A Alegria é algo de muito sério na nossa vida. Nos tempos nebulosos e de convulsão que vivemos, que parecem estar marcados pela desconfiança, a solidão, a incerteza quanto ao futuro, falar de Alegria parece particularmente extravagante: ela parece já não existir ou é confundida com euforia e prazer. Mas será esta “alegria”, passageira e epidérmica, a verdadeira alegria de que nos fala o Evangelho? Tratar-se-á apenas de um sentimento descomprometido, individual e volátil?
Sabemos que não: esta não é a alegria cristã, não é aquela a que somos chamados. A alegria verdadeira, porém, é mais profunda e chega às raízes da nossa existência. Ela abana os alicerces da desesperança e faz brotar a paz, gerando o serviço desinteressado: vem da confiança numa promessa, da espera por Aquele que está bem próximo. É, por isso, como candeia fragilmente segura que serenamente alumia o caminho por entre o nevoeiro da insegurança e da incerteza que nos rodeiam.
É desta alegria, expressa de diversos modos, que nos falam as Escrituras e é esta a alegria que a Igreja celebra neste III Domingo do Advento, tradicionalmente chamado de Gaudete (Alegrai-vos), a da chegada próxima do Messias, do cumprimento desta promessa tão antiga e tão actual. A proposta musical para este Domingo deseja ajudar-nos a compreender esta alegria e esta esperança, com os olhos fixos no nascimento de Jesus.
A primeira peça que proponho, um pouco contrastante com as anteriores, é um dos números do Messias (1741), de G. F. Haendel (Alemanha, 1685 – Reino Unido, 1779). Esta oratória – da qual faz parte o sobejamente divulgado Aleluia (nº42) – não é habitualmente conhecida na sua totalidade. Dividida em três partes, ela conta a história da Jesus, desde o anúncio profético do seu nascimento, até à sua Paixão, Morte, Ressurreição e Ascensão aos Céus. Apesar de ter sido composta para a Páscoa, desde a morte do compositor tem sido muito mais executada durante o tempo do Advento, dado o ênfase nas profecias messiânicas e no nascimento do Senhor (Primeira Parte).
Rejoice greatly, O Daughter of Zion (nº18) é a proposta de hoje. Trata-se do texto do livro de Zacarias (Zacarias 9) que promete a vinda do Messias: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém!». Na primeira secção deste movimento, a voz da soprano enobrece e dá energia a esta alegria. Note-se como na secção intermédia (minuto 1’19) o texto da promessa «Ele é o justo Salvador e falará de Paz aos gentios» é adornado com uma nova serenidade e paz que contrasta com a contagiante alegria da repetição da primeira secção. Escutamos a interpretação tão sublime quanto audaz de Jeanine De Bique.
A segunda proposta desta semana é um coral da Cantata Wachet auf, ruft uns die Stimme (BWV 140), mais concretamente o coral Zion hört die Wächter singen, da autoria de J. S. Bach (Alemanha, 1685-1750). Esta obra, estreada em 1731, foi composta para o uso litúrgico, como uma grande parte da obra do compositor. Este número em questão, cantado em uníssono pelas vozes masculinas (ou por um solista) dirige-se a Sião, pedindo-lhe que escute as vozes das sentinelas porque “o seu coração bate de alegria no seu íntimo”: “O Amigo chega do Céu”, forte em Misericórdia e poderoso na Verdade.
Trata-se, portanto, de uma interpelação ao povo para que esteja pronto e vigilante para a chegada do Esposo, Jesus Cristo, que traz Consigo a Paz e a Justiça: é um bom exemplo que Bach nos oferece, como expressão desta serena alegria, própria deste dia.
Que estas propostas nos possam ajudar a descobrir a verdadeira alegria do Natal: Bom Domingo!
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.