Porquê padre? Quando nasceu a sua vocação sacerdotal?
Embora nascido e criado numa família cristã, na teoria e na prática, a minha vocação sacerdotal nasceu relativamente tarde. Entrei no noviciado da Companhia de Jesus para ser Padre, com cerca de 23 anos e quando estava no 4.º ano que frequentava na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1965. A vida corria‑me bem nos seus vários aspectos: estudos, amigos, saúde, família, futuro e (carreira). Mas… cerca de 2 anos antes da decisão, comecei a sentir, sem nada de especial acontecer, um apelo, uma atracção por uma entrega definitiva e total. Resisti. Lutei contra, não me apetecia nada, mas acabei por me entregar, entregar a minha vida e o meu futuro. Porquê Padre? Porque neste apelo interior, nesta entrega estava contido o projecto e o desafio não só me entregar a Deus como «fazer a ponte» entre Deus e os homens: levar Deus aos outros e os outros a Deus.
Ser padre é uma promoção ou uma provação? Uma bênção ou uma maldição? Uma renúncia ou uma afirmação?
Nunca encarei o ser Padre como promoção nem como mera provação. Não sentia necessidade de promoção, em qualquer área, mas nada havia em mim de masoquista, isto é, buscar o sofrimento pelo sofrimento, ou atirar‑me de frente para a provação. Considerava que era um grande desafio e uma grande missão, uma grande afirmação, que por isso mesmo exigia uma grande renúncia. Sempre que escolhemos, que exercemos a nossa liberdade, simplesmente e necessariamente, renunciamos. E quanto maior a escolha, maior a renúncia…
Como reagiu a sua família à decisão de ser padre? E os amigos? Deixou amigas especiais ou namorada?
A minha família reagiu com grande surpresa, mas muito positivamente. Não teve qualquer influência directa na minha decisão, mas quando a tomei, foi muito bem acolhida. O mesmo vale para os amigos. Não havia sinais exteriores da minha «luta», e os sinais visíveis apontavam noutra direcção: alegria, festas, convívio, «saídas», projecto profissional, etc. Deixei muitos amigos e amigas, que até hoje conservo, e deixei também uma namorada, pois se não tivesse virado nesta direcção, um ano ou ano e meio depois, estaria casado.
O seminário foi uma experiência gratificante ou frustrante? Desse tempo de formação quais são as suas melhores ou piores recordações?
O «seminário», no meu caso de religioso da Companhia de Jesus, foi passando pelas diversas fases, Noviciado, Juniorado, Humanidades, Filosofia, Magistério (experiência de actividade como professor e de inserção numa comunidade), e Teologia, ao longo de mais de 10 anos. Tendo fases muito diferentes, todo este percurso foi muito gratificante e enriquecedor. Todas as fases foram muito boas, mas saliento o noviciado (2 anos de isolamento, de oração e de crescimento interior) e a Teologia (realizada na Alemanha), com a ordenação sacerdotal já no horizonte. Recordações más, não tenho, mas momentos difíceis, sim: por exemplo a entrada na língua alemã (parti para a Teologia, na Alemanha e em alemão, sem saber a língua) e uma crise então ocorrida que vou referir de seguida.
(páginas 248 e 249 da obra “Nós, os Padres“)
De uma família originária de Arouca, António Vaz Pinto, S.J. nasceu em Lisboa, em 1942. Fez os estudos secundários no Colégio S. João de Brito, em Lisboa, e frequentou Direito na Universidade Clássica de Lisboa (até ao 4.º Ano). Em 1965, entrou para o noviciado da Companhia de Jesus em Soutelo (Braga), tendo‑se licenciado em Filosofia, em 1970 (em Braga), e em Teologia, em 1975 (em Frankfurt am Main, R.F.A.). Em 1974 foi ordenado sacerdote. Foi superior da Residência do Porto da Companhia de Jesus e, entre outras coisas, fundador do Cupav (Centro Universitário Padre António Vieira), dos Leigos para o desenvolvimento (LD) e do Centro Comunitário São Cirilo (CCSC). Publicou com a Alêtheia Editores A História de Deus Comigo e Fé e Existência Cristã (2010).
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.