Rainha Santa Isabel, mulher, mãe, política e diplomata?

A Rainha Santa Isabel morreu faz hoje 688 anos. A sua santidade dá, também, um sinal inequívoco da força da sua personalidade, ligada ou não à sua intervenção em atos públicos, ou ao desempenho desse tipo de funções.

A Rainha Santa Isabel morreu faz hoje 688 anos. A sua santidade dá, também, um sinal inequívoco da força da sua personalidade, ligada ou não à sua intervenção em atos públicos, ou ao desempenho desse tipo de funções.

Depois de quase 50 anos da integração das mulheres na carreira diplomática em Portugal (Decreto-Lei 308 de 1974 de 6 de julho), percebe-se que a sua presença e ação continuará a mudar a forma e o conteúdo da diplomacia. Este artigo pretende, assim, apresentar uma «proposta» de compreensão da atuação pública – e «diplomática» – da Rainha Santa Isabel nos primeiros séculos da nacionalidade, visando, por um lado, a veracidade histórica, mas, também, salientar a capacidade de atuação de uma mulher concreta, mesmo que quase singularizada na sua época, em prol do interesse público e do relacionamento entre os povos. Isso pode ser um interessante contributo, conjuntamente, para a nossa História diplomática e para o relevante papel público da mulher em Portugal.

 

Diplomacia e diplomacia feminina

O presente artigo visa referir a figura da Rainha Santa Isabel, como mulher e diplomata.

Naturalmente, não será uma interpretação que acrescente dados históricos novos, nem qualquer novidade no plano factual. Contudo, pretende-se que, sem faltar à verdade, se consiga transmitir que, no tempo da Rainha Santa, ou noutro qualquer, sobressai, como hoje, a figura da mulher, com maneiras de ser muito próprias, desde logo propícias à diplomacia.

Pode dizer-se que o diplomata (ou a diplomata), profissional ou não, será alguém que tem consciência da necessidade (ou obrigatoriedade) da aproximação aos outros, da busca de vias de pensamento e diálogo que possibilitem que de um diferendo não resulte uma vitória absoluta de um sobre os interesses de outros[1] (situação, aliás, comprovadamente insustentável no tempo e opositora de uma verdadeira Paz e Concórdia). Como dizia Talleyrand a Napoleão, a diplomacia seria o que poderia colmatar a impossibilidade absoluta da vitória perene de um mesmo exército.

Aliás, há características femininas que, diferentes das do homem, muito podem contribuir para a diplomacia: uma grande dose de realismo e, porventura a isso ligada, a noção de que, o diálogo diplomático possui uma margem de aplicação muito mais alargada do que normalmente se julga, não se reduzindo à «mesa das negociações» com interlocutores estrangeiros. Aprendi, por exemplo, de uma diplomata portuguesa que, mais difícil do que a «diplomacia externa» (a propriamente dita), pode ser a «interna», aquela que é levada a cabo dentro do próprio Estado, e permite manter uma máquina oleada e harmoniosa no plano interno, cuja atuação se possa eficazmente refletir em bons resultados internacionais.

Quantas vezes, aliás, uma boa estratégia diplomática é embotada por conflitos internos (intraestatais, intranacionais), ou pela falta de compreensão e aceitação do público. Saber construir «pontes» internas mostra-se, assim, indispensável para uma boa atuação no exterior. Esta questão tem a ver com uma outra, que referia o Embaixador Calvet de Magalhães: que um (ou uma) diplomata o deve ser 24 horas por dia, já que muitas vezes, basta uma perda de imagem para que isso se repercuta negativamente na sua proficiência.

Dizia Aristóteles que a mulher, se tem, como o homem, capacidade deliberativa, falece-lhe a volitiva. Sempre considerei que a mulher, a assim ser, por ser mais realista, torna-se mais prudente e não age imediatamente com base numa simples reflexão – tendencialmente provisória, mesmo que alegadamente racional. São aspetos que falham no homem, onde a necessidade de agir se pode prender mais à imagem que sente como importante dar de si mesmo do que a real convicção[2].

A vida de Isabel

A vida da Rainha Santa Isabel, não correspondendo, certamente, ao padrão da mulher do seu tempo, também não é singular como figura pública, conselheira política e negociadora durante esse período peninsular

A Rainha Santa Isabel nasceu em 1269 ou 1270 e, ironicamente, também não se sabe, exatamente, se em Zaragoza, se em Barcelona. Era filha de Pedro III de Aragão (que reinou entre 1276 e 1285) e de Constança da Sicília. Curiosamente, ela e D. Dinis eram ambos tetranetos do Imperador do Sacro Império, Frederico Barba Ruiva, de Hohenstaufen, morto na Terra Santa e avô de Frederico II, o último da linhagem Staufen como dinastia imperial.

