Os sinais da Economia de Francisco

Papa convidou jovens até aos 35 anos a (re)pensar o presente modelo económico, num evento que acontecerá em março de 2020, em Assis. Ricardo Zózimo integra a preparação deste encontro e fala-nos do que é a Economia de Francisco.

Papa convidou jovens até aos 35 anos a (re)pensar o presente modelo económico, num evento que acontecerá em março de 2020, em Assis. Ricardo Zózimo integra a preparação deste encontro e fala-nos do que é a Economia de Francisco.

A Economia de Francisco é um evento promovido pelo Papa Francisco em março de 2020 em Assis, Itália. Inspirado na forma de viver de S. Francisco de Assis, o Papa convida os jovens até aos 35 anos a (re)pensar o presente modelo económico e a fazer um compromisso para uma economia mais inclusiva, com raízes na ecologia integral e que funcione para todos. Aqui é fundamental realçar que os participantes neste encontro não são jovens quaisquer. São empreendedores sociais, agentes de mudança e executivos em organizações comerciais e sociais que tentam mudar o mundo desde o prisma organizacional. É através destes jovens que o Papa Francisco volta a convidar-nos a repensar o papel ativo da Igreja na vida profissional e social de cada um destes jovens, mas também dos jovens de todo o mundo que vão participar no encontro.

Esta ideia de uma Igreja que tem propostas concretas para a vida profissional é mais um caminho importante que o Papa Francisco nos pede que sigamos, mas claramente não é novo. Por exemplo, a ACEGE – Associação Cristã dos Empresários Portugueses há muito tempo que tem a funcionar grupos de reflexão e partilha – os chamados ‘Cristo na empresa’ – que procuram apoiar os empresários cristãos a encontrar um melhor alinhamento entre as virtudes e as práticas da fé pessoal e a sua aplicação ao contexto profissional. Este é, para mim, o primeiro grande sinal da Economia de Francisco. Que nós, enquanto cristãos, deixemos que a nossa fé se possa ir revelando nas organizações onde trabalhamos e que, a partir desta dimensão, consigamos influenciar as nossas práticas profissionais.

Mas que outros sinais existem? Num estudo que conduzimos – com os meus colegas Angela Carradus (Manchester Metropolitan University) e Allan Discua Cruz (Lancaster University)– analisámos como a fé pessoal transforma empresas comuns em empresas abertamente cristãs mostrando claramente os sinais da Economia de Francisco. Nestas empresas – e neste projeto incluímos só empresas grandes – descobrimos transformações a três grandes níveis.

Este é, para mim, o primeiro grande sinal da Economia de Francisco. Que nós, enquanto cristãos, deixemos que a nossa fé se possa ir revelando nas organizações onde trabalhamos e que, a partir desta dimensão, consigamos influenciar as nossas práticas profissionais.

O primeiro nível foca-se na dignidade da pessoa humana. A dignidade é uma condição única e especial de cada ser humano e algo que nasce nestas empresas com o entendimento que todos somos irmãos na fé e em relação à criação. A ideia de que todos somos irmãos parece uma ideia simples de tão repetida que ela se nos apresenta, mas na realidade do concreto e na empresa compreendemos que a sua aplicação prática é de uma complexidade elevada. E por isso estas organizações têm mecanismos que asseguram a dignidade de cada pessoa e de cada trabalhador. Um dos mecanismos mais disseminados é a partilha de direitos e deveres. Só para dar um exemplo: duas destas empresas – a Chik-a-Fil e a Hobby Lobby – decidiram fechar as suas lojas ao domingo pois não fazia sentido aos donos que estes tivessem o domingo para praticar a sua fé e estar com a família, mas os seus trabalhadores não. Claro que esta medida tem custos financeiros para a empresa, mas a dignidade de todos os membros destas organizações sobrepõe-se ao lucro.

Intrinsecamente ligado com as questões da dignidade humana estão as práticas de recrutamento e despedimento. Estes são temas sensíveis que afetam o dia-a-dia de todas as empresas no mundo. Nesta linha, sabemos que ficar sem emprego marca muitas vezes as possibilidades de caminho que cada pessoa tem e sobretudo a forma como cada um consegue reconstruir a sua personalidade profissional a partir do momento que perde o emprego. Assim, estas empresas tendem naturalmente a procurar recrutar pessoas que se identifiquem com os valores praticados na empresa. Ao ser transparente sobre os valores cristãos que norteiam a empresa, estas organizações atraem determinadas pessoas e afastam outras. No nosso estudo as empresas parecem confortáveis com este resultado da sua política. Em relação aos despedimentos, estas empresas procuram a todo o custo evitar o despedimento. Quando têm de o fazer procuram acionar meios para que o mesmo seja feito com dignidade e suporte da pessoa humana. Para estas organizações esta é uma questão que vai para lá dos custos do despedimento. É uma questão de preservar o que existe de sagrado mesmo numa situação complexa e difícil.

Por último, queria partilhar uma das surpresas do nosso estudo. Muitas destas empresas que foram o foco do nosso estudo têm implementado um sistema de capelães complementar aos recursos humanos da organização. Para além de desenvolverem atividades espirituais, os capelães focam-se na resolução de problemas dos trabalhadores e no ajudar individualmente cada um a ser a melhor versão de si. Mais, os capelães têm um orçamento para os ajudar nesta tarefa e um mandato para se focarem individualmente nos desafios de cada trabalhador. Assim, este sistema permite uma atenção individualizada que se torna complementar aos recursos humanos cuja função é normalizar políticas para toda a companhia.

Deixo estas empresas e volto a focar-me nos jovens que vão a Assis – a grande prioridade do Papa. Que procuram estes jovens que vão ao encontro? Será que vão descobrir e celebrar outras empresas que já apresentam sinais da economia de Francisco? Que mais irão estes jovens celebrar? De uma forma simples penso que vão celebrar a forma como a Igreja se está a intrometer na vida profissional de cada um. Dizendo por outras palavras, vão celebrar a vontade que têm de alinhar a sua caminhada de fé pessoal com o sentido das suas carreiras. Quero crer que também vão trazer inspiração para moldar as suas organizações um pouco mais à sua própria fé.

O artigo Exploring a faith-led open-systems perspective of stewardship in family businesses pode ser pedido directamente ao autor. Escreva por favor um mail para [email protected]

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.