O cansaço consome-nos. As grandes turbulências são ocasião de desgaste e divisão. Mas a divisão não é uma fatalidade, não estamos condenados a ser átomos isolados desligados do corpo social e eclesial a que pertencemos. Continuamos sem saber a hora e o dia em que a “normalidade” regressará, mas já vamos sabendo que feridas sociais e humanas necessitam e continuarão a necessitar da nossa atenção, discernimento e cuidado. É como pequeno contributo para que isto seja possível que retomamos hoje o Ponto de Abastecimento.
Ser corpo
As necessárias medidas de combate à pandemia geram distâncias, impedem o toque e abrem a porta à desconfiança. Ao mesmo tempo, as reações ao que nos vai sendo pedido não são apenas acompanhadas por críticas (que podem ser justas), mas também por ressentimentos polarizadores que não ajudam a aprofundar o sentido de comunidade. Precisamos, por isso, de reforçar os laços e o sentido de pertença. Nesse sentido, propomos uma experiência concreta de Igreja Doméstica. Todos os domingos teremos uma proposta para ajudar a celebrar a Palavra em casa, rezando, partilhando e procurando formas concretas de servir o mundo.
Esta proposta não substitui a participação na Eucaristia. É muito importante continuar a alimentar a pertença à comunidade, participando presencialmente na Missa Dominical, mas também aprofundar o seu sentido no contexto familiar. Para quem não pode ir à missa fisicamente, seria pobre ficar por uma participação passiva e à distância. Esta é uma oportunidade para que em cada Igreja doméstica se tome consciência da presença de Jesus na Palavra, na comunidade da família e em cada pessoa. Deste modo, cada um pode tomar mais consciência da dimensão sacerdotal do seu batismo, reconhecendo-se como ponte entre Deus e o mundo.
A importância que queremos atribuir a este convite fez-nos optar por não transmitir a Eucaristia. Quem desejar pode encontrar uma enorme variedade de ofertas, noutros lugares.
Discernir
Num tempo de enorme ruído, encontrar momentos de pausa que ajudem a situarmo-nos com liberdade diante da realidade é essencial para que possamos discernir e não deixar que os cansaços, as lutas e as perplexidades se transformem em amarguras que nos prendem a nós mesmos. Para que nos sintamos acompanhados e inspirados a ligar Deus à nossa vida e ao mundo, para que seja Ele a inspirar o modo como olhamos e sentimos, voltamos a propor as Pausas para Inspirar, um pequeno apontamento áudio para ajudar a reler o dia. De segunda a sexta-feira, às 21h.
O ruído também nos impede de descobrir as coisas boas que podemos fazer nas condições e circunstâncias atuais.. Por isso, lançaremos “Pontos de Luz“. Através da fotografia, retratando cenas comuns, iremos descortinando aquilo que traz luz à nossa vida. Vamos convidar os nossos leitores a fazerem também este exercício de descoberta e registo de pontos de luz e a partilharem connosco.
O discernimento também implica reflexão. Assim, lançamos amanhã, às 21h15, as “Conversas Inquietas” sobre a atualidade do mundo e da Igreja. Terão sempre lugar ao sábado à noite, podendo surgir outras conversas durante a semana.
Agir com criatividade
Não faria sentido ganhar maior consciência da pertença à comunidade dos mais próximos e procurar viver numa atitude de discernimento face ao que se passa dentro de nós e à nossa volta se isso não nos tornasse mais sensíveis às necessidades dos irmãos. Vale a pena recordar o que disse o Papa Francisco na saudação aos doentes, em Fátima, em 2017: “Amados peregrinos, diante dos nossos olhos, temos Jesus escondido mas presente na Eucaristia, como temos Jesus escondido mas presente nas chagas dos nossos irmãos e irmãs doentes e atribulados.”
Para sermos mais corpo temos que descobrir esta presença escondida e agir em consequência. Muito em breve traremos Ideias para cuidar, ou seja, dicas práticas sobre como podemos cuidar uns dos outros. Será importante perceber como o nosso modo de acompanhar quem mais precisa, de encontrar formas de combater o isolamento, e até de consumir podem contribuir para, no meio de uma crise humana, social e política, gerar laços de coesão.
Não somos átomos isolados. Fazemos parte de um corpo. Quando deixamos que as nossas indignações e a luta por “direitos” individuais se absolutizem, deixamos que se turve a nossa vista e se entorpeçam os nossos gestos. O Ponto de Abastecimento deseja dar um pequeno contributo para libertar o olhar e os gestos para que assim possamos ser mais corpo. É tempo de reinventar proximidades e encontrar a forma certa de tocarmos a vida uns dos outros.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.