Testemunho do Professor Carlos Freire de Oliveira
Depois de mais de 40 anos de carreira universitária é a primeira vez que me encontro nestas circunstancias. Falar de um Companheiro, Colega e Amigo de há quase 50 anos é fazê-lo com grande emoção e tristeza. Agostinho Almeida Santos partiu e deixou-nos a todos mais pobres e sós num Mundo em profunda transformação de valores. Ele era um verdadeiro Homem que defendia os princípios em que acreditava e em relação aos quais era firme e inabalável. O nosso relacionamento data do início dos anos 70. Ele era mais velho, doutorou-se e foi professor catedrático antes de mim. Convivemos, sob a tutela de Ibérico Nogueira, com Henrique Miguel Oliveira e muitos outros, tendo todos criado uma Escola de Ginecologia de Coimbra.
Agostinho Almeida Santos sempre se distinguiu pela sua inteligência, perspicácia, liderança e capacidade de trabalho. Foi respeitado e respeitou os outros. Foi Amigo do seu Amigo. Foi Colega do seu Colega. Não me cabe a mim falar do seu curriculum científico e universitário, tão vasto e rico ele é. Falar do Homem e do Amigo é mais difícil, mas tentarei fazê-lo sem menosprezar a outra atividade nobre do médico e do universitário.
Ele era um verdadeiro Homem que defendia os princípios em que acreditava e em relação aos quais era firme e inabalável. (…) Agostinho Almeida Santos sempre se distinguiu pela sua inteligência, perspicácia, liderança e capacidade de trabalho. Foi respeitado e respeitou os outros. Foi Amigo do seu Amigo. Foi Colega do seu Colega.
Convivia com todos nos momentos de ócio, defendia causas justas, ajudava os que precisavam de auxílio, colocava a Família como primeira prioridade, tinha princípios éticos que defendia até ao transe, era rigoroso, mas gostava de momentos de lazer, como pescar no seu barco no Algarve (Praia da Luz), apreciar uma boa gastronomia e conversar com os Amigos.
É a altura então de recordar o Professor Agostinho Almeida Santos. Não me esqueço do seu primeiro carro: um mini de cor verde. Tinha orgulho neste carro e eu inveja porque não tinha nenhum. É natural, era mais novo. No princípio da década de 70 trabalhamos juntos no Centro de Coimbra do IPO. Ele ocupava-se da hormonoterapia sobretudo das doentes com cancro da mama e eu da quimioterapia de vários tumores. Era a continuação da nossa atividade hospitalar nos velhos Hospitais Universitários de Coimbra (HUC). Foram apenas cerca de dois anos até o Professor Agostinho ir fazer o estágio em Paris. Em Paris estivemos em simultâneo mais de um ano. Nessa altura, como bolseiros das Fundação Calouste Gulbenkian, o Professor Agostinho, a Maria Helena e eu próprio fomos convidados pelo Professor Ferrer Correia para uma agradável receção na sede da Fundação em Paris, na avenida Iéna. Aí tivemos a oportunidade de conviver com bolseiros de outras áreas. Por várias vezes estivemos juntos em receções oferecidas pelo Professor Netter, durante as suas jornadas em Paris. Foram sempre muito gratificantes os encontros com colegas de outros países e permitiram, mais tarde, ao professor Agostinho participar na criação da Sociedade Europeia de Ginecologia, tendo sido seu presidente e presidente honorário.
Colocava a Família como primeira prioridade, tinha princípios éticos que defendia até ao transe, era rigoroso, mas gostava de momentos de lazer, como pescar no seu barco.
Criamos com outros colegas a Sociedade Portuguesa de Ginecologia. O Professor Agostinho foi o grande impulsionador na criação da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução e o seu primeiro presidente. Nos jantares de Natal do Serviço de Ginecologia, que ocorreram sobretudo a partir do final da década de 80, sempre estivemos juntos, o Professor Agostinho, o Professor Henrique Miguel e eu próprio, nestes agradáveis momentos de confraternização.
No início deste século foi criado nos HUC um departamento que agrupou a Obstetrícia, a Neonatalogia, a Ginecologia e a Medicina da Reprodução. Foi dirigido de modo exemplar pelo Professor Agostinho Almeida Santos.O Professor Agostinho foi presidente do Conselho de Administração dos HUC e procurou criar as melhores condições para que os doentes tivessem o maior conforto e os melhores tratamentos. Em determinado momento não foi compreendido pelo poder político e teve a coragem de não se render e entregar o lugar à tutela.
