Peregrinos e enviados, como Inácio

Dia da Família Inaciana reuniu em Fátima mais de 2500 pessoas ligadas à Companhia de Jesus. Um tempo de festa, partilha e também de envio para uma missão que é conjunta e partilhada e que começou há 500 anos, com Inácio de Loiola.

Dia da Família Inaciana reuniu em Fátima mais de 2500 pessoas ligadas à Companhia de Jesus. Um tempo de festa, partilha e também de envio para uma missão que é conjunta e partilhada e que começou há 500 anos, com Inácio de Loiola.

Cada um chegou com a sua própria experiência de fé, de Igreja, a sua própria história pessoal. Oriundos dos vários locais do país onde a comunidade inaciana se foi implantando ao longo dos anos – Braga, Santo Tirso, Porto, Covilhã, Coimbra, Lisboa, Pragal, Évora e Portimão – chegaram a Fátima com o desejo de “ver novas todas as coisas em Cristo”. “Mas viemos pôr-nos aos pés de Jesus para sermos enviados. A tentação pode ser pensar ‘é bom ficar aqui, façamos uma tenda’ (como diz o Evangelho de hoje). Mas viemos aqui para nos irmos embora e O levarmos”, lembrou o P. Miguel Almeida, na homilia da eucaristia que encerrou o Dia da Família Inaciana. No dia 12 de março, data em que se assinalaram os cujos 400 anos de canonização de Santo Inácio de Loiola e são Francisco Xavier, o Provincial dos Jesuítas recordou que era também essa a identidade de Inácio, o peregrino, que era tão batalhador que só quando perdeu (e caiu ferido na Batalha de Pamplona) é que se deixou tocar por Deus.

Também nós, enquanto não experimentamos uma ferida, não estamos conscientes da necessidade de Deus. Pois somos educados para a autossuficiência”, afirmou o P. Miguel, perante as centenas de pessoas que encheram a Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, ao final do dia. E lembrou de novo Inácio que, depois da ferida sofrida em combate, se deixou transformar e transfigurar por Deus, experimentando uma consolação espiritual profunda que lhe permitiu ver novas todas as coisas em Cristo.

Numas palavras dirigidas à comunidade inaciana a propósito deste dia festivo, o Papa Francisco colocou também a tónica na vida de Inácio. “Aproximar-se da experiência de Santo Inácio significa também aproximar-se de uma experiência de discernimento. Não se pode entender a restante vida de Inácio sem esta base experiencial. Ele recebeu a graça de poder conhecer e expressar o que acontece em um coração aberto à graça e, portanto, submetido à tentação“, escreveu o Santo Padre num email dirigido ao coordenador do Ano Inaciano, P. Miguel Pedro Melo. Nessa missiva, Francisco lembrou ainda que as “regras para melhor conhecer os espíritos que se movem em nós são diretrizes para o caminho. Elas não podem ser compreendidas e praticadas se não nos pusermos em caminho. E não num caminho de passeio, um caminho hermético, ou um caminho no âmbito de si mesmo sem sair pela estrada (o que confirmaria andar num labirinto), nem turismo nem labirinto…, mas caminho em direção a alguém que me chama, um caminho que supõe deixar algo e olhar adiante, em direção a algo a que sou chamado e não vejo completamente – pois será definitivamente.”

Numas palavras dirigidas à comunidade inaciana a propósito deste dia festivo, o Papa Francisco colocou também a tónica na vida de Inácio. “Aproximar-se da experiência de Santo Inácio significa também aproximar-se de uma experiência de discernimento.

Uma manhã com vários programas e uma tarde conjunta

Foi precisamente a ferida que Inácio sofreu na Batalha de Pamplona que deu o mote a este Ano Inaciano que arrancou em maio de 2021 para assinalar os 500 anos da conversão do fundador da Companhia de Jesus, e cuja vivência teve como ponto alto este dia em que mais de 2500 pessoas ligadas à família inaciana se reuniram em Fátima. Jesuítas, religiosas de inspiração inaciana, leigos, de todas as idades, – desde bebés até idosos –, colaboradores das diversas obras ligadas aos jesuítas, famílias, jovens dos vários movimentos de juventude, centros universitários e paróquias, celebraram juntos a missão partilhada da Companhia de Jesus em Portugal. Uma comunidade heterogénea, que se quer conhecer e reconhecer na diversidade e cada vez mais caminhar em conjunto.

