O Sínodo sobre a Sinodalidade iniciou a sua segunda fase, a Etapa Continental. Entre janeiro e março de 2023 decorrerão sete assembleias sinodais continentais, que culminarão com a entrega, até 31 de março, das sete sínteses continentais à Secretaria-Geral do Sínodo. Destas sete sínteses resultará o Instrumentum Laboris, com apresentação anunciada até ao verão de 2023, para que se dê início à XVI Assembleia-Geral do Sínodo, que o Papa Francisco, alterando o calendário inicial, determinou recentemente que será realizada em duas sessões: a primeira entre 4 e 29 de outubro de 2023, a segunda em outubro de 2024, em dia(s) ainda não anunciado(s).
Ninguém disse que ia ser fácil, a começar pelo próprio Santo Padre que, na abertura do processo sinodal, reconheceu que o Sínodo iria obrigar a “esvaziar-nos, a libertar-nos daquilo que é mundano e também dos nossos fechamentos e dos nossos modelos pastorais repetitivos, [e] a interrogar-nos sobre aquilo que Deus nos quer dizer neste tempo e sobre a direção para onde Ele nos quer conduzir”. (da homilia da missa de 10 de outubro de 2021).
A isso juntamos outras primeiras dificuldades a começar pelo tema, considerado autorefencial, por ser um sínodo sobre a sinodalidade. Depois a dificuldade de se perceber o que significa e o que é a sinodalidade que, embora entendida como dimensão característica da Igreja e elemento diferenciador do agir das primeiras comunidades cristãs, era algo distante, precioso, mas pouco em uso de uma maneira geral no agir atual.
A participação de todo o Povo de Deus na primeira etapa teve estas reticências, a que se juntaram as desconfianças, os medos da eventual mudança que no final o processo sinodal pudesse trazer. Nalguns casos teme-se o regresso a uma Igreja da velha guarda e noutros a chegada de uma Igreja progressista ou, também, o medo de uma Igreja em que poucos ou ninguém se reconheça. Depois houve outras resistências, mais de âmbito tecnológico e geográfico, digamos assim, e também a pandemia.
Nalguns casos teme-se o regresso a uma Igreja da velha guarda e noutros a chegada de uma Igreja progressista ou, também, o medo de uma Igreja em que poucos ou ninguém se reconheça.
Apesar de todos estes pesares, a primeira fase fez-se com uma ampla participação, com a Secretaria-Geral do Sínodo, ao mesmo tempo que agradeceu a todos quantos participaram, a fazer uma avaliação positiva da forma como tudo decorreu. O Documento de Trabalho para a Etapa Continental (DEC) reúne os contributos recebidos de 112 conferências episcopais (de 114), de 15 Igrejas Orientais Católicas, de 17 Dicastérios Romanos, dos superiores e superioras das ordens e congregações religiosas, dos diferentes movimentos e associações laicais e ainda contributos que chegaram da iniciativa Sínodo Digital promovida na internet.
Do que me é dado observar, como experiência prática por fazer parte de grupos de trabalho nas fases paroquial/diocesana em Portugal e por integrar também a Comissão de Comunicação do Sínodo, onde chegam testemunhos e relatos de todo o mundo, considero que já não estamos como no início. Algo importante (nos) aconteceu, porque as pessoas, de forma mais individual ou coletiva – os grupos, as congregações, as instituições, e aqui falamos desde as mais pequenas numa paróquia, num qualquer lugar do mundo aos organismos do Vaticano -, quiseram e fizeram por parar para escutar. Os cristãos quiseram fazer-se ouvir, pensar e dialogar, movidos pela fé e por um objetivo comum: fazer com que a Igreja possa prosseguir o seu caminho em direção “à unidade, à comunhão, à fraternidade que nasce de nos sentirmos abraçados pelo único amor de Deus”, nas palavras do Santo Padre na sessão de abertura do Sínodo (Papa Francisco, 9 outubro 2021).
No livro recém editado em Portugal “A Tarde do Cristianismo”, Tomás Halik refere uma realidade que o Sínodo também permite ver: o confronto da Igreja com ela mesma, as suas divisões internas. A isto não são estranhos os casos graves que temos vindo a conhecer, com uma tristeza e desilusão sem fim, quase diariamente, de pedofilia, de abusos sexuais e outros abusos, má gestão, corrupção e compadrios, advindos de decisões e ações das instituições e das pessoas.
No livro recém editado em Portugal “A Tarde do Cristianismo”, Tomás Halik refere uma realidade que o Sínodo também permite ver: o confronto da Igreja com ela mesma, as suas divisões internas.
O Sínodo nesta segunda etapa continua o seu caminho neste contexto muito difícil, a impelir e a exigir pedidos de perdão, justiça e reconciliação, e também por isso, continua a ser tão importante não desistir.
O Documento para a Etapa Continental (DEC) será o ponto de partida para um novo discernimento que se alarga – o lema do DEC é mesmo “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2) – do nível local e nacional para o nível continental, e é interessante por dois feitos principais. Primeiro por mostrar a unidade na diversidade, já que são comuns muitas esperanças, desalentos e ânsias em partes diferentes do mundo, com muitos, mesmo muitos, a apontarem para o mesmo, no que de mais positivo e negativo a Igreja possui.
Segundo por mostrar, também, precisamente no contrário: que na unidade da fé são diferentes os contextos de cada Igreja local e que essa é uma grande riqueza e esperança, pois podemos aprender uns com os outros, com os bons exemplos e práticas, espera-se.
O DEC tem outra novidade de relevo, mais relacionada com a sua elaboração e de âmbito comunicativo: pela primeira vez um documento sinodal foi trabalhado em simultâneo em dois idiomas, italiano e inglês, além de, no momento da sua apresentação e restituição às Igrejas locais, ter sido disponibilizado de imediato em outros idiomas, também em português, prosseguindo o processo de tradução para outros idiomas, para que o DEC possa chegar a todos. As questões processuais e práticas, para esta primeira fase, são disponibilizadas também em português, no site da Secretaria-Geral do Sínodo.
Destaco alguns elementos que, no meu entendimento, importa ressalvar: que o Documento para a Etapa Continental não é o documento conclusivo deste Sínodo, mas um recurso de trabalho para a continuidade da escuta e do discernimento; que esta fase continua a querer contar com a participação da toda a comunidade eclesial, e não apenas das comunidades e estruturas episcopais e clericais, para que todos sejam verdadeiramente participantes e corresponsáveis.
Se a missão cabe a todos, pede-se que todos sejam chamados a participar na definição dessa missão. E, por outro lado, se todos são chamados, que todos participem, para que no final não digam que não foram escutados.
Termino como começa o Documento de Trabalho para a Etapa Continental: “O Sínodo segue em frente: podemos afirmá-lo com entusiasmo…”.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.