A Paz e a Bênção num acorde

Celebra-se amanhã a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus e também o Dia Mundial da Paz. Estamos ainda no tempo litúrgico do Natal e a música contínua a acompanhar-nos, dispondo-nos a receber o novo ano.

Celebra-se amanhã a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus e também o Dia Mundial da Paz. Estamos ainda no tempo litúrgico do Natal e a música contínua a acompanhar-nos, dispondo-nos a receber o novo ano.

Começa amanhã um novo ano! Estou convencido de que este dia, no meio do tempo do Natal, carrega consigo uma mistura de sentimentos: por um lado a revisão do tempo que passou, por outro a projecção do futuro; a saudade de quem já não está, misturada com a esperança naqueles que chegam ou chegarão. Acima de tudo, com tudo o que a mudança de ano civil tem de convencional, a chegada do seu primeiro dia é uma oportunidade: a do recomeço! E, ainda que possa parecer fácil, recomeçar exige uma certa arte, aquela que vem do coração disponível, daquele que aprendeu com os passos dados, sem deixar que o seu olhar se torne preconceituoso (até sobre si mesmo!). Recomeçar exige-nos uma discernida ousadia, uma disponibilidade para as surpresas de cada dia e, acima de tudo, um profundo desejo de acertar.

A Igreja celebra amanhã a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, ao mesmo tempo que se comemora o Dia Mundial da Paz. Estão, de certo modo, interligadas as intenções destas duas festividades, que marcam o nosso recomeço. De facto, no dia da imposição do Nome de Jesus (oito dias depois do Seu nascimento), somos convidados a olhar, de novo, para Maria o carrega nos braços, que o embala com maternal admiração e verdadeiro espanto: foi este o quadro que os pastores encontraram quando chegaram ao Presépio, talvez sem consciência de que esse Menino, frágil e pobre, sinal de divisão para muitos, é a própria Paz que «veio para o que era Seu e os Seus não O receberam» (João 1).

A primeira proposta que apresento hoje é da autoria de Francis Poulenc (Paris, 1899-1963) compositor incontornável do século XX. Não se trata de um coral de Natal, mas de uma melodie que súplica a paz: Priez pour Paix (1938), a partir de um poema de Charles d’Orléans. Com uma simplicidade impressionante, o solista canta sobre um acompanhamento discreto do piano, que torna ainda mais intimista os texto: «Rogai pela Paz, / Doce Virgem Maria, (…) Rogai pela Paz, / o verdadeiro tesouro da Alegria». Vale a pena escutar esta breve canção e tomá-la como nossa, numa súplica da intercessão da Virgem Mãe pela Paz para o nosso mundo e para os nossos tempos.

E como este é o início de um novo ano, parece-me fazer todo o sentido começá-lo com um sentido de bênção, pelo que proponho precisamente a bênção de Aarão. «O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz» (Números 6): talvez uma das fórmulas de bênção mais antigas da Sagrada Escritura, que ainda hoje faz parte do Missal da Igreja. A última proposta de hoje é, pois, a versão coral deste texto composta por John Rutter (Reino Unido, 1945): The Lord bless you and keep you (1981). Este belo coral, bastante inglês, fala por si mesmo. Note-se, de novo, a simplicidade desta peça e como parece tudo convergir na repetição de um mesmo desejo: «e te conceda a paz» (minuto 1’25).

Um bom ano novo: que a Paz possa ser o desejo profundo que habita os nossos corações.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.