2019: Não se iluda, comprometa-se!

Por muito que resistamos há em nós uma predisposição para a esperança. Podemos domesticá-la como ilusões que se esfumam, ou abri-la como quem da cicatriz faz porta e passagem. Cruzar esse umbral é que o tornará feliz 2019. Bom ano novo!

Por muito que resistamos há em nós uma predisposição para a esperança. Podemos domesticá-la como ilusões que se esfumam, ou abri-la como quem da cicatriz faz porta e passagem. Cruzar esse umbral é que o tornará feliz 2019. Bom ano novo!

1 de janeiro de 2019. O sol é hoje o mesmo de ontem. Nas praias, talvez cheias de gente, permanece uma certa solidão, uma aura invernal que as envolve em abandono. As ruas desertas esperam o trânsito que voltará amanhã. Os ruídos de sempre vão acompanhando as horas do dia em cada monte e em cada aldeia. E, no entanto, há um cheiro a novo, um regresso à tona de água que nos traz uns instantes de alívio e paz. Por muito que resistamos há em nós uma predisposição para a esperança. Podemos domesticá-la como ilusões que se esfumam, ou abri-la como quem da cicatriz faz porta e passagem. É curta a distância entre a ilusão e a passagem. Tão curta que talvez nenhuma métrica humana a possa captar. Mas há pequenas frases que podemos ir repetindo, pontos de apoio que seguram o nosso olhar no horizonte.

1. Não controlamos tudo

Pedimos saúde. Há quem dedique generosamente a vida a procurar curas. Mas todos os cuidados e buscas não chegam para que possamos ser os senhores da nossa saúde. Há muito que não controlamos. A tentação de querer controlá-lo, de querer manipular todos os genes abre caminhos de desumanização. Não é a capacidade de controlar a realidade que nos traz segurança ou felicidade. O que nos segura é o amor. E amar implica desapegar-se, não possuir ou controlar, abertura ao que não é conhecido.
Podemos pedir saúde e dinheiro, mas não depende de nós evitar todas as doenças e todos os assaltos. Amar e deixar-se amar é uma escolha que podemos aprender a fazer. É um desejo que podemos concretizar todos os dias.

Não é a capacidade de controlar a realidade que nos traz segurança ou felicidade. O que nos segura é o amor. E amar implica desapegar-se, não possuir ou controlar, abertura ao que não é conhecido. 

2.       Não se vive a golpe de espadachim

Uma das funções dos mitos é a de acalmar as nossas ansiedades coletivas, tornando tangível e compreensível o tanto que nos escapa. Há um pouco disso nos contos infantis e nos desenhos animados. E é bom não negar a sabedoria que aí se esconde. A certeza e o desejo de que no final seja o bem a vencer faz-nos falta. Mas não pode autorizar maniqueísmos. Uma separação entre bons e maus que nos coloca sempre do lado certo e procura estabelecer ”cordões sanitários” que nos protejam de toda a impureza é fonte de farisaísmos, fanatismos e totalitarismos. É fonte de violência. Um mundo governado a golpe de espadachim é autodestrutivo. O mal e o pecado não são os outros. Somos nós todos. Assumir a realidade, acusar-se a si mesmo não é convite à resignação. E também não é mera questão de piedade individual, é um exercício que deve moldar toda a comunidade tendo repercussões sociais e políticas.
Acusar-se a si mesmo, reconhecer a própria miséria também não é ficar agarrado à culpa com o orgulho ferido. É o ponto de partida que dá carne humana e concreta a tudo o que possamos desejar pessoal e coletivamente.

O ser humano e o mundo foram bem-feitos, criados por bondade, bons e para o bem. Mas ignorar os nossos limites, o mal e o pecado é viver iludido e paralisado.

3.       No entretanto, podemos fazer alguma coisa

Assumir que não controlamos tudo, que o mal e o pecado fazem parte do que somos parece uma forma muito pouco mobilizadora de começar um novo ano. O ser humano e o mundo foram bem-feitos, criados por bondade, bons e para o bem. Mas ignorar os nossos limites, o mal e o pecado é viver iludido e paralisado. Começar o ano a assumir esta nossa dimensão não é desencorajamento. É um convite a viver um compromisso realista, comprometido com a realidade que se deseja transformar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.