Santa Maria das Júnias – na rota do Românico

Esta semana, a Brotéria sugere uma visita a este mosteiro do século XII, testemunha da História e das diferentes “correntes” que atravessaram Portugal.

Esta semana, a Brotéria sugere uma visita a este mosteiro do século XII, testemunha da História e das diferentes “correntes” que atravessaram Portugal.

Basta a deliciosa aldeia de Pitões das Júnias para justificar a viagem de mais de 460 quilómetros desde Lisboa até quase à fronteira, em pleno Parque Nacional Peneda-Gerês. É inevitável fascinarmo-nos pelo silêncio que invade a aldeia, pelas casas de granito tão coerentes com o cenário bucólico e, principalmente, pelas pessoas que percorrem as ruelas e os amplos campos, acompanhadas por animais, ou sentadas à porta de casa, contemplando o tempo fértil em calmaria que por lá se experimenta.

No entanto, este tesouro é fruto de um outro tesouro escondido no fundo de um vale emoldurado pelas montanhas, que apenas se deixa descobrir depois de percorridos cerca de dois quilómetros a pé, por um caminho de cabras. Hoje composto por uma igreja ainda a culto e por ruínas, o deslumbrante Mosteiro de Santa Maria das Júnias acredita-se ter sido construído sobre um eremitério do século IX, erigido após dois caçadores encontrarem uma imagem de Nossa Senhora com o Menino Jesus num carvalho, segundo se conta pela tradição oral.

Enquanto D. Afonso Henriques conquistava Lisboa e Santarém em 1147, no Norte procedia-se à construção do mosteiro, tal como se pode ler na inscrição epigráfica no exterior da igreja, com a datação hispânica – do calendário romano – de 1185 («Era Mª Cª L XXXVª»), à qual se subtraem 38 anos para concluir o ano do nosso calendário gregoriano. A par dos feitos militares – mais registados e por isso mais conhecidos – a proliferação de estruturas monásticas foi indispensável para a ocupação de território e consequente formação do reino de Portugal, ao contribuir para o ordenamento e fixação de povoações pelos espaços conquistados.

Este mosteiro foi igualmente fruto da expansão beneditina por toda a Europa ocidental, que progressivamente eclipsou, em grande parte, as tradições monásticas peninsulares (…)

Este mosteiro foi igualmente fruto da expansão beneditina por toda a Europa ocidental, que progressivamente eclipsou, em grande parte, as tradições monásticas peninsulares, contribuindo desta forma para a uniformização da Igreja através de linguagens e instrumentos comuns, como o rito romano ou a arquitetura românica, transversal a toda a Europa. Destarte, realizava-se na prática a reforma eclesiástica que tivera início no século XI e que pretendia uma supremacia efetiva de Roma, com capacidade de controlo, e não uma meramente prestigiosa.

Com um curso de água e com campos aráveis e viáveis à pastorícia, os monges (do grego μόνος – sozinho, solitário) beneditinos cluniacenses encontraram naquele vale o local ideal para se tornarem autossuficientes, e, assim, se poderem isolar e desligar mais facilmente de toda a materialidade. Neste sítio, teriam condições para cumprir a Regra de São Bento de Núrsia (c. 480 – c. 547), cujos preceitos, seguidos por diversos mosteiros até aos dias de hoje, se tornaram conhecidos pela sua exigência relativa à oração, ao trabalho e à humildade. A Regra tornou-se incontornável na definição do monaquismo ocidental da Igreja medieval primitiva, ao promover um ascetismo equilibrado com a vida comunitária, distinguindo-se, portanto, do monaquismo oriental severamente ascético.

O império carolíngio chegou mesmo a instituir a Regra de São Bento como a única passível de ser seguida nos seus territórios. Aqui viveram, até à extinção liberal das ordens religiosas masculinas (e eventualmente femininas), em 1834, os monges vestidos de preto que, em 1248, aderiram à reforma cisterciense, vestindo-se de branco. Esta reforma, dentro da ordem beneditina, desejava um regresso ao respeito absoluto e literal pela Regra de São Bento, face à progressiva adesão dos monges beneditinos de Cluny ao fausto estético e intelectual.

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Miguel Lopes Dias

Das ruínas do claustro, importa, pelo menos, referir – como importante testemunho da arquitetura românica portuguesa – os três arcos de volta perfeita que permanecem de pé. Já a igreja, por ter estado sempre a culto, foi, ao longo dos séculos, uma verdadeira “esponja” das mudanças da história da Igreja e das suas consequentes necessidades, como se pode detetar pelo convívio entre a arquitetura românica tão evidente no portal em arco de volta perfeita; a cabeceira gótica – reconstruída devido aos progressivos assoreamentos – com cruzaria de ogivas na abóbada e janelas de arco quebrado; a talha barroca; e as restantes intervenções feitas posteriormente, como o campanário.

Apesar das poucas certezas que nos dá a documentação existente, não existe dúvida que o Mosteiro de Santa Maria das Júnias exprime exemplarmente a estrutura monástica pretendida na recuada Idade Média ocidental, para atingir a simplicidade e o isolamento desejados pelos monges. Para além disso, constitui um importante documento histórico relativo aos anos que decorreram desde a sua fundação, passando pela formação da nacionalidade e pela fase de declínio consequente da reforma protestante, até à sua extinção, que, segundo o decreto redigido no final de Maio de 1834, elimina «o prejuízo que durou séculos […] [e cuja] conservação não é compatível com a civilização, e luzes do século, e com a organização política, que convém aos Povos»

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Fotografia de Miguel Lopes Dias.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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