Após a jubilação do Professor Ibérico Nogueira ficamos três professores no mesmo serviço e, a partir de 1990, éramos três catedráticos. Aparentemente, poderia esperar-se que o futuro não fosse promissor com pessoas com personalidades diferentes e formas de atuar por vezes divergentes. Contudo, isto não sucedeu e conseguimos dar continuidade ao projeto de Ibérico Nogueira, agora assente em três pilares, e construir então o melhor Serviço de Ginecologia do país, com reconhecimento internacional. Depois vieram outros que continuaram a erguer o edifício. Agora faltou-nos um dos pilares. O futuro está nas mãos da geração mais nova. Cumprimos o nosso dever e os dois que restamos aguardamos o nosso destino.
Testemunho do P. Vasco Pinto de Magalhães
Memória Breve, mas muito Agradecida
O Professor Agostinho Almeida Santos morreu sábado,14 de Julho 2018 em Coimbra. Não vou explanar o seu enorme curriculum nacional e internacional. A sua presença no meio universitário de Coimbra foi marcante. Ao receber a notícia, a minha memória recuou aos primeiros passos do Centro Universitário Manuel da Nóbrega (CUMN) em Coimbra. Ali, nos últimos anos da década de 70, cresciam os grupos de estudantes, os debates e a reflexão, os confronto Fé e Ciência, Fé e Cultura. Quase em simultâneo, os padres António Vaz Pinto, Alberto Brito e eu abrimos as portas ao chamado Grupo dos Professores. Era, não só uma presença desafiadora entre estudantes, como um grande enriquecimento para eles, poder abordar, de modo claro e interdisciplinar, todo o tipo de questões. Acho que foi aí que conheci e cresceu a minha admiração pelo Professor Agostinho. Todos o apresentam como pioneiro, em Portugal, da procriação medicamente assistida. Mas o que importa dizer, aqui, é como se preocupou em encontrar uma via própria que respeitasse as exigências éticas (bioéticas), então muito discutidas. Iniciou os seus trabalhos em 1985 com o método GiFT (Transferência de Gâmetas para a Trompa) e em 1988, nasceu o primeiro bebé de um casal ajudado por essa técnica e metodologia.
Todos o apresentam como pioneiro, em Portugal, da Procriação medicamente assistida. Mas o que importa dizer, aqui, é como se preocupou em encontrar uma via própria que respeitasse as exigências éticas. (…) O primeiro principio bioético será sempre este: a técnica não deve nunca substituir a pessoa, mas ajudá-la e complementá-la nas suas limitações e condicionamentos.
O primeiro principio bioético será sempre este: a técnica não deve nunca substituir a pessoa, mas ajudá-la e complementá-la nas suas limitações e condicionamentos. Além disso, o GIFT ajudava à fecundação entre o casal, ultrapassando o trabalho laboratorial “in vitro”, bem como a questão que parecia inultrapassável da seleção de embriões e dos excedentários. Muita discussão e algum progresso vem desde então. Mas do Professor Agostinho de Almeida Santos, para mim, fica o exemplo de uma criatividade cientifica e técnica, dentro de uma saudável e crítica consciência bioética. É que essa exigência não é um travão moralista, como por vezes se pensa; pelo contrário, desafia a encontrar novos caminhos humanos e revela que a ética (vinda de uma antropologia cristã) não é um conjunto de proibições, mas a oferta de critérios humanizantes que não deixam que a ciência se instale em práticas marcadas pela mera eficácia técnica e economicista, sem olhar a meios.
Guardo na memória esse modo de abrir caminho.
O GIFT ajudava à fecundação entre o casal ultrapassando o trabalho laboratorial “in vitro”, bem como a questão que parecia inultrapassável da seleção de embriões e dos excedentários. Agostinho Almeida Santos, para mim, fica como o exemplo de uma criatividade científica e técnica, dentro de uma saudável e crítica consciência bioética.
Em 1988, partindo desse grupo de professores e de Encontros mais alargados, com médicos, filósofos e juristas, etc., vindos de fora de Coimbra, nasceu o CEB, Centro de Estudos de Bioética que, com a sua Revista, também ela pioneira e, nesta área, uma referência em Portugal que não se pode ignorar.
Atualização: no dia 18 de julho, o Parlamento Português aprovou por unanimidade um voto de pesar pela morte de Agostinho de Almeida Santos.
Nota da Direção do Ponto SJ: Agostinho Almeida Santos era pai da nossa colaboradora e amiga Clara Almeida Santos. À Clara e à sua família deixamos um enorme abraço, sabendo o quanto na sua vida é reflexo do que receberam do Professor Agostinho Almeida Santos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.