Assinala-se no domingo, dia 25, o IV centenário do martírio do beato Miguel de Carvalho, sacerdote jesuíta do século XVII e um dos 205 mártires do Japão, cujo processo de canonização decorre na Santa Sé. O beato Miguel de Carvalho nasceu em Braga e foi um missionário no Oriente, tendo sido queimado vivo em Omura, no Japão, a 25 de agosto de 1624.
As comemorações desta data, na cidade de Braga, contemplam dois momentos principais: uma celebração eucarística, na Sé Primaz, às 11.30 horas, presidida por D. José Manuel Cordeiro, Arcebispo Primaz de Braga, e uma sessão comemorativa, às 16.00 horas, no Museu dos Biscainhos, sobre o tema “O beato Miguel de Carvalho no Museu dos Biscainhos: 400 anos do Martírio e 300 anos da Pintura do Teto do Salão Nobre (1624 e 1724)”.
Nesta sessão comemorativa, o P. António Júlio Trigueiros, jesuíta e historiador, fará uma apresentação sobre “Miguel de Carvalho, um mártir bracarense no Japão dos Tokugawa”, seguindo-se a leitura, feita por Mário Vilhena da Cunha, da Carta Manuscrita pelo jesuíta Miguel de Carvalho, e datada de 24 de agosto de 1624. Haverá ainda uma comunicação da historiadora de arte Giuseppina Raggi, sobre o tema: “A pintura de Manuel Furtado de Mendonça no salão nobre do Museu dos Biscainhos e o contexto da pintura de tetos em Portugal durante a primeira metade do século XVIII”.
Este evento contempla ainda a apresentação pública do Crucifixo Peitoral do Beato e um fac-símile da Carta Manuscrita, que estarão em exposição até 25 de outubro.
Estas comemorações decorrem de uma parceria entre a Arquidiocese de Braga, a Província Portuguesa da Companhia de Jesus, a Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais de Braga (Universidade Católica) e o Museu dos Biscainhos, tendo em vista assinalar o quadricentenário do martírio do jesuíta bracarense e o tricentenário da monumental pintura do teto do salão nobre do Palácio dos Biscainhos, datada de 1724.
Miguel Carvalho – de Braga para o Oriente *
Miguel Carvalho nasceu em Braga (São João do Souto), em 1577, de família nobre e rica. Com 20 anos, pediu para ser admitido na Companhia de Jesus. Cinco anos depois, partiu para o Oriente, com um grupo de missionários. Terminou em Goa os seus estudos de teologia, sendo aí ordenado sacerdote e continuando alguns anos como professor. Mas o seu grande desejo era ser missionário no Japão.
E assim, apesar das grandes dificuldades que os cristãos ali estavam a viver, conseguiu integrar-se num grupo de viajantes e comerciantes, disfarçado de soldado, entrando assim no Japão. Durante alguns anos, conseguiu iludir as autoridades, pregando o Evangelho secretamente, nos mais diversos lugares, até que um dia foi descoberto e condenado a morrer pelo fogo. Na véspera, escreveu a seguinte carta:
«Não me dá o tempo lugar para mais, porque em breve espero receber de Nosso Senhor esta grande mercê de dar a vida por seu amor, coisa que tanto desejo que em nenhuma maneira o posso explicar. Por onde, com todo o afeto e amor de verdadeiro irmão, nesta me despeço de meu amantíssimo irmão Simão de Carvalho e de todos os mais irmãos e irmãs e mais parentes, e lhes encomendo se amem muito entre si e tenham grande paz e concórdia uns com os outros, ajudando-se em tudo o que puderem uns aos outros, que com isto os ajudará sempre e acrescentará o todo-poderoso Deus, a quem peço, pelos merecimentos de Cristo Jesus Nosso Redentor e Senhor, lhes lance a sua bênção e os acrescente e aumente no espiritual e no temporal a glória de sua divina Majestade, de sorte que nos vejamos todos em a glória, para nos gozarmos nela e em sua presença, amando-O para toda a eternidade».
Padeceu o martírio em Omura (Japão), a 25 de Agosto de 1624, com 47 anos de idade. Foi beatificado por Pio IX em 1867. É candidato à Canonização, integrado num grupo de 205 mártires do Japão, sob o nome de “Beato Carlos Spínola e Companheiros Mártires”.