Casada em 1281, recebeu do pai um relevante dote, nomeadamente em dinheiro e joias e, do marido, diversas terras portuguesas – Óbidos, Abrantes, Porto de Mós, a que se foram somando, nomeadamente, Trancoso, Sintra, Vila Real, Leiria, Arruda, Torres Novas e Alenquer, bem como outras prebendas e direitos. A largueza do seu património exigiu-lhe, desde logo, o emprego de um conjunto de aias, camareiras, chanceleres, ouvidores, confessores, médicos, tesoureiros e notários. Foi-lhe dado, assim, um posicionamento público destacado que, para Vitorino Nemésio, se traduziria, para ela, em fazê-la entender que o estatuto de Rainha não podia ser passivo: «Isabel podia estar a dormir, que nunca a descoroavam (…)»[8]. Significará, essa expressão, nunca se poder aliviar do encargo da Coroa; que lhe era pedida uma presença pública, traduzível ou não, de imediato, na assunção concreta de responsabilidades políticas (ou diplomáticas). Nesse enquadramento, talvez se possa citar, por outro lado, o facto de, em 1291, D. Dinis ter nomeado a mulher como sua primeira executora testamentária. Santa Isabel encabeçaria, também, um conselho de regência em caso da sua morte. Em 1298, o Rei nomeia a mulher como tutora dos seus filhos bastardos.

No que respeita à natureza jurídica desse seu património, pensamos que deveria ter um caráter público e adstrito a fins de interesse do Estado. Apesar de lhe ter sido doado, tratar-se-ia de res publica. Como escreve George Duby, contrapondo os domínios público e privado durante a Idade Média: «A res publica engloba todo o domínio pertencente à coletividade e que, por isso mesmo, é considerado extra commercium (…)»[9] – significando não poder depender da discricionariedade privada, devendo obedecer a interesses de âmbito coletivo e público).

Eventualmente, a simbologia do Milagre das Rosas, feito por Santa Isabel, em Portugal, mas, igualmente, pela sua Tia Isabel, na Turíngia, onde ambas beneficiam da ajuda Divina para ocultar a sua ajuda aos carenciados, pode relacionar-se, talvez, com entendimento por ambas as Santas do valor coletivo e público da assistência social, justificando o gasto do património com esse objetivo. No caso de Isabel da Hungria, após ter enviuvado, terá sido afastada dos seus bens pelo cunhado, Henrique Raspe, com vista a não «delapidar» o seu património. No caso de Isabel de Portugal, isso tornaria mais compreensível a oposição do Rei, seu marido, aos gastos com os pobres. Tratava-se de bens com estatuto público[10].

Eventualmente, a simbologia do Milagre das Rosas, feito por Santa Isabel, em Portugal, mas, igualmente, pela sua Tia Isabel, na Turíngia, onde ambas beneficiam da ajuda Divina para ocultar a sua ajuda aos carenciados, pode relacionar-se, talvez, com entendimento por ambas as Santas do valor coletivo e público da assistência social, justificando o gasto do património com esse objetivo.

O marido de Santa Isabel, o Rei D. Dinis, nasce em 9 de outubro de 1261. Subiu ao trono em 1279, com cerca de dezassete anos, herdando um reino estabilizado, mas, por outro lado, também abrangido por um interdito papal, vindo do tempo do seu pai.

Será de ver que o casamento de D. Dinis com a futura Santa Isabel terá resultado de um cálculo estratégico-diplomático que excluía uma aliança de Portugal com Navarra, cuja rainha casara com o herdeiro de França, e com Castela, que arriscava uma ilegalidade canónica pela proximidade de parentesco dos eventuais noivos[12].

Papel de Santa Isabel

Segundo Sottomayor Pizarro[13], o papel político e diplomático atribuído à Rainha Santa Isabel pode desenrolar-se em três fases, sendo a primeira, no conflito entre D. Dinis e o irmão Afonso.

