Manhunt: Unabomber não é só uma série que retrata a maior operação de “caça ao homem” da história do FBI. É um mapa de convicções, palavras e ideias, capaz de despertar a nossa imaginação da engrenagem mecânica da rotina. De facto, quem está familiarizado com a história real de Ted Kaczynski (protagonizado por Paul Bettany), também conhecido como Unabomber, sabe que uma abordagem simplista desta, é simplesmente impossível.
Contada em oito episódios estruturados numa tensão em crescendo, a narrativa é consistente, respeitando a realidade histórica sem por isso perder a força da imprevisibilidade, de tal modo, que, mesmo os que conhecem os factos, não deixam por isso, de se sentir tocados pelo véu da implausibilidade. Aqui o espanto é sempre possível, porque a realidade é, ela mesma, mais criativa que a destreza da capacidade narrativa humana. A cadência da investigação retratada alia, de modo fluído e natural, a minúcia e o realismo do documentário à narração emotiva de uma história humana. Assistimos ao encadeamento dos vários momentos da vida de Ted Kaczynski, onde vamos acompanhando o amadurecimento das suas ideias (como a convicção de que a técnica escraviza o homem), ao mesmo tempo que verificamos como as suas acções, obsessivamente planeadas, vão pondo em causa a estrutura pesada de um FBI obsoleto.
Manhunt: Unabomber é uma série que pretende sujar a nossa altivez. A altivez de quem costuma ver séries sem se salpicar.
Finalmente, a narrativa converge e acaba por se personificar entre as duas forças criativas da história, o próprio Ted Kazcinsky e o agente do FBI Jim ‘Fitz’ Fitzgerald (Sam Worthington), especialista em linguagem forense, brilhante e obcecado como o seu rival. Há, contudo, um segundo plano mais fundamental, e que vai para além do encadeamento das cenas e do simples julgamento moral das suas personagens. É o patamar do magnetismo das ideias que fazem estremecer a reflexão do espetador. Quem assiste de modo honesto à série não pode deixar de se sentir questionado pela coerência da mensagem de Ted, a fortaleza das suas convicções, e pelas radicais consequências dos seus actos. Assim como diante de um espelho o homem se sente irremediavelmente fascinado e atraído pela sua própria imagem, também aqui, diante deste espelho de dupla face, que reflecte a honestidade bruta da produção intelectual de um homem genial e a perversidade repulsiva das suas acções; a imagem do Unabomber exercerá uma sedução irreprimível sobre o espetador vulnerável, pela conjugação dessas forças hipnóticas poderosas que são a genialidade e a maldade humana, ao ponto de poder fazer surgir uma espécie de sentimento de empatia por essa figura desprezada, e que causa surpresa ao próprio homem.
Manhunt: Unabomber é uma série que pretende sujar a nossa altivez. A altivez de quem costuma ver séries sem se salpicar. Porque desta vez, toda a nossa opinião é banalizada pela força esmagadora da realidade.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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