Pelo que tenho vindo a perceber, os sonhos dos miúdos no bairro são simples e genuínos. São raros os miúdos que sonham muito alto, ou com coisas inalcançáveis. Sabem o que gostam de fazer, e como gostam de gastar o seu tempo, não sentem muita falta de sonhar com outras coisas ou de explorar novos interesses.
Nós, se calhar, sonhamos mais alto, sonhamos em andar na melhor escola e tirar o melhor curso. Em ir para o país mais longe e mais diferente. Em investir na nossa carreira, e procurar gosto nas coisas que fazemos. Como o temos para nós, temos tendência em querer também para os outros. Desejamos que quem está ao nosso lado chegue também muito longe.
Eu acho isso ótimo, mas deixa-me a pensar se é legítimo impor os nossos próprios sonhos aos outros. Embora possamos lutar para lhes dar oportunidades, é essencial que eles também as desejem. Afinal, os sonhos são o que impulsiona o progresso e o esforço, e o que nos leva à alegria e ao orgulho (o bom orgulho). A falta de sonhos deixa-nos estagnados e sem perspetivas.
A realidade, por vezes, parece sufocar os sonhos, e levar-nos a acreditar que não vale a pena sonhar.
Eu acho que se deve contrariar isso, mostrar que se pode sonhar e que os sonhos até são alcançáveis. Mas é preciso ir atrás deles.
É uma missão um pouco frustrante e com pouco reconhecimento, mas acho que isto se faz semeando. É através das conversas e memórias. Não é propriamente construindo escolas e dando aulas, claro que isso é importante, mas os sonhos só surgem se vierem de dentro. Não vale a pena impingir. Não dá para chegar ao bairro e mudá-lo, não é realista. Mas a convivência, o exemplo, o testemunho, isso sim faz a diferença. É difícil porque é uma mudança que não se vê. Mas são os miúdos que têm de perceber dentro deles o que querem, e a importância dos seus sonhos. Para mim, sonhar na margem é só amar, estar disponível e estar. E isto sim, são os Gambozinos.
Vera Carvalho