5 sugestões de leitura:
1. Joan Didion, “O Ano do Pensamento Mágico”, editora Cultura. Este livro, que mostra como a não-ficção pode ser mais pungente do que o romance, é sem dúvida um dos meus livros favoritos dos últimos anos. Assim de repente, não me lembro de um livro melhor sobre o luto, isto é, sobre a resistência humana ao absurdo da morte.
2. Temple Grandin, “The autistic brain”. O autismo pode ser uma bênção e uma arma secreta se olharmos para esta condição como uma condição, e não como uma doença. O autismo não é para curar, porque não é uma doença. Bem enquadrado, o autismo pode ser um escudo formidável. Para isso, era importante que a sociedade, a começar na escola e nos pais, compreendessem um conceito: a neurodiversidade. As nossas diferenças começam nos nossos cérebros. Esta diferença é mais profunda e importante do que as diferenças sexuais, de género, de cor de pele.
3. Sylvia Plath, “Campânula de Vidro”, Relógio d’Água. Já perto dos 43 anos, li há dias um dos romances da minha vida. Ainda bem que o li já na idade da maturidade. Aos 18 ou mesmo aos 28, não tinha de certeza arcaboiço moral e literário para lidar com esta história sobre melancolia e suicídio. Um livro simples, corajoso e magnífico. A literatura, quando permanece no osso da verdade, é a coisa mais poderosa do mundo.
4. Fernando Aramburu, “Pátria”, D. Quixote. Pode um país inteiro, com todas as suas complexidades, caber num único romance? Aparentemente, pode. A nação basca do último meio século está aqui nesta história de duas famílias amigas que são divididas pelo terror e que se reencontram através do amor. Aramburu tem uma precisão incrível na forma como desenha nove personagens, todas centrais, que representam nove reações diferentes ao nacionalismo e ao terrorismo. Fazes o quê quando o teu filho/irmão se torna num radical e num potencial assassino? Segues a causa mentirosa em nome do teu filho, ou deixas o teu filho em nome da decência e da verdade? Fazes o quê quando o teu pai/marido é assassinado a sangue frio por uns radicais que se julgam donos da tua própria terra?
5. Hilary Mantel, “Wolf Hall”. O que posso adiantar a tudo aquilo que já foi escrito sobre a trilogia de Mantel? Nada. É uma obra impressionante e, felizmente, ainda tenho para ler o vol II e o vol III. “Wolf Hall”, um drama da corte de Henrique VIII, parece que tem lá dentro todos os pensamentos e ações humanas que se repetem ao longo dos séculos com diferentes roupagens. Há choques e diferenças de classe social. Há choques e diferenças políticas. Há choques e diferentes formas de ver o amor. Há choques religiosos e diferentes maneiras de ver Deus e Cristo. Parece que estamos todos, sem exceção, nestas páginas.
5 sugestões de música:
1. Recomendo a música do compositor polaco Zbigniew Preisner, sobretudo a banda sonora da saga Azul, Branco e Vermelho de outro grande artista polaco, o cineasta Krystof Kieslowski. Quero destacar sobretudo a música “Song for the Unification of Europe”, a faixa central do filme “Azul”, sem dúvida um dos filmes da minha vida. Até tenho medo de o rever. Não quero beliscar em nada a aura lendária que este filme, visto algures no final dos anos 90, tem sobre mim. Além da orquestração operática, que é bela em qualquer contexto, quero destacar esta música por outra razão: faz lembrar uma era de optimismo e unificação na Europa. O filme e a música são de 1994. Respirava-se confiança na civilização europeia. A Polónia era o símbolo máximo dessa confiante unificação europeia. Hoje, a Polónia é um símbolo de desunião entre Europa ocidental e Europa oriental.
