Vão poder trabalhar em condições sem se sentirem culpados de negligenciar os filhos, e, assim o espero, vão ter tempo para brincar e cuidar dos filhos, sem se sentirem culpados por não estarem a trabalhar.
Todos sabemos as circunstâncias em que as escolas encerraram. Uma série de eventos infelizes, aka a tempestade perfeita (vaga de frio, novas variantes, desconfinamento no Natal, comunicação e gestão política pouco felizes, planeamento inadequado no comando da Saúde nas regiões) levaram a que durante semanas tivéssemos os piores números da Europa. Ainda hoje estamos no pouco invejável 12.º lugar do mundo com 1638 mortes por milhão de habitantes, logo a seguir aos Estados Unidos, e à frente da Espanha, França e do Brasil.
Não podemos, não devemos e não iremos esquecer esses dias negros, em que tantos portugueses adoeceram e morreram. Em que tantos médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, bombeiros e tripulantes de ambulância deram o que tinham e não tinham, trabalhando em cenários de quase guerra, prestando os melhores cuidados possíveis nas circunstâncias em que se encontravam. Quando a rede de oxigénio do Hospital Amadora-Sintra começou a falhar perante o que lhe era exigido, ao ser à data o hospital do país com mais doentes Covid-19 internados. Quando as ambulâncias faziam fila à porta de hospitais como o Santa Maria ou o Garcia de Orta, e dentro destas os doentes eram avaliados e medicados pelas equipas de serviço, por não haver sequer uma maca ou um cadeirão onde os colocar. Quando havia contentores frigoríficos à porta dos hospitais porque as morgues não eram suficientes.
O país fechou, novamente, a 22 de janeiro. Os portugueses aderiram, e os resultados foram (felizmente!) o que temos visto: uma queda a pico de novos casos, redução muito significativa dos internamentos e da mortalidade, redução de internamentos em cuidados intensivos de um máximo de 904 a 5 de fevereiro para 256 à data de hoje (quase no limite de 240 proposto).
Pedimos aos nossos filhos um enorme sacrifício, pela segunda vez em menos de um ano. Não nos esqueçamos que, para todos os níveis de ensino exceto o 11.º e 12.º ano, o ano letivo de 2019/2020 terminou presencialmente a 13 de março de 2020. E não tenhamos ilusões, estes confinamentos têm, tiveram e terão consequências sérias.
Pedimos aos nossos filhos um enorme sacrifício, pela segunda vez em menos de um ano. Não nos esqueçamos que, para todos os níveis de ensino exceto o 11.º e 12.º ano, o ano letivo de 2019/2020 terminou presencialmente a 13 de março de 2020. E não tenhamos ilusões, estes confinamentos têm, tiveram e terão consequências sérias.
Consequências desde logo ao nível da socialização, em todas as idades. No desenvolvimento psicomotor dos mais novos, impedidos de movimentar livremente o seu corpo, de explorar os seus limites, de aprender a interagir com os pares. Na aprendizagem da leitura e da escrita no primeiro e segundo ano, tão importante para o futuro da sua escolaridade. No sucesso escolar das crianças mais velhas e adolescentes. Na saúde mental de tantos jovens, com perturbações de ansiedade e depressivas, e no agravamento das dependências de tecnologias.
Consequências no acentuar das desigualdades. Infelizmente, estamos todos na mesma tempestade, mas não no mesmo barco. Durante o primeiro confinamento, tantas crianças com necessidades educativas especiais ficaram privadas dos apoios e terapias fundamentais ao seu funcionamento, cujas famílias ainda agora estão sujeitas a uma importante disrupção das rotinas que tanto os estruturam. Não podemos ainda esquecer os casos de violência doméstica e sobre crianças que ocorreram no primeiro confinamento, incluindo a morte de uma menina de 9 anos…
Por tudo isto agradeço que, finalmente, as crianças possam regressar às creches, jardins de infância e escolas do primeiro ciclo. Retomar a sua normalidade, as suas rotinas. Rever os amigos, educadores, professores e auxiliares que tanta importância têm no seu desenvolvimento. Brincar livremente! Que a reabertura faseada para os mais velhos possa ser feita como previsto e assim que possível.
Por tudo isto agradeço que, finalmente, as crianças possam regressar às creches, jardins de infância e escolas do primeiro ciclo. Retomar a sua normalidade, as suas rotinas. Rever os amigos, educadores, professores e auxiliares que tanta importância têm no seu desenvolvimento. Brincar livremente!
Mas peço encarecidamente a tod@s que não se esqueçam daquilo que vivemos no início de 2021. Para que não tenhamos de voltar a fechar as crianças, só para podermos fechar os pais. Sejamos responsáveis e evitemos os locais com muitas pessoas. As vendas ao postigo pejadas de gente. As marginais e paredões “à cunha”. Mantenhamos a distância social, a utilização correta das máscaras quando estamos na presença de outros. Evitemos ficar na conversa à porta das escolas para matar saudades. E quando os centros comerciais finalmente abrirem, sejamos cirúrgicos nas nossas idas às compras.
Melhores dias virão, e virá o dia em que podemos voltar a estar juntos livremente, sem máscaras nem distanciamento, em festas, jantaradas e arraiais. Mas esses dias ainda não chegaram. Mesmo para aqueles privilegiados que já estão vacinados com duas doses, ou para aqueles que tiveram doença e sobreviveram sem sequelas. Temos certamente algum grau de proteção que nos impedirá de ter doença grave mas podemos ser assintomáticos e transmissores. E quem nos vir na rua sem máscara e sem distanciamento social não perceberá porquê. Haja pudor, temos de dar o exemplo, para que a tragédia não se repita. Um por todos e todos por um.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.