O dia de festa começou cedo, principalmente para os que vieram de mais longe, como do Algarve ou do Minho, e que foram chegando à Cova da Iria pelas nove da manhã. De autocarro ou em transporte próprio, em grupo ou autonomamente, as várias centenas de pessoas foram-se instalando nos vários programas que estavam organizados para a parte da manhã. Pelo auditório do Centro Paulo VI ficaram os Amigos de Inácio, sedentos de saber mais sobre o santo peregrino e a sua conversão espiritual, e que escutaram o testemunho do jesuíta Francisco Montellano e a pregação do P. Vasco Pinto de Magalhães. “O que orienta o caminho do peregrino é o onde chegar, o para quê”, sublinhou o jesuíta, acrescentando: “o peregrino sabe o seu caminho se sabe onde quer chegar. É o fim que comanda a vida. A vontade de chegar ao que me é oferecido”.

Chuva%20intensa%20n%C3%A3o%20demoveu%20os%20participantes%20que%20mostraram%20a%20sua%20uni%C3%A3o%20e%20fidelidade%20%C3%A0%20miss%C3%A3o.
Chuva intensa não demoveu os participantes que mostraram a sua união e fidelidade à missão.

No Lar Santa Beatriz da Silva, das religiosas concepcionistas, reuniram-se os Companheiros na Missão, a maioria dos quais colaboradores ou voluntários das obras inacianas ou ligados à Comunidade de vida Cristã. Para este público falou o P. José Frazão Correia, pondo a tónica na conversão corporativa e comunitária que somos chamados a fazer, enquanto Igreja, e que vai para além da conversão pessoal e interior, implicando e abrangendo todo o modo de proceder. Algo que é de uma “urgência eclesial e epocal”, sublinhou. Enunciando e aprofundando o que nos é pedido com as Preferências Apostólicas Universais da Companhia de Jesus, o P. José referiu quatro ações que lhes estão subjacentes: mostrar (o caminho para Deus através dos Exercícios Espirituais); caminhar (com os excluídos); acompanhar (os jovens na construção de um futuro cheio de esperança) e colaborar (no cuidado da Casa Comum). No final desta palestra, os participantes foram desafiados a uma dinâmica de grupo que culminou com a mensagem da missão partilhada e do olhar renovado.

As famílias, que juntaram essencialmente pessoas ligadas ao Colégio São João de Brito, ao Colégio das Caldinhas e às paróquias confiadas aos jesuítas, caminharam pelos locais mais emblemáticos de Fátima. Mesmo debaixo de uma chuva persistente, com muitas crianças pela mão ou nos carrinhos tapados com casacos e impermeáveis, peregrinaram animados até aos Valinhos, rezando e partilhando em família e em conjunto. Já no santuário, reunidos no Albergue do Peregrino, os mais novos juntavam-se para uns jogos simples, dentro de portas devido à chuva, enquanto os adultos escutavam do P. Carlos Carneiro palavras inspiradoras sobre a conversão de Inácio e que convidavam à transformação. “É preciso que aconteça em mim o que Deus fez em Inácio. Do que estamos à espera? Não vale a pena esperar pela eternidade para que aconteça em nós o milagre da santidade”, afirmou, de microfone em punho empoleirado numa cadeira.

Para este público falou o P. José Frazão Correia, pondo a tónica na conversão corporativa e comunitária que somos chamados a fazer, enquanto Igreja, e que vai para além da conversão pessoal e interior, implicando e abrangendo todo o modo de proceder.