2. Nada me parece menos estival do que a música do compositor islandês Jóhann Jóhannson, que se suicidou há pouco tempo. Mas Jóhannson é um dos grandes autores de um género musical que, no fundo, adapta o ambiente da música clássica a uma cultura habituada ao pop e rock. Chamem-lhe o que quiserem, neoclássico ou música de banda sonora, mas oiçam este tipo de música. Bem sei que a sensação de desespero, fragilidade e perda de Jóhannson não é para todos os estômagos, isto é, para todos tímpanos. Só que também não há fé e esperança a sério sem a travessia deste “mundo submerso” – o nome de uma das faixas míticas de Jóhannson.
3. Por falar em neoclássico, oiçam a música do nosso Rui Massena. Se a música do Jóhannson nos deixa mergulhado na tristeza, a música de Massena já nos permite um pouco de alegria e recomeço. Adoro, por exemplo, o início do álbum “Ensemble”. Não por acaso, essa primeira faixa chama-se “Abraço”.
4. Para voltarmos a uma tristeza musical, indispensável à introspeção, quero recordar um autor português muitíssimo parecido a Jóhann Jóhannson, quer no estilo, quer na biografia: estou a falar de Bernardo Sassetti, que era (é?) o meu músico português favorito. Um dia gostava de fazer um filme só para encaixar o álbum ‘Ascent’ como banda sonora.
5. As obras de Patrick Cassidy (Irlanda) e Arvo Part (Estónia) não são parecidas na sonoridade. Cassidy é mais barroco e romântico, faz sinfonias de uma nação emergente. Part é mais religioso e celestial. Mas ambos são iguais num ponto: fazem música como se estivessem em 1910, ou 1810. Estão maravilhosamente fora de moda. Vêm de um tempo onde se podia ser crente sem levantar as sobrancelhas do cinismo.
5 sugestões de séries:
1. “The Leftovers”. Sabiam que há uma série sobre a pandemia que foi feita muito antes da pandemia? Sim, é esta. The Leftovers é a série mais estranha e mais difícil, mas é certamente uma das melhores, sobretudo para quem tem uma mente religiosa. Confiem em mim: se não têm fé, vão gostar; se têm fé, “The Leftovers” ficará convosco para sempre.
2. “Einstein – Genius”. Esta série mostra – pela enésima vez – uma coisa que os ateus insistem em esquecer: a ciência não é corrente de Deus ou da religião. Einstein, o maior cientista do século XX, dizia vezes sem conta: eu só quero descobrir como é que Ele, Deus, criou o mundo. A ciência não cria o mundo, descobre o mundo; descobre leis inscritas na estrutura do cosmos por um poder muito superior ao homem.
3. “Mare of Easttown”. Como é que sobrevivemos ao mal? Como é que nos mantemos empenhados na decência quando o nosso país, a nossa terra e a nossa família estão em acelerado processo de autodestruição? Como é que mantemos a ligação ao bem quando a linguagem do mundo parece indicar a absoluta hegemonia do mal, do cansaço, do cinismo e da doença? Esta é a grande questão moral e literária, que encontra aqui uma resposta inesquecível.
4. “Years and Years”. Sentem que estamos a caminhar num sentido autoritário? Sentem que somos menos livres a cada ano que passa? Sentem que a sociedade está madura para ser colhida por um líder autoritário? Sentem que os medos e ansiedades da sociedade podem ser democraticamente explorados por um ditador democraticamente eleito? Acham que Trump foi só um ensaio ou preâmbulo de algo muito pior? Vejam esta série inglesa que desenha o nosso futuro próximo como uma distopia. Às vezes, sinto que já estamos com pé e meio nesta distopia.
5. “Des”. Há dezenas ou mesmo centenas de séries e filmes sobre psicopatas e/ou assassinos em série. Não conheço nada superior a esta discreta e soberba série inglesa que ilustra um dos grandes assassinos ingleses do século XX (anos 80 e 90). “Porque é que você matou dezenas de jovens rapazes, Dennis?”, pergunta o polícia, incrédulo perante um mal que tem tanto de absoluto como de misterioso. “Estava à espera que você me explicasse, porque eu também não sei”, diz Dennis.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.