Sobre a despenalização e a eutanásia

O Ponto SJ recebeu um texto do P. Vasco Pinto de Magalhães, sj como reação ao texto de Isabel Allegro de Magalhães sobre a despenalização da eutanásia, aqui publicado no dia 16 de Agosto. Aqui fica esse texto.

O Ponto SJ recebeu um texto do P. Vasco Pinto de Magalhães, sj como reação ao texto de Isabel Allegro de Magalhães sobre a despenalização da eutanásia, aqui publicado no dia 16 de Agosto. Aqui fica esse texto.

Conheço, de longa data, a Isabel como alguém verdadeiramente empenhado na evangelização, nas causas da cultura, da justiça e das periferias. E, por isso, fico perplexo com o que me parece ser uma “escorregadela boazinha” perante a falácia, tão antiga e sobre tantos temas, da despenalização.

Legalizar a despenalização acaba por ser uma contradição. Despenalizar para certos casos (porquê esses?) leva a uma legalização e um legalismo perigoso. Entregar tudo a uma super-equipa de avaliação é lírico (como, quando e onde actua?).

As leis, além de serem um aviso que aponta limites devem ser pedagógicas. E a sua aplicação correta inclui a despenalização. Deve ter o cuidado e conhecer bem o caso, as responsabilidades, a consciência as circunstâncias, as atenuantes ou agravantes: muito, pouco, nada. Tal como agora, os debates sobre o aborto também afirmavam, apenas, não legalizar, mas despenalizar. Propuseram-se acompanhamentos, equipas de ajuda, social, económica e psicológica… e tudo foi substituído por “despenalizar até às X semanas”: é legal. (Diferente de legítimo!). E dentro desse prazo se adormece a consciência: passa a ser legal, logo permitido, logo não é mal. Mas que razão haverá para não ser até às X semanas mais uma, ou mais duas, ou três…, pois “agora é que percebi que não vou ser capaz, que não tenho condições… que agora é que o namorado ameaça, fortemente, que abandona ou não assume!”

E dentro desse prazo se adormece a consciência: passa a ser legal, logo permitido, logo não é mal

P: Vasco Pinto de Magalhães, sj

Isabel Allegro sabe bem o que é a formação da consciência moral.

E, voltando à Eutanásia, parece-me que todos deveríamos distinguir e compreender:
A) as situações dolorosas (mas, quais as suportáveis e as insuportáveis?), as angustias prolongadas e a perda de sentido que podem levara pensar que – sem outra saída – matar pode resolver aquele sofrimento;
B) o que é a compaixão cristã e a diferença que faz da concepção budista de compaixão;
C) o que possa ser, realmente, uma prática eficaz e humanizante de uma certa despenalização. E a este propósito leia-se o artigo de Roque Cabral sj na Revista Brotéria de Julho de 2018, precisamente, sobre este tema.

Uma coisa é ajudar quem sofre e acompanhar quem acompanha, oferecendo apoio bio-psico-sócio-cultural (espiritual); outra coisa é admitir, desde logo, que matar pode resolver o sofrimento. De quem? Ouvi proclamar que esse matar não só é despenalizável, como até pode ser um nobre acto de coragem! Mas, coragem e solidariedade é não-abandonar, não-desistir de amar, mesmo quando todos os sentimentos se confundem, não deixando nunca de ver no outro a sua dignidade pessoal.

P. Vasco Pinto de Magalhães, sj

Uma coisa é ajudar quem sofre e acompanhar quem acompanha, oferecendo apoio bio-psico-sócio-cultural (espiritual); outra coisa é admitir, desde logo, que matar pode resolver o sofrimento. De quem? Ouvi proclamar que esse matar não só é despenalizável, como até pode ser um nobre acto de coragem! Mas, coragem e solidariedade é não-abandonar, não-desistir de amar, mesmo quando todos os sentimentos se confundem, não deixando nunca de ver no outro a sua dignidade pessoal. (É evidente que não falo de encarniçamento terapêutico que é um erro e uma tentação subtil de prepotência!)

Sim, é urgente e necessária, a compaixão. Mas a compaixão cristã é a de Cristo e difere do sentimento e conceito empático do Budismo. A compaixão de Cristo vai ao ponto de tomar sobre si, fazer suas, as dores do outro, sofrido ou injustiçado, aponta a dar a vida por ele.

P. Vasco Pinto de Magalhães, sj

Sim, é urgente e necessária, a compaixão. Mas a compaixão cristã é a de Cristo e difere do sentimento e conceito empático do Budismo. A compaixão de Cristo vai ao ponto de tomar sobre si, fazer suas, as dores do outro, sofrido ou injustiçado, aponta a dar a vida por ele.

Despenalizar afirma que é mal, mas que há casos que se têm de aceitar. Legalizar a despenalização é legalizar o mal “em certos casos”…. É abrir uma porta deslizante até porque todos os casos merecem algum respeito. Mas o pior é que, pelo menos para tais casos, elimina o carácter pedagógico da lei. Abre também a porta aos legalismos e farisaísmos.

Em princípio, quem julga, quem aplica a lei a cada caso, o que faz é despenalizar. Você pisou o risco contínuo? Estava com muita pressa! Estava aflito para chegar ao dentista. Levava ao Hospital uma pessoa em estado muito grave! Não suporto filas e trânsito, torno-me agressivo e não vinha lá nada. Foi para não atropelar uma pessoa caída na estrada. Etc., etc. Qual destas respostas são de legalizar? Ou, então vamos lá ver melhor e discernir.

 

Nota da Direção: relembrando o que fizemos aquando da publicação do texto de Isabel Allegro de Magalhães, recordamos que os Jesuítas em Portugal tomaram, através do Ponto SJ,uma posição oficial sobre este tema. Essa posição pode ser recordada aqui:  Não somos sozinhos, não morremos sozinhos. 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.