“Papa guarda lembranças comoventes de Fátima”

Embaixada de Portugal na Santa Sé organizou no dia 17 recepção a portugueses que estavam em Roma a participar num seminário de comunicação da Igreja. A propósito desta iniciativa, o Ponto SJ conversou com o Embaixador António Almeida Lima.

Embaixada de Portugal na Santa Sé organizou no dia 17 recepção a portugueses que estavam em Roma a participar num seminário de comunicação da Igreja. A propósito desta iniciativa, o Ponto SJ conversou com o Embaixador António Almeida Lima.

A relação de Portugal com a Santa Sé é bastante antiga. Quais são hoje os benefícios ou prioridades deste diálogo com o Estado do Vaticano?

A intensa relação de Portugal com a Santa Sé data dos tempos da fundação da nação. O primeiro enviado do rei de Portugal, D. Afonso Henriques, ao Papa, em 1143, foi o então bispo do Porto e arcebispo de Braga, D. João Peculiar. Desde então, e salvo poucas e breves interrupções, devido a circunstâncias político-diplomáticas complexas e variadas, Portugal e a Santa Sé mantiveram sempre uma forte colaboração mútua.

Além de cumplicidades históricas e entendimentos firmados sobre a importância da posição da Igreja na sociedade portuguesa, plasmados hoje na Concordata, Portugal e a Santa Sé partilham visões confluentes sobre muitos aspetos da geo-política global. O Papa Francisco é uma voz essencial no mundo, incluindo quando fala de questões globais cruciais como a justiça, o progresso, a paz e o bem-estar dos povos. O Santo Padre e a Santa Sé advogam políticas de acolhimento, proteção, promoção e integração dos migrantes. Portugal está inteiramente de acordo com esta visão. O programa da candidatura de António Vitorino a diretor-geral da Organização Internacional das Migrações, promovida pelo nosso país, segue esta linha de pensamento.

Por outro lado, a Igreja Católica desenvolve uma ação que se pauta pela presença efetiva junto das populações, em especial as mais desfavorecidas. Nalguns casos, essa presença, monitorizada pela Santa Sé, é fundamental no apoio a processos de paz, mediação, facilitação, ou pacificação, onde há conflitos em curso, ou em fase de negociação. Portugal tem valorizado sempre esse papel e acompanha muitas das posições da Santa Sé.

Entre representantes oficiais de Portugal e da Santa Sé existem reuniões de acompanhamento da aplicação da Concordata, além de encontros regulares de consulta político-diplomática.

O Santo Padre e a Santa Sé advogam políticas de acolhimento, proteção, promoção e integração dos migrantes. Portugal está inteiramente de acordo com esta visão. O programa da candidatura de António Vitorino a diretor-geral da Organização Internacional das Migrações, promovida pelo nosso país, segue esta linha de pensamento.

Embaixador António Almeida Lima

Sobre tudo isto e sobre a vida das sociedades e instituições onde estão acreditados, o embaixador de Portugal junto da Santa Sé, bem como o Núncio Apostólico em Lisboa mantém informadas as suas autoridades, sugerem posições e comentários, assumem a representação do seu país nos eventos oficiais.

Apesar de ter começado a sua missão apenas em novembro, como a descreve nestes quatro meses?

Os primeiros meses de qualquer agente diplomático são de adaptação e recolha de informações. Começar por aprender os rudimentos da língua, saber os “ limites da propriedade” ou conhecer os “cantos à casa” é outra ação prioritária, i.e., tentar saber quem é quem, quem decide o quê, onde devo procurar informação, qual a prática diplomática do lugar.

Nesta fase, e após ter apresentado cartas credenciais a Sua Santidade em dezembro, tenho procurado visitar os responsáveis dos dicastérios e serviços da cúria para conhecer e me dar a conhecer.

Um dos aspetos importantes do múnus diplomático é o contacto pessoal, a criação de confiança mútua, para poder transmitir e obter com fiabilidade informações e posições das minhas autoridades e recolher a das autoridades vaticanas. Tenho também visitado colegas dos outros países e tido encontro regular com o clero e os religiosos e religiosas portuguesas que trabalham ou estudam em Roma. Sendo o protetor estatutário do Instituto de Santo António dos Portugueses, tenho procurado acompanhar a intensa e rica atividade cultural ali desenvolvida.

