Abel comprou umas sapatilhas na Decathlon antes de se fazer ao caminho. E estas rapidamente se transformaram no primeiro mensageiro divino, um verdadeiro veículo do qual Deus se serviu para lhe enviar recados. No primeiro dia de caminhada, Abel subiu a montanha, desceu a montanha e chegou a Aranzazu, onde se localiza o Santuário de Nossa Senhora de Aranzazu, erguido depois de aí ter sido encontrada uma imagem da Virgem entre os espinhos, e onde Inácio fez a sua primeira paragem depois de sair de casa, em Loiola.
Ao caminhar em terreno lamacento e cheio de água, Abel tinha as sapatilhas encharcadas quando chegou ao fim da primeira etapa. Exausto, depois de caminhar 37 quilómetros, aceitou boleia nos últimos 500 metros, até ao local onde se ia hospedar. No dia seguinte, voltou a cruzar-se com o homem que lhe dera a boleia e que acabou também por lhe oferecer o almoço. Enquanto tomava esta refeição, a irmã do dono da pensão, colocou as sapatilhas junto a uma salamandra, na esperança de que secassem com o calor… mas estas, num instante, começaram a arder.
Foi a primeira de muitas perdas ao longo do caminho, e que incluíram óculos, telefone, cálice e patena, entre outros objetos de menor importância. Abel fez-se ao caminho de chinelos, por entre lama e terra, num desconforto difícil de suportar, até que uma alça do chinelo saltou e o andar tornou-se ainda mais dificultado. Quando parou numa povoação, uma senhora ofereceu-lhe umas sandálias que eram do marido, com as quais conseguiu caminhar ao longo de uns tempos. Mas estas também cederam e Abel não teve outra alternativa senão seguir descalço. Ao longo de cinco horas, a pisar picos, terra, e acabando o dia com os pés em ferida. “Perdi tudo: as sapatilhas, chinelos, sandálias e comecei a andar a pé. Mas não me fazia muitas perguntas sobre como seria a seguir”, relata.
Já era de noite quando chegou ao fim da segunda etapa e exigiam-lhe 10 euros para pernoitar no albergue da vila. Como não tinha dinheiro, bateu à porta do pároco, e como ninguém atendeu, foi tentar a sorte na única casa que tinha luz. Um Ângelo – “seria um anjo?”, questiona-se, abriu-lhe a porta, deu-lhe 10 euros e em troca Abel prometeu celebrar missa pela sua família. Depois o alcalde local acompanhou-o a pé até à hospedaria e como estava descalço, Abel foi ficando para trás. Ao que o seu anfitrião perguntou: quanto calças? O 43 de Abel não era compatível com o seu número de calçado, mas depois de um revigorante banho, Abel encontrou umas sapatilhas 43, praticamente novas, à porta do seu quarto. “Foi como se Deus me dissesse: ‘ perdeste tudo mas eu vou dar-te alguma coisa'”.
E eu, sou capaz de aceitar as minhas perdas e confiar plenamente em Deus?
Nos Passos de Inácio I
Nos Passos de Inácio III
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.