Durante o jubileu das comunicações, que decorreu em Roma no final de janeiro, os 16 jovens formandos do FC4 (Faith Communication in the Digital World, 4ªedição), grupo do qual fiz parte, tiveram a oportunidade de participar num painel de discussão sobre espaços digitais e numa atividade em grupo liderada pelo projeto Narrative 4, juntamente com cerca de 120 outros jovens comunicadores da fé, vindos de todo o mundo. Entre muitas atividades e visitas que tivemos o privilégio de fazer, estes foram dois momentos distintos que tiveram um significado e peso especial para mim, pois não esperava que fossem pontos tão altos deste evento.
O painel de discussão foi do mais estimulante que poderia haver para qualquer comunicador da fé, pois tivemos oportunidade de ouvir Eli Pariser, Paterno Esmaquel II e Chris Walter, três referências em campos diferentes da comunicação.
Eli sonhou connosco espaços digitais que se parecessem mais como pequenas aldeias: seguros, pessoais, sem desejos excessivos de vendas ou agendas, positivos, onde todos se conhecessem e todos tivessem lugar a uma mesa redonda. Paterno Esmaquel II, por seu lado, falou-nos dos perigos que os meios de comunicação enfrentam em diferentes realidades do mundo, mas encorajou-nos a abordar a crise de confiança nos media de forma sinodal. “As pessoas não estão à procura de professores, estão à procura de testemunhas. Elas não acreditam em factos, as pessoas acreditam noutras pessoas” – disse-nos, sublinhando como nós, enquanto comunicadores e especialmente comunicadores da fé, temos uma missão dedicada à verdade. Por último, Chris Walter mostrou-nos o quão mais preciosas se tornam as histórias que contamos quando são criadas a partir de uma relação genuína de companheirismo entre o narrador e os protagonistas, e como é mutuamente importante manter estas relações.
Isto fez-me refletir sobre o quão essencial é o sentido de comunidade para um storyteller. Não precisamos apenas de comunidades para encontrar e conectar-nos com histórias que possamos usar e projetar, mas também precisamos de uma comunidade nossa, de comunicadores e especificamente comunicadores da fé, onde possamos partilhar as nossas narrativas e experiências de forma segura e rica. Mesmo sendo esta uma vocação tão pessoal e única, senti que é uma missão onde não estamos sozinhos, nem nunca devemos estar.
Mesmo sendo esta uma vocação tão pessoal e única, senti que é uma missão onde não estamos sozinhos, nem nunca devemos estar.
No dia seguinte, encontrámo-nos com o projeto “Narrative 4”. Foi aqui que as coisas se tornaram realmente pessoais. A atividade era simples: primeiro, formar um par com alguém desconhecido. Depois, pensar num momento da nossa vida em que reparámos algo ou em que testemunhámos um ato de bondade de outra pessoa, e partilhar essa história com o nosso par. Em seguida, reunimo-nos novamente com o grupo e repetimos a história que ouvimos, narrando-a na primeira pessoa.
Foi aqui que conheci o Félix, diretor de uma rádio local no Quénia. Esta foi a história que ele me contou: Num dia normal como todos os outros, entrou uma desconhecida no seu escritório, pedindo dinheiro para que a filha evitasse abandonar os estudos. O Félix não tinha os meios financeiros para ajudar esta mãe desesperada, mas tinha uma plataforma e decidiu usá-la. Contou esta história aos seus ouvintes, como que um tiro no escuro e na esperança que daí pudesse sair algum fruto. Dias depois, foi surpreendido com tantos ouvintes que se juntaram para ajudar a menina. Desta rede formou-se uma pequena comunidade, e até se chegavam a encontrar presencialmente. Em conjunto conseguiram que outras organizações se envolvessem, e com tanto apoio esta menina conseguiu estudos, uniformes, livros e material escolar pagos e garantidos até terminar o liceu.
A história que o Félix me contou é uma história sobre esperança em comunidades que já borbulhava em mim desde o dia anterior. Ele sentia-se muito orgulhoso desta história e ao ouvi-lo também eu me emocionei. “Há pessoas tão boas e incríveis neste mundo” – pensei, fascinada. Eu não esperava isto do Félix e, na verdade, não sei bem dizer o que esperava. Na “conversa de circunstância” que fizemos antes da atividade começar, o Félix aparentava ser uma pessoa completamente diferente de mim. Formávamos um par visualmente peculiar: eu, muito baixinha e pálida, e ele muito alto, grande e de tez muito escura. Vinha de um lugar, de uma cultura e de um contexto completamente diferente do meu. Tinha um sotaque cerrado e um sentido de humor difícil de decifrar. Lembro-me de estar reticente quanto ao resultado desta atividade.
No entanto, surpreendeu-me o quão simples e poderosa foi esta experiência, e de como me senti profundamente ligada a alguém que nunca tinha conhecido antes e que provinha de outro canto deste mundo, e que era tão diferente de mim. Ao repetirmos as histórias um do outro, para o grupo todo e na primeira pessoa – era esse o exercício -, eu e o Félix permitimos que elas criassem raízes bonitas nos nossos corações, tornando-as nossas sem retirar a autoria a quem é devida. Nesse dia, este par peculiar compreendeu-se verdadeiramente.
Afinal, escutar e contar histórias de forma generosa são dois atos essenciais para a compreensão e para a mudança de um mundo que se constrói a partir da base para o topo, mesmo que possamos discordar uns dos outros. Como nos disse Colum McCann, diretor do projeto “Narrative 4”: “Não temos de gostar uns dos outros, mas temos de compreender-nos.” E eu, subscrevendo, penso que este é um passo importante para nos tornamos verdadeiros peregrinos da esperança.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.