Os conflitos do Rei com o irmão, D. Afonso (e, depois, como se verá, com o filho, do mesmo nome) não são para estranhar. Era uma época em que os grandes senhorios e as linhagens se chocavam entre si, disputando, neste caso, o Rei, como já dito, as pretensões locais dos seus parentes tão próximos. Em Portugal, país de dimensão reduzida[14], essas disputas tendiam, então como depois, a ter lugar dentro da Casa Real.[18]

Nesse circunstancialismo diz, poeticamente, Nemésio, aludindo ao papel da Rainha no ensejo: Santa Isabel «(…) logo entendeu que os manejos do Infante D. Afonso (irmão de D. Dinis) a deviam trazer junto ao Rei como a corda nas mãos do trovador – pronta para todas as harmonias. Para ver se a paz se fazia mais forte que a guerra.»[19]  Independentemente do que lhe tenha sido solicitado, é relevante, para os historiadores, o sentimento da Rainha em prol da unidade nacional, da legitimidade do Rei como Chefe de estado e da Paz interna: «o Reino era de El-Rei»[20].

A segunda fase, também segundo Pizarro, destaca-se na intervenção abonatória, nomeadamente junto do seu irmão de Aragão, no cômputo do relacionamento (estratégico, como referido) entre Portugal e o seu país de origem – tanto a nível bilateral como, também, no equilíbrio peninsular.

Como exemplo disso, em 1303, Santa Isabel terá intervindo junto de Jaime II no sentido da libertação de «corsários» portugueses cujo barco fora apreendido em Aragão[21]

Por outro lado, Santa Isabel terá contribuído para conseguir para o marido, pelo menos durante um certo período, um estatuto de relevo como interlocutor diplomático, do Reino de Aragão e no âmbito da política peninsular. Aliás, já durante a crise entre o Rei Afonso X de Castela – que levou à sua deposição, em 1282 – e o seu filho Sancho, na qual o Rei de Portugal favorecera o futuro Sancho IV, o Rei de Aragão pedira a D. Dinis que colaborasse na concretização de um entendimento entre os dois, tal mostrando o potencial dessa via mediadora.

Um primeiro caso é relativo ao conflito desencadeado pelo apoio dado por Jaime II de Aragão, irmão da Rainha Santa Isabel, à candidatura à Coroa de Castela de Afonso de Lacerda[22], em 1295, na sequência da morte de Sancho IV e na menoridade do novo Rei, Fernando IV. Tal levou a que D. Dinis apoiasse, por seu turno, os direitos reais do Infante João, tio de Fernando, invocando contra o Rei de Castela um alegado incumprimento do Tratado luso-castelhano de Castelo Rodrigo, celebrado em 1291.

Um segundo exemplo do desempenho internacional da Rainha Isabel, relacionou-se com possibilitar a participação destacada de D. Dinis nas negociações entre Aragão e Castela sobre o domínio do Reino muçulmano de Granada, definidas em 1308 pelo Tratado de Alcalá de Henares. Na realidade, embora à custa de território muçulmano, visava-se evitar uma guerra, pela sua disputa, entre Aragão e Castela. Contudo, das ações militares conjuntas empreendidas, com apoio português, na base desse Tratado – ataque em duas frentes contra Granada, reino vassalo de Castela até 1284, prevendo-se que Aragão ficasse com Almeria e, Castela, com Gibraltar e Algeciras – apenas resultou a conquista de Gibraltar, em 1309.

Outra vez no plano interno, a «rebelião» de D. Afonso, seu filho, contra o pai, iniciada em 1319, terá, naturalmente, marcado bastante a Rainha Santa, obrigando-a a intervir. Porém, o seu sentido de justiça levou-a a discordar, a dada altura, do filho, nas queixas deste (para ela, imponderadas), contra o seu irmão Afonso Sanches, filho natural de D. Dinis.

A Rainha foi, desse modo, afastada para Alenquer. Na dúvida sobre a sua imparcialidade – ou não-parcialidade a seu favor -, o Rei resolveu exilar a sua mulher naquela povoação, o que ela aceitou, com gestos apaziguadores para os que o lamentavam. A Rainha voltaria a interferir no conflito entre pai e filho, desta vez em Alvalade, em 1323, embora a paz só tivesse sido alcançada em 1324.

Avaliação

Sem dúvida, Santa Isabel é uma das mais conhecidas rainhas de Portugal. Sendo denominada, entre nós, Santa Isabel de Portugal (tendo nascido em Aragão), lembra-nos como, por outro lado, nos opomos à denominação, internacionalmente espalhada, de Santo António (de Lisboa) como Santo António de Pádua.

Por outro lado, a sua fama de santidade e posteriores beatificação e canonização – como a de sua Tia Isabel da Hungria – terão contribuído para um apagamento de outras vertentes da sua vida[23].  Desse modo, a sua intervenção política e no plano internacional não é associada, geralmente, a um reflexo das virtudes que levaram à sua canonização.

