Dentro do melhor filme de todos: a nossa vida

O P. Samuel Beirão, sj lembra-nos que a vida, como o cinema, pode ser vista e vivida à pressa ou com olhos treinados de quem está atento a todos os detalhes. As férias podem ser o tempo para rever o melhor de todos os filmes: a nossa vida.

Hiroshi Sugimoto (Tóquio, 1948) não é só um fotógrafo e arquitecto. Tem essa capacidade dos artistas de transmitir além do que captam os seus olhos. Desde que entrou num cinema de Nova Iorque, em 1978, e fotografou pela primeira vez um filme inteiro (U.A. Playhouse, Great Neck, New York, 1978), continuou a mesma experiência, até aos dias de hoje, fotografando filmes em diferentes salas.

A vida, como o cinema, pode ser vista e vivida à pressa ou com os olhos treinados de quem quer estar atento aos detalhes. Com facilidade, na vida como no cinema, podem escapar-nos a banda sonora, uma palavra importante, um pormenor no cenário. As férias podem ser um bom tempo para viver sem pressas e (re)ver o melhor de todos os filmes: a nossa vida.

 

​O espaço

Sugimoto não foca a lente apenas na tela, mas enquadra-a na beleza da arquitectura da salas que escolhe. A sala, a preto e branco, espera pelo início do filme e deixa-se iluminar pelo que virá. Sem a estética do espaço, o filme não podia acontecer, pois precisa dela para ser rodado.

O contexto é necessário. Não existimos nem actuamos fora das relações com os outros e com os lugares, com os eventos e os momentos. Maior ou mais pequena, a sala convida sempre a sentar-nos uns com os outros e a participar desse momento. Algumas pessoas ocupam a sala porque foram convidadas, outras porque têm interesse no que vão ver, outras entraram por acaso. Seja como for, agora todas fazem parte de uma experiência comum.
O cuidado com o espaço é uma atitude que podemos educar. Como na vida: há muito de imprevisto nos nossos dias, mas também há muito que podemos preparar e ter em conta.

Conhecemos três anos da vida pública de Jesus. Muitos dos seus gestos e palavras aconteceram no imprevisto dos dias: curar os doentes, ter uma palavra de conforto, denunciar a injustiça da estrutura instalada. O modo como Jesus o fazia é fruto de uma vida interior que, preparada na discrição, dá os seus frutos no cuidado com o contexto. Jesus não altera a sua mensagem de justiça e de paz, mas fala e actua de maneira diferente segundo o lugar onde está e as pessoas que tem à frente.

Como cuido as relações à minha volta? Quem deixo entrar? Como acolho os que aparecem? No fundo, qual é a minha disposição e atitude para que o filme possa começar?

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Teatro Scientifico del Bibiena, I Vitelloni, Mântua, 2015

O tempo

O trabalho de Sugimoto podia ser um conjunto de fotos a um filme e, depois, a montagem de uma série, para que o espectador tivesse uma espécie de trailer do filme fotografado. Contudo, o que temos é um filme inteiro num único frame. Não lhe importam os pormenores, mas a totalidade da acção. Sugimoto posiciona a câmara, abre a lente e espera que o filme se desenrole ao seu ritmo, sem pressas.

O tempo talvez seja o bem mais valioso que nos é dado e, tantas vezes, é mal aproveitado. Porque nos esquecemos de distinguir espaços, já não conseguimos compassar a vida com diferentes ritmos. Temos o desejo de parar, mas corremos o risco de não abrandar o ritmo, de afanar-nos com outras coisas que, não sendo trabalho, nos ocupam e distraem do objectivo das férias: o descanso.

De Jesus, lemos muitas vezes que se retirou para um lugar isolado. Para rezar ou descansar. Sozinho ou escolhendo alguns amigos especiais para ir com ele. Só pôde dar de si porque foi capaz de gerir o tempo.

Como ocupo o meu tempo? Sei dar tempo ao que acontece? Sou capaz de controlar as minhas pressas? Desfruto dos ritmos mais sossegados e organizo o tempo para que aconteçam?

 

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U.A. Playhouse, Great Neck, New York, 1978

A luz

O resultado das fotografias de Sugimoto é mais que uma tela branca, é uma tela cheia de luz e de histórias. Quem contempla as suas fotografias não sabe contar o filme, mas sabe que algo aconteceu ali. Uma acção que não fica em si própria, mas que é capaz de dar luz ao que a rodeia. Na verdade, o que importa já não é o filme que se desenrolou, mas a nova expressão da arte. O que importa são os efeitos.

Como na ressurreição de Jesus. A sua presença como um raio de luz chegou de surpresa à vida de todos. Contudo, só aqueles que estavam atentos ao que se passava e deram tempo à novidade puderam entender. Junto ao sepulcro, uns tiveram medo e outras correram a anunicar a Boa Nova; na estrada para Damasco, um deixou-se tocar e outros estavam confusos com aquela luz.

 

Como vejo eu esta história? Deixo-me encadear pela luz e nem dou tempo para que os meus olhos se habituem ou espero e deixo-me surpreender pela beleza da novidade? Vivo para dar luz aos outros? Quem ilumina a minha vida?

 

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Cinerama Dome, Hollywood, 1993

 

Proposta de P. Samuel Beirão, sj