É mais um ponto de interrogação: por que razão ninguém parece interessar-se por artigos sobre o tema das migrações, mas depois, na hora de escolher o que mais nos preocupa, esse é o tema eleito? Por que razão tem escassa cobertura mediática e até no Ponto SJ – como aqui no site nos explicam – é um tema que começa a gerar desinteresse e indiferença, com textos a alcançar um impacto diminuto, mas depois é aqui escolhido como o acontecimento mais marcante de 2018 no inquérito feito aos leitores?
Seja qual for a explicação, já não há dúvidas sobre o tamanho do problema: mais de 68,5 milhões de pessoas foram deslocadas em todo o mundo e, destas, 25,4 milhões são refugiados que fugiram dos seus países para tentar sobreviver aos conflitos e a perseguições. Já 40 milhões são deslocados internos e 3,1 milhões pediram asilo, segundo os dados do “Relatório Mundial sobre Tendências em Deslocamento Forçado” da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Ou seja, todos os dias há 44.400 novos deslocados. Fogem das guerras, da violência, de violações de direitos humanos. Ao mesmo tempo, outros milhões migram à procura de melhores condições de vida. Tudo somado, os números tornam-se avassaladores.
Do que não há dúvida é que os problemas dos refugiados e migrantes têm-se acumulando e o debate intensificado, com uns a defender a necessidade de restringir os circuitos migratórios e outros a alertar para os riscos de se fecharem as portas a estas pessoas.
O fenómeno tem enorme impacto mesmo aqui ao lado, a uma pequeníssima distância. Basta ver que, em 2018, mais de 74.501 migrantes e refugiados entraram na Europa através do Mediterrâneo. Foi a Espanha que mais chegaram (32.272), seguido da Grécia (20.961) e da Itália (20.343). Talvez o fato de Portugal não ser um local de destino afaste o interesse dos portugueses no tema. E talvez leve a que apenas se acorde para o problema quando o país se emociona com histórias como a de Aylan, o menino sírio que em 2015 morreu afogado e cujo corpo deu à costa numa praia turca, tornando-se no símbolo do drama dos refugiados – que saem essencialmente da Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Mianmar, Somália. Muitos portugueses não saberão que apenas um ano depois do que sucedeu a Aylan já outras 423 crianças morreram no mesmo mar, também a fugir. E que, durante 2018, mais de 3.320 pessoas perderam a vida ou desapareceram em rotas migratórias pelo mundo, a maioria no Mediterrâneo, onde milhares continuam a tentar entrar na Europa.
Do que não há dúvida é que os problemas dos refugiados e migrantes têm-se acumulando e o debate intensificado, com uns a defender a necessidade de restringir os circuitos migratórios e outros a alertar para os riscos de se fecharem as portas a estas pessoas. Ao mesmo tempo, sucederam-se os estudos. E se muitos concluíram que as migrações são até uma das soluções para combater o envelhecimento das populações e recuperar a mão de obra, outros referem a necessidade de se aprofundarem as formas de reintegração cultural e social e de se travar os negócios associados a estes fenómenos, como o trafico de pessoas. Ainda antes de o ano de 2018 terminar,surgiram boas notícias pela voz de um português. António Guterres, secretário Geral da Nações Unidas, garantiu ter chegado a hora de por em prática o Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular – um documento aprovado pelos Estados Membros que fixa as regras para a migração tornando-a segura.
“Agora, é altura de dar vida ao que concordámos e demonstrar a utilidade do pacto: aos governos, à medida que estabelecem e aplicam as suas próprias políticas de migração; às comunidades de origem, de trânsito e destino; e aos próprios migrantes”, disse Guterres numa reunião mundial sobre migrações que decorreu em Marrocos.Mas nem mesmo o facto de um português estar durante meses no centro da resolução do problema parece ter sido suficiente para fazer aumentar o interesse no tema e torná-lo mais mediático nos últimos tempos.
A verdade é que, apesar disso, foi o tema eleito nesta categoria. Para 37% das pessoas foi o mais marcante do ano que passou. Mais do que a luta contra o plástico, o acordo diplomático entre a China e a Santa Sé, a disparidade entre o Web Summit em Lisboa e a pobreza extrema no interior e as alterações políticas em Angola. Pode ser já uma indicação. Além disso, se está a ler este texto sobre esse mesmo fenómeno da migração e chegou aqui, é outro sinal. Um sinal de que algo pode estar a mudar.
PONTO DE INTERROGAÇÃO – Resultados Finais
Migrações: um fenómeno global (37%, 218 Votos)
A luta contra o plástico (26%, 151 Votos)
Acordo diplomático entre a China e a Santa Sé (17%, 102 Votos)
Web Summit em Lisboa e pobreza extrema no interior (14%, 84 Votos)
Alterações políticas em Angola (6%, 35 Votos)
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.