Ao 3º dia: uma ajuda para viver a doença

"Ao 3º dia" é um grupo de cristãos com doença grave ou crónica que procuram encontrar sentido e luz, num caminho de maior aceitação e integração da realidade. Arranca hoje, dia 26, em Lisboa. Vasco Mina deixa-nos aqui o seu testemunho.

"Ao 3º dia" é um grupo de cristãos com doença grave ou crónica que procuram encontrar sentido e luz, num caminho de maior aceitação e integração da realidade. Arranca hoje, dia 26, em Lisboa. Vasco Mina deixa-nos aqui o seu testemunho.

Ao 3º dia, “dois dos discípulos de Jesus iam a caminho de uma aldeia chamada Emaús, que ficava a cerca de duas léguas de Jerusalém. Conversavam entre si sobre tudo o que acontecera e enquanto conversavam e discutiam, aproximou-se deles o próprio Jesus e pôs-se com eles a caminho” (Lc 24, 13-15).

Ao 1º dia tinha sido o choque, a morte do seu Mestre e que lhes custou a aceitar. Ao 2º dia ficaram imóveis sem perceber o que fazer e muito menos entender tudo o que tinha acontecido. Ao 3º dia decidiram partir e foi no caminho que encontram Jesus; caminharam e discutiram sobre o que tinha acontecido, ainda em busca de respostas, até que encontraram Alguém (que não reconheceram) e que os desafiou a refletir sobre o verdadeiro sentido dos acontecimentos. As palavras deste Homem ecoaram fundo nos caminhantes de Emaús e só após algum tempo de caminhada se aperceberam de Quem os acompanhava.

Há cerca de um ano meio fui confrontado com a notícia de uma leucemia. Tinha tido, alguns anos antes, um linfoma e por isso foi um choque esta nova situação de doença e que me custou a aceitar. Ao “segundo dia” fiquei como que imobilizado, sem saber bem o que fazer. Ao “terceiro dia” percebi que tinha de começar a caminhar; não era ainda muito claro para onde, mas importante mesmo era iniciar nova caminhada e sobretudo partilhar com os outros que se encontravam ao meu lado. Em busca de uma luz e de um sentido para tudo o que estava a acontecer.

A doença coloca-nos sempre várias questões. A primeira de todas é sempre: Porquê? Porquê esta doença? Porquê eu? Não, não foi por vontade divina. As doenças, tal como o crescimento em estatura, a vontade de comer e beber, o crescimento do cabelo são (todas) características da nossa biologia e fazem parte da nossa essência enquanto criaturas de Deus. Claro que umas são desagradáveis e outras (reconheçamos) muito reconfortantes. Mas todas fazem parte do ser humano que cada um de nós é. Por tudo isto, esta questão inicial não tem resposta direta. Chegar aqui não é óbvio e requer oração, reflexão e partilha.

Depois de caminhar sem resposta vem a questão seguinte: Qual o sentido de tudo isto que estou a sofrer? Tal como numa estrada, temos dois sentidos. A estrada está lá, temos de a percorrer. O desafio está na escolha do sentido e aqui entra a nossa opção: somos nós quem escolhe. Ou caminhamos pela aceitação da nossa realidade e caminhamos com esperança ou seguimos a via da revolta e caminhamos contra tudo (até contra nós próprios). Nesta encruzilhada temos também de rezar, refletir e partilhar.

Caminhando no sentido da aceitação segue outro desafio: Como vou aguentar a terapia? Será que conseguir suportar a dor? Como irei reagir? O caminho faz-se caminhando, cada dia é um dia, as respostas variam, a busca é permanente. Mas sempre, sempre, aceitando e permanecendo com esperança. E a morte? Esta também faz parte da condição humana. Não acontece por causa da doença. Esta apenas a pode “antecipar”. A doença é até um caminho que nos ajuda a encontrar o sentido da morte que é e será sempre um mistério. Diria até que a doença é o amadurecimento da morte; por outras palavras, crescemos em maturidade humana e espiritual. Para aqui chegar é fundamental rezar, refletir e partilhar.

Não caminhamos a solo. Deus caminha connosco e manifesta-se através dos outros. Recordo sempre a mensagem de Jesus: “Sempre que dois ou mais se reunirem em Meu nome, Eu estarei no meio deles”.  Vem esta reflexão a propósito do Grupo ao 3º Dia que reúne pessoas com doenças graves e/ou crónicas e que buscam, na companhia dos outros, sentido e luz para a estrada da Vida.

Ao longo da minha caminhada da leucemia, procurei rezar, refletir e partilhar. O Grupo ao 3º Dia ajudou-me a percorrer o caminho. Agora estou em remissão mas continuo a andar ( “Run Forrest, Run…” ) pois a doença, tal como a vida, está em mim. É que não há doença sem vida nem esta sem aquela!

Vasco Mina pertence ao grupo Ao 3º dia, cuja primeira reunião em Lisboa acontece hoje, dia 26 de novembro, – na Igreja do Campo Grande, às 18h30.

Este texto foi inicialmente publicado em https://grupoao3dia.wordpress. com/, site onde pode encontrar mais informações.

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.