Tal já não é o caso, por exemplo, da sua fama de esmoleira e protetora dos pobres, mais apresentada como causa da sua fama de santidade – embora, como se viu, os valores públicos por ela prosseguidos fossem os da Paz e Concórdia.

Mas a sua santidade dá, também, um sinal inequívoco da força da sua personalidade, ligada ou não à sua intervenção em atos públicos, ou ao desempenho desse tipo de funções.

Mas a sua santidade dá, também, um sinal inequívoco da força da sua personalidade, ligada ou não à sua intervenção em atos públicos, ou ao desempenho desse tipo de funções.

Como se viu, nesse desempenho não esteve, nem estava sozinha entre os seus pares, nomeadamente de Castela. Corresponderiam, no entanto, esses seus atos àquilo que se esperaria das suas funções como membro da casa real? Ou tratava-se de um voluntarismo e sentido de oportunidade e de justiça que a movia a mostrar-se e a intervir, com assinalável êxito, em alguns casos, quando existiam entendimentos, internos e externos, a serem alcançados?

Na realidade, apesar de se tratar de comparações entre épocas históricas diferentes, não hesitam historiadores como José Augusto de Sotto Mayor Pizarro[24] em singularizar, face às anteriores rainhas de Portugal, a atividade político-diplomática de Santa Isabel, numa dimensão nunca existente até aí.

Do mesmo modo, para além de uma atuação política e diplomática, a pedido de outrem ou por iniciativa própria, também podemos classificar essas intervenções da Rainha como de «diplomacia paralela»; isto porque, para além de agir com o estatuto de Rainha de Portugal, a Rainha Santa fê-lo, também, enquanto Mulher, Cunhada, Mãe e Irmã dos seus interlocutores, usando laços familiares como vias diplomáticas e de diálogo.

Do mesmo modo, para além de uma atuação política e diplomática, a pedido de outrem ou por iniciativa própria, também podemos classificar essas intervenções da Rainha como de «diplomacia paralela»; isto porque, para além de agir com o estatuto de Rainha de Portugal, a Rainha Santa fê-lo, também, enquanto Mulher, Cunhada, Mãe e Irmã dos seus interlocutores, usando laços familiares como vias diplomáticas e de diálogo.

Soube agir, com tato e discrição, mas, igualmente, com eficácia e sentido das oportunidades e de aproveitamento das circunstâncias.

Pretende-se, assim, apresentar uma «proposta» de compreensão da atuação pública e «diplomática» de Santa Isabel, também, por tal se julgar corresponder ao que podia ser – e é – a capacidade de atuação de uma mulher concreta, mesmo que quase singularizada na sua época em prol do interesse público e do relacionamento entre povos.

Sem dúvida, o questionamento do papel atribuído à Mulher na História do Mundo tem conhecido um desenvolvimento acelerado nos tempos recentes, num processo de debate e reivindicação que estará longe de terminado. Também nesse contexto, o fascínio da História advém de permitir sempre suas novas apreciações sem perder, para essas serem autênticas, a (dentro do possível) objetividade, muitas das novas questões levantadas derivando de correspondentes interrogações sobre o que foi o passado colocadas pelo fluxo imparável do presente.

 

