O Brasil elegeu Luís Inácio Lula da Silva, no último domingo (30), como seu 39º presidente da República. Com um resultado apertado – com apenas 1,8 ponto percentual de diferença – Lula assumirá pela 3ª vez o comando do poder executivo. Apesar de ter sua imagem desgastada nos últimos anos, foi o único candidato capaz de unir em torno de sua campanha uma frente ampla de forças políticas por vezes adversárias e derrotar Jair Bolsonaro. Tal feito configura apenas o início do desafio que o novo governo terá pela frente diante de um país notadamente dividido e com importantes questões sociais, políticas e econômicas para responder. Como chegamos a esta situação?
Nos últimos anos, dois sentimentos políticos ganharam força no país brasileiro: o antipetismo e o antibolsonarismo. O primeiro manifesta uma aversão ao Partido dos Trabalhadores (PT), legenda fundada pelo presidente recém-eleito. Duas de suas fontes de expressão são a frustração com os casos de corrupção no período em que o partido esteve à frente do governo nacional e a desestabilização institucional ocasionada pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Tal cenário mostra-se como um dos fatores que favoreceu o nascimento do bolsonarismo, a partir da figura de Jair Bolsonaro. Com um discurso antissistema e fundamentalista, assumiu o poder em 2018 e alimenta-se da contínua desestabilização institucional e de narrativas que se contradizem no intuito de estimular seus adeptos. Uma das principais teses dessa narrativa é o anticomunismo, assumindo que todos os partidos de esquerda pretendem implantar tal sistema político-económico.
Os contínuos ataques do governo Bolsonaro às instituições como as universidades, o sistema público de saúde, os órgãos de preservação ambiental e de proteção indígena e até a instituições eclesiais, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, impuseram em outra parte da população a necessidade de opor-se às propostas bolsonaristas. No antibolsonarismo, o enfrentamento se dá pela defesa da democracia por meio do antifascismo. Na vivência da fé, seja entre os católicos ou evangélicos, é interessante notar que, em geral, o antibolsonarismo está associado a um cristianismo social, ao passo que o antipetismo a um cristianismo neopentecostal.
Na vivência da fé, seja entre os católicos ou evangélicos, é interessante notar que, em geral, o antibolsonarismo está associado a um cristianismo social, ao passo que o antipetismo a um cristianismo neopentecostal.
Somado a este cenário de divisão, a realidade social do Brasil mostra-se fragilizada. Em 2021, após 7 anos, o país retornou ao mapa da fome, segundo a Relatório da ONU. Hoje, são cerca de 33,1 milhões de brasileiros sem ter o que comer, uma população equivalente à da Venezuela. O Brasil regrediu ao patamar próximo ao da década de 1990. Considerando a insegurança alimentar, este número passa a 125,2 milhões, cerca de 58,7% da população. Interessante notar que, no primeiro mandato de Lula, um dos seus principais compromissos era acabar com a fome no Brasil. O empobrecimento de parte da população evidencia uma concentração de renda cada vez mais acentuada. Cerca de 1% da população possui quase 50% do patrimônio total.
Para enfrentar os problemas da realidade brasileira e aprovar as medidas propostas em sua campanha, Lula terá que pôr em prática sua habilidade política diante de um Congresso Nacional onde enfrentará uma forte oposição. O novo presidente terá que buscar aliados de partidos de centro para aprovar seus projetos, visto que boa parte dos congressistas eleitos são de partidos alinhados com Jair Bolsonaro. Desse modo, a negociação com os parlamentares deverá ser contínua e desgastante ao longo dos próximos 4 anos. Além disso, terá a difícil tarefa de continuar a mobilizar suas bases sociais nas ruas ao mesmo tempo em que precisa dialogar com as pessoas que lhe fazem oposição nas regiões onde teve menos votos que seu adversário. Com quase 60 milhões de votos, o bolsonarismo ainda terá capacidade de desestabilizar o novo governo. Certamente, será o mandato presidencial mais difícil desde a redemocratização.
No cenário internacional, é esperado que, sob o governo Lula, o Brasil retome a confiança dos outros países, sobretudo dos investidores estrangeiros, caso consiga manter uma estabilidade institucional no país. Saindo de uma política externa isolacionista, o Brasil pode recuperar seu lugar de prestígio, como o foi há poucos anos. Com um cenário pós-pandemia, o Brasil deve fortalecer sua política econômica com seus principais aliados econômicos, como a China e os Estados Unidos, além de buscar os outros países dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e do bloco europeu, mesmo diante da crise enfrentada com a guerra na Ucrânia. A Noruega já anunciou que voltará a contribuir com o fundo para a Amazônia. O país nórdico havia interrompido a ajuda desde os avanços no desmatamento e garimpo ilegal sob o governo Bolsonaro.
O clima de disputa pelo poder e pelas narrativas, vivenciado no Brasil desde 2018, continuará. O terceiro mandato de Lula será marcado pela constante vigilância e manifestação ativa de um movimento que já ultrapassa o seu líder: o bolsonarismo. Além disso, todos os partidos políticos comprometidos com a democracia precisarão apresentar novas lideranças. O espectro político brasileiro foi turvado pelo bolsonarismo para a extrema-direita, também em função da falta de lideranças nacionais de centro-esquerda e, sobretudo, de centro-direita. A questão é se quatro anos serão o suficiente para a pacificação de parte da população que não parece disposta a sonhar um país que volte a ser conhecido por sua alegria e seu acolhimento.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.