Quando entregou as credenciais ao Santo Padre teve a oportunidade de lhe falar. O que espera o Papa de Portugal?

Sua Santidade fez questão de me demonstrar uma particular admiração e ternura pelos portugueses. Pela sua história e pelo seu caráter de povo trabalhador, honesto, empreendedor, amigo da família e solidário. Referiu-me em concreto os exemplos de famílias portuguesas que conheceu na Argentina. Guarda lembranças muito comoventes da sua peregrinação a Fátima no ano passado e aproveitou para me agradecer o trabalho de organização que o acolheu.

Sendo Portugal um país de grandes raízes e tradições católicas e missionárias, o Papa espera de nós a continuação do contributo positivo que podemos dar à paz, justiça e progresso dos povos de todo o mundo no respeito pela dignidade, liberdade e integridade da pessoa humana, sem discriminações.

Ant%C3%B3nio%20Almeida%20Lima%20%C3%A9%20desde%20novembro%20o%20Embaixador%20de%20Portugal%20junto%20da%20Santa%20S%C3%A9.
António Almeida Lima é desde novembro o Embaixador de Portugal junto da Santa Sé.

Que balanço faz deste pontificado?

Partilho a opinião de tanta gente: tem sido uma figura inspiradora para o mundo. Vindo de um continente riquíssimo em terras e pessoas, que se foi povoando e enriquecendo com contributos de tantas origens e culturas, que acolheu tantos imigrantes e conheceu tantas experiências, Francisco é um papa para este tempo. Para um mundo em rápida mudança e evolução, onde “sair”, “ir em busca” é um desiderato universal cada vez mais partilhado.

O Papa tem sido a voz dos marginalizados, injustiçados e perseguidos, dos mais pequenos e desprotegidos. Transmite muito uma imagem de bom pastor, que “conhece o cheiro das suas ovelhas” e se preocupa com elas.

Elegendo a misericórdia como lema, tem mostrado compaixão e compreensão por todos e, em especial, os mais afastados da sua fé. Mas não deixa de ser o predicador, o catequista, o sumo pontífice que cuida da sua Igreja, que se maravilha perante a obra do Criador e sofre com os maus tratos que a criatura infringe a si própria e ao ambiente onde vive.

A sua preocupação pela aproximação com outras religiões, trabalhando para a paz e o entendimento entre os povos e nações, tem de ser realçada também. É uma referência mundial também neste domínio.

Antes de vir para Roma foi chefe do protocolo do Estado e responsável pela visita do Presidente da República ao Vaticano e pela visita do Papa a Fátima. Que impressões retém do contacto com o Papa Francisco?

O Presidente da República decidiu fazer algumas visitas de apresentação ao exterior após tomar posse. Portugal é felizmente um país com excelentes relações com todos os países do mundo. Havia que fazer alguma seleção e o critério foi visitar os principais parceiros internacionais. O presidente Marcelo decidiu que a primeira deslocação seria ao Papa, para significar o elo especial que historicamente sempre ligou o país à Santa Sé, a primeira entidade internacional a reconhecer a independência nacional, no século XII.

Essa visita decorreu oito dias após a sua posse, com grande brilho e emoção. O Santo Padre acolheu, julgo que com muito afeto, esta visita. O Presidente saiu muito confortado e teve ocasião de oferecer ao Papa um dos famosos “registos” da sua coleção privada, representando um Santo António, de Lisboa, claro. Marcelo Rebelo de Sousa e a comitiva  foram conduzidos à Basílica de São Pedro e tiveram ocasião de prestar homenagem a São João Paulo II, diante do seu túmulo, um papa que amou Fátima e deu a Portugal tantas provas de amizade e reconhecimento.

A peregrinação do Papa a Fátima em maio foi também um acontecimento nacional e internacional. A canonização dos pastorinhos trouxe um relevo superlativo ao evento.

O Presidente da República e o primeiro-ministro quiseram dar a esta deslocação uma atenção e cuidado especiais, envolvendo-se pessoalmente nos preparativos e participando em todos os momentos da peregrinação. O entusiasmo com que entidades portuguesas militares e civis se disponibilizaram a colaborar na organização foi um registo que não esquecerei.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.