Referências

[1] Como escreve Nietzsche: «E relativamente a uma dada coisa, quanto maior for o conjunto de afetos a que damos voz, quanto mais olhares, diferentes olhares, formos capazes de lançar sobre uma mesma coisa, tanto mais completo será o nosso “conceito” dessa coisa (…)» – Para a genealogia da Moral, um escrito polémico, Tradução e notas de José M. Justo (Círculo de Leitores, 1997),146. Nesse sentido o esforço para conhecermos «e sentirmos» conjuntamente o mesmo objeto será a via de nos aproximarmos dos outros.
[2] Há, assim, uma tendência mais forte no homem do que na mulher para que a defesa de uma opinião se torne mais importante do que o objeto sobre o qual recai. Dizia o brasileiro Gustavo Corção: «A opinião é uma atitude que o sujeito toma diante do objeto sem que o objeto importe. Não se mede pelo objeto, não tem proporção com ele. Precisa do objeto para sair do sujeito e voltar ao mesmo sujeito (opinioso)» – A Descoberta do Outro, Prefácio de António Alçada Batista (Lisboa: Edição de Set, sd), 83;
[8] Vitorino Nemésio – Obras Completas, 40;
[9] George Duby, «Abertura» in História da Vida Privada, sob a direção de Philippe Ariés e de Georges Duby, membro do Institut, professor do Collège de France, Tradução portuguesa com revisão científica de Armando Luís Carvalho Homem, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Volume 2 Da Europa Feudal ao Renascimento, 19-45 (Círculo de Leitores, 1990), 20
[10] São Luís de França que morreu no ano anterior ao nascimento da Santa, era considerado um Rei esmoleiro, no cômputo da sua santidade (Le Goff, Saint Louis, 1996, 489).
[12] A proibição eclesiástica de casamentos entre parentes considerados «próximos» são causa de conflito com a sociedade desde os fins do século XI, embora essa proibição tenha sido atenuada em 1215, reduzindo-se o grau de parentesco «proibido» – Klapisch-Zuber, «A Mulher», 195. Na realidade, esse tipo de proibição não era absoluto, podendo em certas circunstâncias ser levantado. Podia ir, contudo, contra projetos de alianças dinásticas e patrimoniais, o que a tornava, também, um instrumento de pressão política para a Igreja;
[13] Pizarro, D. Dinis, 2005;
[14] José Mattoso, Identificação de um País, ensaio sobre as origens de Portugal 1096-1325, Volume II – composição, 2ª edição (Lisboa, Editorial Estampa, 1986, 120: «A principal diferença entre o que se passa em Portugal e no resto da Europa consiste em que a instabilidade e a modéstia das casas senhoriais e a maior dependência dos governadores das terras para com o rei permitiram a este estender os seus poderes sem grande dificuldade»;
[15] Outro aspeto é o contraponto quase radical que, em Portugal, tendemos a estabelecer entre «centralização do Poder» e «desordem e anarquia». Nesse sentido, tanto o irmão de D. Dinis, D. Afonso, como o filho do mesmo nome (pelo menos, naquela altura, antes da sua ascensão ao trono) são apreciados como elementos negativos na História do País, por atentarem contra o Poder. Mas, afinal, como, por exemplo, nesse período, em Castela, a diversificação de atores políticos (mesmo se tendencialmente anárquica) é importante para a consolidação de massa crítica nacional, pelo debate e controvérsia que possibilita o enriquecimento da experiência política e cultural.
[19] Nemésio, Obras Completas, 40;
[20] Ibidem. Adverte, entretanto, Mattoso (Identificação de um País, 197) para que, na mentalidade da época, obedecer a um chefe político não equivaleria a pertencer, institucionalmente e independentemente dessa pessoa concreta, a uma nação. «Para encontrar as primeiras expressões de caráter ideológico é necessário procurar nos escritos clericais» (Ibidem, 203). Trata-se de uma questão profusamente abordada por Kantorowicz na sua obra «Les Deux Corps du Roi» in Oeuvres, L’Empereur Frédéric II, Les Deux Corps du Roi, Postface Histoires d’un historien, Kantorowicz par Alain Boureau, 643-999 (Éditions Quarto Gallimard, 2000), no que respeita à evolução, nomeadamente ao longo da Idade Média europeia, da distinção entre a pessoa concreta do Rei e o seu «corpo» institucional (mais tarde identificado com o Estado);
[21] Mattoso, Identificação de um País, 44, nota 134;
[22] Os irmãos Afonso e Fernando de Lacerda eram filhos do presumível herdeiro do Rei de Castela, Afonso X, Fernando. Porém, a morte prematura deste leva a que o trono passe para o irmão, Sancho IV que reinou entre 1284 e 1295. O que depois se consolidou como nome de família (Lacerda) terá tido origem no facto desses membros da Família Real de Castela terem nascido com o cabelo arruivado que recordava a cor das cerdas (pelo rijo) de porcos e javalis.
[23] Segundo Jacques Le Goff (Saint Louis, 1996, 843), com São Luís, Rei de França, a sua imagem de santidade já não é, como até aí, automaticamente ligada à sua função real.
[24] Pizarro, D. Dinis, 2005, 233;
[28] Como diz, por exemplo, Isabel da Conceição Lemos: «(…) as princesas e rainhas foram por vezes ferramentas muito importantes em acordos diplomáticos nos sistemas dinásticos que então vigoravam, para o equilíbrio da balança de poder. Embora tendo por vezes um papel discreto de interferência na afirmação externa, não deixaram de contribuir de modo muito importante e decisivo no equilíbrio político e na estabilidade governativa – As Mulheres na Carreira Diplomática – 1974 a 2004, Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em História das Relações Internacionais, julho de 2009, Departamento de História, ISCTE/Instituto Universitário de Lisboa, 39 DOI  Microsoft Word – TESE_ICLEMOS_2009.doc (iscte-iul.pt) (consultado a 5/7/2023).

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.