Seis meses que duram muitos anos

O trabalho contínuo do Conselho da União Europeia é, assim, com razão, comparado a uma gigantesca corrida de estafetas, em que uma distância sem fim é percorrida, seis meses de cada vez.

O trabalho contínuo do Conselho da União Europeia é, assim, com razão, comparado a uma gigantesca corrida de estafetas, em que uma distância sem fim é percorrida, seis meses de cada vez.

A Presidência do Conselho da União Europeia são seis meses que duram muitos anos. Cabe a todos os 27 Estados-Membros (EM) da União Europeia (UE) exercerem a Presidência do Conselho de Ministros da União Europeia, que reúne as diversas formações constituídas por Ministros dos EM das diversas áreas, atualmente presididas pelo responsável governamental da área em questão em Portugal.

Foi em 2016 que se definiu a data da Presidência Portuguesa da União Europeia (PPUE), tendo em conta a saída do Reino Unido da UE, bem como a adesão da Croácia como o (então) 28º membro. A ordem dos países não obedece a um critério evidente, mas sim à preocupação de que cada Presidência esteja agrupada num ‘Trio’, constituído com vista à diversidade, representação geográfica e planeamento – e.g., o Trio de Portugal começou em julho de 2020 com a Presidência alemã, e vai terminar em dezembro de 2021 com a Presidência eslovena.

O primeiro passo do planeamento estratégico é a elaboração do programa deste Trio, cuja negociação começa bem avançada (e já tem em conta as prioridades da Comissão Europeia para o mandato em curso, que começou em 2019), mas pode ser revista até ao começo deste, fruto das contingências dos processos decisórios e de fatores exógenos como a atual crise – que levou a que o início da PPUE visse as prioridades do Trio recentrarem-se na resposta à pandemia e aos seus efeitos.

O primeiro passo do planeamento estratégico é a elaboração do programa deste Trio, cuja negociação começa bem avançada (e já tem em conta as prioridades da Comissão Europeia para o mandato em curso, que começou em 2019), mas pode ser revista até ao começo deste, fruto das contingências dos processos decisórios e de fatores exógenos como a atual crise.

Em simultâneo prosseguem outras prioridades do Trio: democracia, direitos humanos, o Estado de direito, e garantir uma UE forte baseada no crescimento, no emprego, e na dimensão social. Estas prioridades são paralelas a desafios de longo-prazo como a digitalização, as alterações climáticas, e a transição energética. De uma perspetiva de resiliência económica, a UE procura um compromisso entre o reforço da sua capacidade produtiva interna e a continuação da promoção de abertura e integração, sintetizado no conceito de autonomia estratégica aberta.

Já existe uma equipa muito significativa de funcionários portugueses altamente qualificados que acompanham estas questões no quotidiano, mas as responsabilidades acrescidas da PPUE implicam uma redistribuição de recursos, em que as equipas são reforçadas para tomarem conta do trabalho de gestão de reuniões e de condução dos diversos dossiers. Funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros e dos diversos Ministérios setoriais assumem novas funções com o auxílio dos colegas do Secretariado-Geral do Conselho – funcionários fixos da instituição – cuja primeira intervenção é a organização de formações sobre o funcionamento das instituições.

Estas formações permitem conhecer os bastidores dos bastidores das instituições europeias, que garantem que se obtenham consensos, e que tudo está pronto para as reuniões decorrerem com normalidade. Uma preparação que não pode ser sobrestimada, se tivermos em conta as limitações de reuniões com 27 participantes onde, se se houver um ponto em que todos os EM falem, ainda que apenas durante cinco minutos, o mesmo durará duas horas e um quarto. Felizmente, o trabalho inter-reuniões permite a síntese e garante que tal seja raro.

Após formação, planeamento, e extensa coordenação entre colegas de outros Ministérios e de outros EM, chegámos à PPUE em plena pandemia. Com todos os desafios que estão subjacentes ao planeamento de seis meses de um empreendimento desta natureza, a PPUE foi já a terceira Presidência assim afetada – começando pela Croácia no primeiro semestre de 2020 – e já beneficiou do excelente trabalho das que a precederam. Assim, um período geralmente definido por constantes deslocações de peritos entre a capital e Bruxelas, passou sobretudo a ser definido por videoconferências. Como a maioria das pessoas terá tido a oportunidade de descobrir durante este período, muito pode ser feito à distância hoje em dia, e a PPUE seguiu o exemplo da Presidência alemã ao ser feita de forma sobretudo digital, enquanto o progresso na resposta à pandemia deixa a incerteza de sermos a primeira Presidência a desconfinar – o que infelizmente ainda não foi o caso.

Mas, havendo excelentes razões para se manter medidas de distanciamento, o consenso é complexo de se obter à distância. Por isso existem grupos que reúnem presencialmente – embora sempre com cautela – para dar um necessário impulso às negociações.

Mas, havendo excelentes razões para se manter medidas de distanciamento, o consenso é complexo de se obter à distância. Por isso existem grupos que reúnem presencialmente – embora sempre com cautela – para dar um necessário impulso às negociações. É o caso dos COREPER II e I, que reúnem – respetivamente – os Representantes Permanentes e os Representantes Permanentes Adjuntos dos EM junto da UE. Sem desprimor para os restantes grupos de trabalho que igualmente reuniram presencialmente – e aqueles que não o tendo feito, fizeram ainda assim um excelente trabalho – o trabalho do COREPER foi particularmente importante num cenário em que as restantes reuniões técnicas e políticas estão limitadas.

Evidentemente, os peritos dos Ministérios setoriais continuam a prestar um precioso apoio ao trabalho desenvolvido pelos nossos representantes em Bruxelas, sobretudo ao nível dos grupos mais técnicos. Esta colaboração – mesmo em alturas normais – não tem um formato fixo, antes de mais porque os grupos de trabalho no Conselho não refletem a divisão de competências e atribuições de nenhum dos EM. Logo, não é raro ter técnicos de vários Ministérios a colaborar num mesmo dossier onde as competências necessárias estão distribuídas por instituições nacionais.

Por exemplo, o Ministério da Economia e da Transição Digital tem competências na política de investimento, de comércio e de internacionalização das empresas, enquanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros tem competência na definição de toda a política externa. Isto leva a que tenham uma colaboração muito próxima na Política Comercial Comum e na Política Europeia de Investimento e no Comité de Política Comercial, o órgão preparatório do Conselho.

Para terminar, uma pequena nota sobre a importância destes seis meses. As prioridades de cada Presidência não significam que os restantes processos sejam menos importantes. Aliás, tendo em conta a prevalência do consenso nas decisões da UE, é difícil que uma medida passe do planeamento à implementação em seis meses, pelo que, frequentemente, uma Presidência sob a qual muito trabalho foi feito, não o verá concluído. Mas a Presidência do Conselho dá a cada EM a oportunidade de contribuir motivadamente para a construção europeia. Junto com a manutenção do equilíbrio institucional – em que o Conselho representa o interesse dos EM – não devemos subestimar o ímpeto que a Presidência dá a cada país, e ao bom funcionamento do Conselho.

O trabalho contínuo do Conselho, é assim, com razão, comparado a uma gigantesca corrida de estafetas, em que uma distância sem fim é percorrida, seis meses de cada vez.

https://www.eu2020.de/eu2020-en/news/article/-/2431390

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.