Os jovens já estavam em Fátima quando o dia começou. Reunidos de véspera na Casa Velha, em Ourém, iniciaram o Dia da Família Inaciana com um jantar partilhado, ao que se seguiram pontos de oração e uma breve vigília. Já noite escura, fizeram-se à estrada e caminharam em oração até à Capelinha das Aparições, onde chegaram de madrugada, já depois das quatro da manhã. Ao fim da manhã, instalados no Colégio de São Miguel, já fora do recinto do Santuário, escutaram o testemunho do P. Gonçalo Castro Fonseca que falou da sua experiência de quatro anos na Síria, onde disse ter visto a tristeza de Deus no sofrimento de tantas pessoas. Tal como os pais ficam tristes quando os filhos sofrem ou se portam mal, assim o jesuíta disse ter sentido Deus, perante o horror da guerra e da dor. Contudo, acrescentou, apesar de ter assistido a tanto sofrimento nunca chegou a por a questão – compreensível, reconheceu – porque decisiva: Onde está Deus nesta tragédia? Pelo contrário, o P. Gonçalo diz ter aprendido que a única forma de recuperar a dignidade e enfrentar o sofrimento é através do amor. Perante um público jovem e atento, e num tempo marcado novamente pela guerra e pela incerteza, o jesuíta desafiou os jovens a uma grande missão: dar voz a quem não tem. Mais do que ajudar com apoios materiais e até pessoais, em voluntariado, nesta situação presente da Ucrânia, e além de rezar, “a grande missão de ajuda passa por dar voz, junto dos amigos, da família, na universidade, por onde quer que se esteja”.

Depois dos programas da manhã, a família inaciana reuniu-se na Capelinha das Aparições para uma oração conjunta orientada pelos noviços e presidida pelo P. Provincial, onde a missão coletiva e a de cada um foram confiadas a Nossa Senhora e as preces pediram a paz, a conversão do olhar e do coração. No final da celebração, em tom de gratidão e de bênção, uma azinheira simbolizando toda a família ali reunida foi deixada aos pés de Nossa Senhora.

Ainda debaixo de chuva, mas sem nunca deixar de cumprir o programa estabelecido, os participantes neste dia festivo rumaram ao auditório do Centro Paulo VI para ouvir falar de sinodalidade. A convidada era especial, a Irmã Nathalie Becquart, subsecretária para o Sínodo dos Bispos, que numa conversa com o P. Hermínio Rico nos veio reforçar a importância do Sínodo em curso e do processo que o Papa quer propor à Igreja com a sua realização.

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P. Hermínio Rico conversou com Irmã Nathalie Becquart sobre sinodalidade.

A religiosa que está ligada à espiritualidade inaciana lembrou ainda que o contexto de incerteza em que Inácio viveu, há mais de 500 anos, se assemelha ao contexto atual e que foi através de uma ferida que os seus sonhos e planos de vida mudaram. “O que aprendemos de Inácio é que a peregrinação interior, do nosso coração, tem de ser a primeira coisa”, afirmou, lembrando que isto nos confere uma identidade dinâmica, pois decorre de um caminho de conversão pessoal e comunitária “que não nos pode deixar na mesma”.

Sobre os processos em curso a propósito do caminho sinodal, Nathalie Becquart afirmou que são “um exercício de escuta” e que é preciso “criar novos canais para ouvir o sopro do Espírito Santo”. Durante a sua intervenção perante um auditório cheio, a religiosa deixou a imagem da igreja como a de um barco onde “temos de encontrar uma forma de navegar juntos”.

No final da intervenção da irmã Nathalie, ainda houve tempo para uma ligação em direto à Igreja do Gèsu em Roma, onde o Papa estava a celebrar missa com o P. Geral, Arturo Sosa, unindo-se assim a toda a comunidade inaciana. E também para uma introdução ao Magis, o programa inaciano para os jovens que antecipará a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa em 2023. E num momento improvisado, mesmo depois das palavras finais do coordenador do Ano Inaciano, o P. Provincial subiu ao palco para fazer uma selfie da família inaciana.

As últimas palavras do dia, já no final da missa e antes da fotografia de família que juntou todos os participantes na Basílica da Santíssima Trindade, couberam ao P. Miguel Pedro Melo, responsável pela organização do dia, visivelmente animado e agradecido por tanto bem recebido.

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O momento em que o P. Miguel Almeida subiu ao palco para tirar um selfie com a família inaciana

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.