Se há uma coisa que José Tolentino Mendonça alterou foi a forma como nos obrigou a ouvir as palavras do invisível. Não seria possível escolher um poema entre tantos para mostrar como Tolentino deu voz ao que até aí, sendo uma manifestação da beleza – e da sua omnipresença, e da sua inquietação –, não tinha verso, som, ritmo, poder perturbador. De certa maneira, num mundo em que a ideia de Deus está sitiada por várias certezas, Tolentino deu voz à perturbação que toma conta de nós, indefesos, ingratos, perdidos. O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas espalha o nome de Deus pelas coisas comuns; tal como na sua poesia (a forma como a linguagem designa as nossas perplexidades), Tolentino manda que nos interroguemos através das palavras que servem para descrever o mundo, e só essas. Esse pequeno caminho é uma clareira onde repousamos, onde retomamos o essencial: o dever da perplexidade, o amor pelas árvores e pelas sombras, a paixão pelo pequeno detalhe, a obrigação da busca permanente. Para cada um de nós há um dever de reconstruir o mundo, de o tornar mais belo. No judaísmo, há um conceito próximo, o de reparação (tikun olam): estamos na terra para que possamos regressar ao que poderíamos ser.
Francisco José Viegas (Escritor e Editor)
De certa maneira, num mundo em que a ideia de Deus está sitiada por várias certezas, Tolentino deu voz à perturbação que toma conta de nós, indefesos, ingratos, perdidos.
Chego a casa, passei na livraria, trago o último livro de José Tolentino Mendonça, O Elogio da Sede, como quem toma e prova pão quente saído do forno o abro numa página ao acaso, e já parei na frase “a nossa fé cristã é uma caminhada de nomadismo.” E logo depois encontro, citada, uma das sempre deliciosas máximas de D. Quixote de Cervantes: “a estrada tem mais a ensinar-nos do que a estalagem”. Assim tecidos os fios da narrativa, admiro o talento do escritor que seduz, que segura a atenção, que orienta a leitura. Como quem abre os olhos ao cego que não enxerga a luz, e lhe dá a mão, para acertar o passo, sem tropeço. Deixo-me levar pela perfeição do texto que me embala na harmonia das palavras, no gosto do pensamento, no aprendizado de pura espiritualidade.
Em pouco mais de uma página, o padre, o teólogo, o poeta, e também o viajante pela leitura dos clássicos, ensina-me que o testemunho de fé pode ser fermentado por casos do quotidiano, e por remate de literatura universal. Em homilia da missa num domingo de outubro, já anos passados, Tolentino, o celebrante, lançava um desafio de caminhada aos crentes: “contar os nossos dias é chegar à sabedoria do coração.”
Leonor Xavier (Escritora)
Como quem abre os olhos ao cego que não enxerga a luz, e lhe dá a mão, para acertar o passo, sem tropeço.
«A exegese narrativa tem um carácter essencialmente propedêutico». Assim conclui José Tolentino Mendonça a sua A Construção de Jesus. Isso mesmo tem sido para mim esta sua obra. Porque para lá de exercício eloquente de exegese bíblica; para lá de brilhante tese de doutoramento; para lá de ensaio que, coisa rara, conjuga com arte legibilidade e rigor científico, A Construção de Jesus tem sido para mim, sobretudo, uma escola. Este texto ajudou-me a educar a sensibilidade para o texto e para a sua «mecânica» – do texto bíblico e não só; a atenção a narrador, personagens, espaços e tempos narrativos. E a fazê-lo sem qualquer desconto teológico. Pelo contrário, mostrando como a narrativa não é teologia de baixo perfil, mas pode ser precisamente o inverso: forma literária apta a dizer aquilo que nenhuma definição poderá alguma vez conter. Porque «construtora», particularmente capaz de revelar aquilo que só se dá de forma dinâmica. No caso se Jesus, construindo aquela sua «identidade narrativa» (A. Gesché) que nos liberta da estafada dialéctica entre o Jesus da história e o Cristo da fé.
P. Alexandre Palma (Teólogo)
A “Construção de Jesus” tem sido para mim, sobretudo, uma escola.
Terá sido a partir de 2013, 2014. Dei por mim a rasgar cuidadosamente e, com o mesmo zelo, a guardar num dossier as crónicas intituladas – que coisa são as nuvens. Estranho título, mas tão certeiro, tão longe da urgência que é tratada nas restantes páginas do semanário.
As nuvens. Para termos a oportunidade de as ver passar junto ao azul cerúleo, somos obrigados a abrandar o ritmo interior e vamo-nos deixando contagiar pela calma que a contemplação nos traz. O mesmo acontece com as crónicas de José Tolentino Mendonça – trazem-nos paz interior.
Na Sonata de Outono, de O Hipopótamo de Deus, pode ler-se: “Há um momento da nossa vida (…) em que fazemos um balanço, sentimos que ficámos aquém dos próprios sonhos. (…) Desejávamos uma plenitude, uma fulgurância, um clarão, e o que temos é a estreita e baça normalidade.” Daqui em diante Tolentino sugere-nos uma “«transfiguração» da vida, através de um paciente e esperançoso trabalho interior”. E toda a sua obra consiste em dar-nos pistas para esse trabalho.
Bem-haja, padre Tolentino!
Andrea Lupi (produtora da Antena 2)
“Daqui em diante Tolentino sugere-nos uma “transfiguração” da vida, através de um paciente e esperançoso trabalho interior”. E toda a sua obra consiste em dar-nos pistas para esse trabalho.
O meu contacto primeiro com Tolentino foi em carne e osso, como amigo; por isso, é esta a chave de leitura que tenho quando leio os seus livros. Tanto na escrita como na relação, Tolentino é um profeta da Beleza, que deseja dar a ver as maravilhas do Senhor, habitadas por nós ao longo de toda a História. O traço maior que me assalta em tudo o que o P. Tolentino escreve é a capacidade de escuta profunda, de quem se debruça sobre a vida como novidade e se deixa espantar pelo Deus das pequenas coisas, da rotina. Nas suas crónicas e nos seus livros espirituais há um enunciar dos problemas que experimentamos na vida de hoje, procurando a cultura como grande ponto de contacto entre o sagrado e o profano. Cita muitos autores, fala de muitos nomes; nunca como adornos postiços para apenas abrir o texto a crentes e não-crentes, mas como peregrinos, que protagonizam histórias concretas de fragilidade e de encontro. Mas é na sua poesia que mais se reconhece esta escuta. Há um saber escondido, quieto, a que se acede apenas no silêncio e na passividade. Tolentino encarna esta atitude, quase mística, de ensinar a esperar pelo que não se vê,pelo que é subtil e se esconde nas entrelinhas. Como ele próprio escreve:
“O que por palavras nos está oculto
no silêncio crepita
em intimidade”
in A Papoila e o Monge
Francisco Montellano (estudante de Medicina)
Tolentino encarna esta atitude, quase mística, de ensinar a esperar pelo que não se vê,pelo que é subtil e se esconde nas entrelinhas.
Foto de capa: Agência Ecclesia
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
