A Esperança num acorde – Imaculada Conceição

Neste domingo juntam-se duas celebrações: a Imaculada Conceição e II Domingo do Advento. A devoção a Maria reflete-se na arte e, em particular, na música. Festeje este dia, apreciando esta proposta musical.

Neste domingo juntam-se duas celebrações: a Imaculada Conceição e II Domingo do Advento. A devoção a Maria reflete-se na arte e, em particular, na música. Festeje este dia, apreciando esta proposta musical.

(texto publicado a 6 de dezembro de 2019)

O tempo de expectante sobriedade e de misterioso silêncio, próprio da espera que o Povo em caminho faz do Seu Messias – de que falávamos na semana passada –, é todos os anos interrompido por uma festa solene que aparece como um clarão no meio da neblina: a Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Maria. Esta feliz celebração da Rainha de Portugal – coroada por D. João IV após a restauração da independência – é a ocasião para recordar não apenas a Sua perpétua pureza, mas tanto mais a devoção com que, desde o princípio, os cristãos se dirigiram Àquela que trouxe Jesus ao mundo. E esta devoção e carinho à Mãe da Igreja está patente na história dos povos cristãos, acabando por influenciar tanto a vida religiosa, como a própria arte: da literatura às artes plásticas, das artes cénicas à música são incontáveis as obras dedicadas, dirigidas ou sobre Maria.

Seria, por isso, impossível eleger uma peça musical de tal excelência que se sobrepusesse às demais: não é esse o objectivo destes artigos em tempo de Advento. Contudo, conforme me propus na semana passada, apresento hoje duas peças que retiro da infindável biblioteca – ou talvez mesmo templo! – que é o espólio da Música Sacra Ocidental: ambas, creio, poderão ajudar-nos à compreensão deste dia.

Neste sentido, a primeira proposta de hoje, composta no início do século passado, é da autoria de Benjamin Britten (Inglaterra, 1913-1876): Hymn to the Virgin. Quando tinha apenas dezasseis anos (1930), durante um tempo de convalescença no Colégio, Britten ficou fascinado por uma antologia de poesia medieval inglesa que recebera como prémio, admirando-se particularmente com a descoberta da poesia em verso macarrónico – isto é, uma estrutura em que um verso redigido numa língua converge noutro escrito em latim. É este o caso deste hino de louvor à Virgem Mãe, de autoria anónima (séc. XIII).

E esta devoção e carinho à Mãe da Igreja está patente na história dos povos cristãos, acabando por influenciar tanto a vida religiosa, como a própria arte: da literatura às artes plásticas, das artes cénicas à música são incontáveis as obras dedicadas, dirigidas ou sobre Maria.

Trata-se, pois, de uma peça na qual, tirando proveito da dinâmica da lírica dos dois idiomas, Britten escreve para dois coros mistos em permanente diálogo: um cantando em plena voz, em inglês medieval; o outro, cantando em latim, numa misto de resposta e eco. O texto dirige-se à Mãe de Jesus, enaltecendo a Sua pureza e perfeição, por oposição à experiência vivida neste mundo, pedindo a Sua intercessão: «Eu clamo por Vós (…) Senhora, rogai ao Vosso Filho por mim [Tão pura!] / Para que eu possa ir até Vós [Maria!]».

Escutando esta peça, somos conduzidos pelo seu tom suplicante, habilmente reforçado pela dinâmica do duplo coro que, também pelo uso das duas línguas, quase nos faz experimentar que este diálogo acontece entre a Igreja que peregrina no mundo (a da terra) e aquela que já está no Céu (a da Glória). Deixemo-nos interpelar ainda pela crescente força que vai robustecendo esta prece, enquanto enaltece «Senhora, Flor de todas as coisas [Rosa sem espinhos]», chamando-A de «Rainha do paraíso [Eleita!]».

Viajando até aos nossos dias, encontramos o compositor norueguês Ola Gjeilo (1978-), autor de tão surpreendente quanto audaz obra, quer coral quer instrumental. De entre as várias peças com textos sacros da sua autoria, proponho hoje a sua versão de Tota Pulchra es (2009), composta para sete vozes mistas (SAATTBB).

Este coral adorna excertos de um hino com séculos de existência na história da Igreja, em louvor à formosura e pureza da Mãe de Jesus, particularmente associado à Sua Imaculada Conceição: «Toda és formosa, ó Maria / E a mácula original não está em Ti. / As Tuas vestes são brancas como a neve / E a tua face como o Sol. / Tu, Glória de Jerusalém, / Alegria de Israel, / Tu, Honra do nosso povo».

Quando perfeitamente interpretada, esta obra transporta o ouvinte através da serenidade da harmonia a que o coro dá voz, levando-nos a contemplar tanto Beleza como Ternura. Iniciando-se apenas com vozes femininas, a peça realça a Beleza desta Mulher, beleza que ganha o seu esplendor quando todo o coro canta em conjunto pela primeira vez (minuto 1’16). Na última secção (especialmente a partir do minuto 4’12), quando começa a entoação final, utilizando títulos da ladainha lauretana, voltamos a encontrar uma sonoridade repleta de ternura e admiração, mas também de robustez que, quase num êxtase, nos conduz à simplicidade de um nome: Maria.

Vale a pena escutar e deixarmo-nos interpelar por este coral tão elaborado quanto belo.

Bom Domingo: encontramo-nos na próxima semana!

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.