Springsteen on Broadway – uma história de fé

João Valentim viu o concerto de Bruce Sprinsteen na televisão, que é uma espécie de viagem pela sua vida, e diz que o músico nunca deixa de procurar, porque está sempre a recomeçar a procura, como que numa evangelização sem tréguas.

João Valentim viu o concerto de Bruce Sprinsteen na televisão, que é uma espécie de viagem pela sua vida, e diz que o músico nunca deixa de procurar, porque está sempre a recomeçar a procura, como que numa evangelização sem tréguas.

A grande epifania deste Inverno é o mais recente truque de magia de Bruce Springsteen. Um concerto na Broadway, disponível na Netflix e Spotify, em que sozinho conta a história da sua vida. Dos grandes êxitos e dificuldades, introduz cada música com uma história, deixando-nos a viajar entre cada acorde, revendo já a nossa vida.

Habituou-nos ao Rock n’ Roll aos saltos e gritos acompanhado pela E Street Band em concertos para milhares de fãs,e aqui consegue fazer a mesma magia mas para uma pequena audiência, acompanhado apenas de uma viola, de uma harmónica e de um piano.

Mestre contador de histórias, conta-nos a viagem da vida dele, fazendo-nos sentir em casa, pois partilhamos a mesma aspiração de mais liberdade, mais alegria e mais felicidade. Porque temos a mesma vontade de deixar um testemunho, uma marca. E ao chegar aos 70 anos, Bruce Springsteen deixa-nos a sua marca. A maturidade, a sabedoria e uma fé que não se apaga.

Era apenas uma criança de 7 anos quando num sábado à noite, uma existência mais livre apareceu-lhe sem pedir licença, ao ver Elvis Presley cantar e dançar na televisão, fazendo-lhe acreditar que a liberdade, o futuro e a música são um direito de nascença. A revolução começou aí e nunca mais parou. Em jovem apenas conseguia suportar ver a sua imagem ao espelho, se tivesse acompanhado de uma guitarra. Com o passar dos anos ensinou essa guitarra a falar.

Sobre o que nos falam as músicas de Bruce Springsteen?

A rebeldia que sentimos na nossa infância – “When they said sit down, I stood up” – a importância das nossas origens e família, o amor que procuramos e não temos, a relação com o nosso pai e com a nossa mãe. O seu pai era o seu herói e a sua maior dor. A relação difícil e os vícios, e a redenção que por vezes leva décadas.

Fala-nos sobre Deus, sobre a promessa, a possibilidade e o mistério que temos o dever de manter sempre em aberto. A justiça social, a luta por um país melhor e o dever de ajudarmos quem mais precisa. Os amigos que morreram e a falta permanente e fundamental que nos fazem.

Fala-nos sobre Deus, sobre a promessa, a possibilidade e o mistério que temos o dever de manter sempre em aberto. A justiça social, a luta por um país melhor e o dever de ajudarmos quem mais precisa. Os amigos que morreram e a falta permanente e fundamental que nos fazem.

O compromisso de ter uma família e como honrar esse caminho entre todos os obstáculos. O curar a relação com os nossos pais, chegado o desafio da paternidade. Como dizia o seu companheiro de palco e vida, Steven Van Zandt, ele lutou mais pela sua família e por a construir do que pela sua carreira. E sabendo que é um trabalhador e músico incansável, isso é dizer muito.

Temos ainda a sorte de o ver acompanhado em palco pela sua mulher, Patti Scialfa, casados há quase 30 anos, mostrando-nos como a magia de 1 + 1 = 3 acontece quando se ama, quando estamos agradecidos de estar vivos, quando se experimenta a verdadeira beleza.

Ao longo da sua vida Bruce Springsteen deixa-se acompanhar com perguntas: Como honrar os nossos pais e o sítio de onde viemos? Com que parte da vida nos comprometemos? Porquê ou por quem nos vamos entregar? E sustém corajosamente ao longo da sua vida as perguntas sem resposta. Convive com a determinação feroz e a insegurança permanente.

Trabalhou assim arduamente ao longo de décadas para manter viva esta fé, uma esperança que tudo suporta, e uma determinação sem descanso, por mais verdade, beleza e justiça.

Sprinsteen nunca deixa de procurar, porque está sempre a recomeçar a procura, como que numa evangelização sem tréguas. Estamos perante um pregador que mantém intacta a sua fé, forte e frágil, e leva-nos música a música para mais perto da terra prometida, meet me in the land of hope and dreams.

Como estrela de Rock n’Roll sempre se debateu com a religião, apesar de ter sido criado como católico. Agora a chegar aos 70 anos, Bruce Springsteen neste concerto – resumo da sua vida – diz entre sorrisos como uma vez católico, nunca se deixa de ser católico. “Cresci rodeado de Deus”, e enfrentando Deus ao longo da vida deixa-nos uma comovente surpresa, introduzindo o último encore do concerto, de forma humilde e magnífica:

Reza um Pai Nosso. A audiência fica suspensa.

Seguem-se uns acordes e arranca o hino final:

Oh, Someday girl I don’t know when
We’re gonna get to that place
Where we really wanna go
And we’ll walk in the sun
But till then tramps like us
Baby we were born to run

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.