Uma abordagem que se quer fenomenológica tende a deixar de lado a questão da essência daquilo que se manifesta para se focalizar exclusivamente na descrição da experiência da pura manifestação. A fenomenologia aproxima-se, dessa forma, da teologia, nem que mais não seja pela partilha de um mesmo léxico. De facto, noções como “manifestação”, “aparição”, “revelação” assumem o estatuto de categoria fundamental tanto para a fenomenologia como para a teologia.
Não é de admirar, por isso, que no âmbito do pensamento contemporâneo a fenomenologia tenha vindo a constituir um terreno para um diálogo frutífero entre a teologia e a filosofia. É neste contexto que a Revista Portuguesa de Filosofia consagrou o seu fascículo mais recente à questão de Deus na fenomenologia francesa.
Enquanto obra ligada à Companhia de Jesus e à espiritualidade inaciana, não foi por mero acaso que o fascículo foi publicado precisamente no dia 31 de julho, aquando da festa litúrgica de Santo Inácio de Loiola. Pois, enquanto o fundador dos jesuítas nos ensina a “ver Deus em todas as coisas”, a fenomenologia permite-nos refletir sobre Deus a partir da experiência religiosa e do modo da Sua possível manifestação. Em vez de se fechar em tentativas de demonstrar racionalmente a legitimidade da posição teísta ou da adversa, os autores contemporâneos que seguem esta abordagem fomentam um diálogo construtivo entre o crente e o descrente, como pessoas que habitam a mesma finitude ou contingência. Assim, mesmo após o anúncio e o evento “Deus morreu”, a experiência da sua presença ou ausência continua a caracterizar o que somos enquanto humanos.
Consideravelmente volumoso, o fascículo apresenta as mais recentes reflexões de autores proeminentes neste âmbito, com destaque para Emmanuel Falque, Emmanuel Tourpe, Emmanuel Gabellieri, Catherine Pickstock, entre outros.
Fotografia de capa: João Ferrand