O martírio
“Nenhuma outra coisa nesta vida se me representa mais apetecível, mais alegre e de maior consolação que dar a vida por tão bom Senhor, dando com isto alguma satisfação ao muito que me amou, derramando o sangue por Quem derramou o seu, de infinito valor, por meus pecados” – assim escrevia o beato Miguel de Carvalho ao seu Superior Provincial, a 23 de agosto de 1624, dois dias antes de consumar o seu martírio, nas longínquas terras do Oriente pelas quais se tinha fascinado seguindo o exemplo do seu confrade Francisco Xavier. No próprio dia da morte assim se despediu de um companheiro de Missão: “o tempo que estive neste cárcere parece-me brevíssimo… nem jamais se me representou este acto de dar a vida por Cristo, penoso, senão muito alegre (…) Vinha de longe este desejo, pois, ainda jovem, no colégio da Companhia de Jesus, em Braga, coube-lhe em sorte representar Isaac a ser oferecido a Deus por seu pai Abraão. De tal modo viveu aquela cena que logo irrompeu, no seu íntimo, o desejo de ser imolado ao Senhor, no Japão.
As histórias que estavam a chegar de todo o Império, mas sobretudo do Japão, tomavam o martírio algo comum na conversa do tempo. O povo ouvia os relatos apaixonados e a grandeza dos sacrificados. Era natural que nas almas generosas nascesse a ânsia da emulação. Miguel de Carvalho nunca conheceu a beleza da primeira metade do século cristão japonês. Quando entrou já se viviam os anos cinzentos da segunda parte. A Fé estava tão enraizada nessas terras que foi preciso um esforço enorme para tentar erradicá-la, aliás sem sucesso. Esta é uma experiência única na História: um país sofisticado que recebe e acolhe a missionação e, ao fim de várias décadas, quando prospera uma Igreja florescente, faz tudo para a desbaratar.
Depois de ter conhecimento da perseguição que no Japão grassava contra os discípulos e seguidores de Jesus, Miguel de Carvalho incessantemente suplicava aos superiores licença de partir para essas paragens. Dispensado da docência, obteve a graça tão desejada. Em agosto de 1621, desembarcou em Nagasáqui, com traje de soldado, pois era proibido, sob pena de morte, a qualquer sacerdote entrar naquele país. depois de numerosos percalços que o conduziram a Macau, à China e às Filipinas. Instalou-se na casa de um mercador, estudando, com todo o afinco e diligência, a língua japonesa, rezando e dedicando-se à caridade, nos tempos que lhe sobravam.
Apresentou-se ao governador em plena época de perseguições, declarando ser sacerdote, missionário e jesuíta. Foi condenado à morte, mas o governador, por considerá-lo demente, mandou-o para fora da sua jurisdição. Sentindo-se apto a falar com os cristãos, para os fortalecer na fé, e confessar de seus pecados, pôs-se a percorrer diferentes cidades onde havia comunidades crentes. Administrava os sacramentos, sobretudo a reconciliação, celebrava a divina Eucaristia, pregava e esclarecia as verdades do credo, exortando os fiéis a darem bom exemplo e a testemunharem a fé. Este trabalho efetuava-se quase sempre pela calada da noite, regressando depois, ao local de sua residência, a ilha de Amacusa.
Encontrou-se, mais tarde, com o Padre Provincial em Nagasaki, onde permaneceu. A 21 de julho de 1623, tendo ido a Omura, para atender os fiéis, ao regressar, de manhãzinha, para a localidade do seu esconderijo, foi surpreendido por um espia que o levou ao governador. Conduzido, de imediato, para a cadeia, aí deparou com outros cristãos e sacerdotes presos como ele. Longos meses, esperou a hora do martírio, em imperturbável esperança e contínua oração, escrevendo aos fiéis, aos superiores e até aos familiares, revelando-lhes o gozo e a alegria de alma, uma vez que a oferta de sua vida se aproximava. Finalmente, a 25 de agosto de 1625, juntamente com três sacerdotes e um Irmão leigo, companheiros de cárcere, foi queimado a fogo lento, para dele nada mais restar senão as cinzas. Numa alegria trasbordante e manifesta aos olhos de toda a assistência, cumpriu-se o seu grande anseio guardado no fundo da alma desde a juventude.
Sobre a causa de canonização pode consultar o site aqui.
Para saber mais sobre a vida dos Mártires do Japão:
– Mártires do Japão, João Baptista Machado, Ambrósio Fernandes, Francisco Pacheco, Diogo Carvalho, Miguel Carvalho, Vicente de Albufeira e Domingos Jorge, Eduardo Kol de Carvalho, 192 págs., Braga, 2006.
– Mártires do Japão, História e Novena (folheto), 4 págs., 2004.
– João Baptista Machado, Mártir e Glória dos Açores – Valdemar Mota, 104 págs., Angra do Heroísmo, 1985.
A Causa de Canonização dos Mártires do Japão (cujo Vice-Postulador é o Padre João Caniço) envia gratuitamente a quem os pedir qualquer um destes três subsídios para dar a conhecer a história e aumentar a devoção a estes Mártires do Japão. (morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 LISBOA | Telefone: 919 313 946 | E-mail: [email protected])
* texto e informações recolhidas pelo P. João Caniço, sj