O Bloco de Esquerda e o PCP foram as peças centrais desta legislatura. Não é por acaso que Marisa Matias fala de “um momento refundador na nossa democracia” e António Filipe de uma governação que foi “ao contrário do que muitos diziam”. Pela primeira vez, um e outro foram partes determinantes numa solução governativa. Pela primeira vez os votos deles foram determinantes para o PS governar e, ano a ano, se manter em funções.
Mas não estranhe que cheguemos ao final da legislatura – e ao final de cada um dos artigos aqui publicados na última semana – com um clima de acerto de contas. Nos partidos à esquerda começa, agora, um exercício de acerto de contas que faz parte das democracias: cada um tentando vincar a sua impressão digital numa governação em que todo o esforço foi o de consensualização (e, portanto, uniformização de posições).
O início desta legislatura foi muito imprevisível, mas o final era fácil de adivinhar: os partidos mais à esquerda a acentuarem as divergências, o PS a afirmar a sua liderança, a direita a lutar contra a maré. Na prática, entrámos em campanha eleitoral. É assim a natureza das democracias representativas: dá-se quatro anos a um Governo que nos representa a todos para implementar um programa; nos primeiros três faz-se o que é preciso para fazer o país melhor; no último faz-se o que é preciso para ter mais votos. Cada um por si, outra vez.
É assim a natureza das democracias representativas: dá-se quatro anos a um Governo que nos representa a todos para implementar um programa; nos primeiros três faz-se o que é preciso para fazer o país melhor; no último faz-se o que é preciso para ter mais votos. Cada um por si, outra vez.
A dúvida é se, depois da separação, os parceiros terão margem para voltar a juntar-se. Nada o faz adivinhar.
Primeiro, pela excepcionalidade do que aconteceu em 2015: nessa altura, com o PSD a ganhar em votos e deputados, só o apoio expresso e inequívoco do Bloco e PCP permitiria passar ao país uma agenda política mais redistributiva.
Em segundo lugar, pela matriz presidencial do momento: Cavaco Silva não tem a informalidade de Marcelo, nem a sua flexibilidade táctica, pelo que rapidamente impôs aos partidos de esquerda um acordo escrito que os vinculava a um mandato inteiro.
Em terceiro lugar, pela economia: em 2015 o PIB já tinha arrancado, pondo fim a um ciclo terrível de três anos de depreciação. A economia europeia ajudava, crescendo a ritmo melhor com a importante ajuda do Banco Central Europeu. E como mais crescimento permite mais margem para redistribuir, tudo isso facilitou não só o acordo como a aprovação de três orçamentos com boas notícias para todos: os necessitados e os prudentes, que valorizam o acerto das contas.
Só os três factores juntos permitiram a António Costa “deitar o muro abaixo”, fazer do impossível um cenário possível.
Acontece que nenhum dos três factores determinantes para permanência desta maioria estará, previsivelmente, de pé depois das próximas legislativas: o PS, desta vez, deve ganhar eleições (e o direito natural a governar); Marcelo já não exige um acordo escrito; e os tempos de crescimento da economia também se anunciam menos entusiásticos.
A minha aposta, conhecendo os protagonistas e lendo os artigos que aqui publicaram, vai portanto para uma campanha de ruptura suave – e para uma nova legislatura onde o PS tentará governar em minoria. Mas, dito isto, a geringonça é tal e qual como diz António Filipe: “Ao contrário do que muitos diziam”. Quem sabe?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.