A pandemia de COVID-19 e a crise de saúde pública que vem varrendo o globo, para além do drama humano que acarreta em números de pacientes e de vitimas mortais, promete prolongar-se no tempo na forma de uma nova crise económica e social e, no caso da União Europeia (UE), de uma nova crise politica e de confiança nas instituições.
Se o leitor se interessa por este tema e vai, por isso, continuar a ler este artigo, sugiro, então, que, ao contrario do que fazemos muitas vezes neste tipo de analises, resistamos à tentação de partir imediatamente para as conclusões fáceis e nos detenhamos, por um momento que seja, nos factos. Começo eu: a saude não é uma competência da União.
Na verdade, e como estamos ainda em tempo pascal, a UE poderia muito bem ter feito como Pilatos e lavado as mãos. Os estados, partidos politico, cidadãos e empresas que hoje acusam a UE de não fazer o suficiente são os mesmos que não quiseram transferir competências e/ou recursos “para Bruxelas”; é por (nossa) causa deles que a UE não pode fazer mais na área da saúde.
Mas, ainda assim, fez alguma coisa. Mais alguns factos.
Por exemplo, a UE decidiu dedicar 37 mil milhões de Euros do seu próprio orçamento de funcionamento para 2020, para que os Estados-Membros possam apoiar os seus sistemas de saúde e os seus cidadãos na luta contra a pandemia e as suas consequências. Além disso, e como se sabe bem em Portugal – Centeno “superstar” oblige -, o Eurogrupo aprovou na semana passada um pacote de medidas no valor de 500 mil milhões de Euros. Isto, para já não falar em todas as medidas de coordenação e de cooperação que foram tomadas em áreas tão diversas como a defesa ou a justiça e muitas outras. Mas, claro, o dinheiro é que conta e se impõe nos títulos das noticias.
Falemos então de dinheiro.
Será o apoio aprovado pela UE suficiente? Claro que nao! Se ha alguma coisa que todos sabemos sobre o dinheiro é que nunca é suficiente. Eu sei, eu sei… é quase blasfémia escrever isto neste suporte. Peço desculpa. Mas entenda-se: o que quero dizer é que se o Eurogrupo não tivesse chegado a um acordo, estaríamos hoje a utilizar esse facto como arma de arremesso; assim, temos de ir pelo que nos sobra.
A UE tem vindo a estabelecer-se de forma solida como um dos nossos alvos favoritos quando chega a hora de apontar dedos e encontrar culpados. Como se diz em bom português, tem as costas largas
Chega de factos. Nos tempos que correm, não convém abusar da sua utilização.
A UE tem vindo a estabelecer-se de forma solida como um dos nossos alvos favoritos quando chega a hora de apontar dedos e encontrar culpados. Como se diz em bom português, tem as costas largas. Com isto não pretendo dizer que a UE não pudesse ou não devesse fazer mais. E o drama é precisamente esse: quantas vidas poderiam ter sido poupadas se deixássemos que a UE se realizasse em pleno? Quantas lágrimas poderiam ter sido evitadas se aceitássemos que unidos somos todos mais fortes?
O Ministro Mário Centeno e os seus colegas no Eurogrupo, por terem evitado o que aconteceu em inúmeras reuniões durante a crise de 2008 e terem chegado a um acordo que, por muito insuficiente que seja, é, sem duvida nenhuma, uma resposta corajosa e necessária neste contexto de circunstâncias tao extraordinárias, devolveram-nos a bola e cabe-nos agora a nos decidir a próxima jogada. Em tempos de crise é fácil apontar dedos e procurar culpados. Mas, independentemente das suas consequências e da sua gravidade, todas as crises chegam ao fim, e a questão é o que fazemos com os ensinamentos que as crises nos oferecem.
Uma das hipóteses que temos é concluir que isto é tudo culpa da UE, das fronteiras abertas, dos imigrantes e refugiados, da Alemanha e da Holanda, da fraca resposta da Comissão Europeia e dos meios insuficientes postos à disposição pelo Eurogrupo. A outra seria parar para imaginar como tudo poderia ser melhor se, em vez de se porem a pensar e a agir cada um por si, os 27 Estados-Membros dessem verdadeiramente as mãos também na área da saúde e da resposta a crises da magnitude desta pandemia, cooperassem no planeamento e na implementação, e assumissem colectivamente a responsabilidade pelo bem-estar e pela saúde dos 500 milhões de habitantes destas terras.
A solidariedade é isto. A capacidade de tomarmos conta uns dos outros, não so em tempos de crise à laia de caridade e ajuda de emergência, mas também, e sobretudo, na hora de pensar como antecipar, evitar e, se tal não for de todo possível, responder à próxima crise. Não é a única possibilidade de resposta, claro; mas é a que gostaria que considerássemos hoje. A solidariedade e a união têm alcançado inúmeras vitorias; estou convencido de que continuarão a ser a nossa melhor alternativa.
Amar-se uns aos outros não é fácil. Acusar, apontar, lavar as mãos ou atribuir coroas de espinhos é mais simples. Mas se na Páscoa não acreditarmos que o caminho do Calvário vale a pena, acreditaremos quando?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.