Aqui, o testemunho de um estudante universitário de 21 anos que, em 2021, pisou uma única vez o chão da sua Faculdade, a NOVA FCSH. Entre os desafios e os “milagres” que podemos discernir, qual o impacto da pandemia na sociedade e, em particular, no ensino superior?
O relógio de parede rondava as sete da tarde quando entrei, no dia 26 de junho, na unidade de urgência do Hospital Distrital de Santarém, recomendado pelo SNS24. Poucas semanas depois do fim das aulas – e em plena época de exames, que dispensei – o meu sistema nervoso manifestava-se numa resposta direta aos últimos seis meses passados em casa, em frente ao ecrã de um computador. Dores de cabeça intermináveis, tonturas constantes, fadiga, tudo fazia parte do prognóstico. A sentença final, essa, é menos simples do que parece. Este texto não é uma ode à covid-19, longe disso, mas é certo que a pandemia trouxe para a agenda do dia a importância da saúde mental. Vamos discuti-la?
Recordo perfeitamente a reação de uma colega, perante a notícia, em março de 2020, que as universidades iriam fechar: “isto é só por 15 dias!”. Hoje, são incontáveis os dias e as semanas fechados em casa a assistir a aulas, a completar trabalhos com base em recursos disponíveis unicamente online ou a realizar frequências que, embora adaptadas, exigiam mais leituras e reflexão para colmatar as dificuldades de transmissão de conhecimento. Os desafios são muitos, desde as dificuldades de concentração à inibição da discussão e do diálogo entre alunos e docentes, que encontram num ecrã uma forma contranatura de comunicar.
Hoje, são incontáveis os dias e as semanas fechados em casa a assistir a aulas, a completar trabalhos com base em recursos disponíveis unicamente online ou a realizar frequências que, embora adaptadas, exigiam mais leituras e reflexão para colmatar as dificuldades de transmissão de conhecimento.
Encerrado desde janeiro, o governo previa a retoma progressiva do ensino superior a partir de 19 de abril. Ainda assim, por decisão da direção da NOVA FCSH, este semestre acabou onde havia começado: em casa. Nos últimos meses mergulhámos, assim, numa realidade paralela, próxima daquela concebida por Saramago em Ensaio sobre a Cegueira. Isolamento. Distanciamento social. Afastamento de familiares e de amigos. A fatura desta pandemia é demasiado cara e, no caso dos jovens, reflete-se no aumento da ansiedade e quebra do seu estado emocional.
Sob pena de cair no utopismo, creio que grande parte de nós tem potencial para sair mais humano desta experiência coletiva. Afinal, esta pandemia relembrou-nos a nossa posição enquanto seres emocionais e sociais e reforçou o nosso sentido de pertença a uma comunidade, reavivando a célebre expressão do poeta inglês John Donne, “No Man Is An Island!” ou as teses do “animal político” de Aristóteles, de um homem que urge discutir e comunicar. Talvez seja desta que nos apercebemos da força que afetos e sentimentos têm para mover o mundo.
Um mundo de extremos
Tal como na obra do único prémio Nobel da literatura portuguesa, no meio de uma pandemia, somos confrontados com o melhor e o pior da Humanidade. É preciso sublinhar e vangloriar a sensibilidade mostrada pelos professores, capazes de repensar drasticamente o ensino. Muitas vezes, insistiam em marcar reuniões de apoio, procuravam acompanhar o nosso calendário e alertavam, não pouco frequentemente, para a existência de uma psicóloga na Faculdade.
Afastados, a Humanidade soube inovar e tirar partido de diversas plataformas que permitiam um contacto mais regular. Graças a isso, registou-se uma profusão de podcasts ou conversas via Zoom que visavam discutir temas tão pertinentes quanto as alterações climáticas, por exemplo. Pessoalmente, como coordenador do Núcleo de Estudantes Católicas da minha faculdade, senti na pele a urgência de renovar. Nas atividades que organizámos online contámos com a presença de colegas que estavam noutras partes do mundo – e até tivemos uma oradora a partir da Suíça! Parece paradoxal – e é – mas talvez nunca nos tenhamos olhado tanto.
Isolamento. Distanciamento social. Afastamento de familiares e de amigos. A fatura desta pandemia é demasiado cara e, no caso dos jovens, reflete-se no aumento da ansiedade e quebra do seu estado emocional.
Ao longo destes meses, fomos tocados por exemplos de entrega e devoção, que nos relembram a humanidade e altruísmo da mulher do médico em Ensaio Sobre a Cegueira, muito deles protagonizados por jovens, que partiram dos seus lares para continuarem a abraçar causas de solidariedade, como mostram projetos como o ComVidas.
Por outro lado, este período ajudou a vincar muitos dos desafios que nós, enquanto sociedade, enfrentamos, como a disseminação de discursos de ódio nas redes sociais, acompanhado por uma completa descredibilização dos meios de comunicação social e da ciência, qual complô internacional. Por outro, não foram poucos aqueles que olharam para esta pandemia como uma mensagem do ecossistema em que vivemos, um alerta para repensarmos tudo.
E o futuro?
O futuro a Deus pertence, dita a sabedoria popular, mas a Humanidade cedo arrogou-se da hipótese de o sonhar. O que jovens, como eu, esperam dele?
Ainda em março de 2020, numa Roma vazia, como o coração de muitos que o escutavam, o Papa Francisco alertou que todos estamos no mesmo barco e, por isso, todos somos convidados a remar. Neste cenário, o egoísmo revelou-se o calcanhar de Aquiles da sociedade: os nossos atos individuais nunca pesaram tanto para o todo – e muitos jovens souberem ler isto. A meu ver, sobretudo mais recentemente, tem existido um discurso um tanto injusto, perpetrado por alguns media e altos representantes, que insistem em imputar culpas aos jovens pelo aumento de infeções por covid-19. Por experiência, os problemas emocionais sentidos pelos jovens correlacionam-se, em boa medida, com uma atmosfera de medo que abateu os mais novos, o medo de contrair e espalhar o vírus aos seus familiares, mais vulneráveis; e pela invasão de um sentido de culpa por sair de casa.
Disponibilizado o autogendamento a maiores de 23 anos, sinal do avanço do processo de vacinação, os jovens aguardam ansiosamente a inoculação contra a covid-19, no sentido de retomar, pelo menos, as aulas presenciais, já em setembro.
Sobre o futuro, sem querer assumir-me como a voz de uma geração ou encetar um conflito intergeracional, julgo que a sociedade pública deve acompanhar a agenda da juventude. Tal agenda não está desligada da gestão dos fundos da União Europeia consagrados no PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Em linhas gerais, espera-se a transição para uma economia mais verde, com uma forte componente social, direcionada para a criação de emprego, sobretudo para jovens. A realidade é que somos a geração que nasceu em plena crise de 2008, que chegará ao mercado de trabalho em tempos de pandemia e que enfrenta a ameaça de a Humanidade se tornar a primeira espécie a autoextinguir-se. Os desafios são muitos e pesados, mas iremos conseguir. Juntos.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.