No dia 14 de maio, passaram 70 anos desde que foi proclamado o Estado de Israel, que viria a ser admitido como membro das Nações Unidas a 11 de março de 1949.
No dia seguinte à referida proclamação, cinco países árabes invadiram o território do antigo mandato britânico para a Palestina, desencadeando uma guerra árabe-israelita. No centro dessa disputa estava a cidade de Jerusalém, além de lutas por outros territórios.
Desde então e até à atualidade, outras guerras eclodiram entre os árabes e Israel, e entre Israel e vários países árabes, que produziram deslocações de milhares de árabes, em particular de palestinianos, que foram forçados a deixar as suas terras e deslocados para outros países limítrofes, como o Líbano e a Jordânia, onde ficaram a viver como refugiados, em situações muito precárias.
Na atualidade subsiste essa disputa pelos territórios ocupados, não reconhecidos pelas Nações Unidas, e, em especial pelo controlo de Jerusalém, que neste momento está totalmente sob domínio de Israel.
Ora, essa situação torna-se particularmente dura para as populações refugiadas e sinal de uma grande injustiça que persiste, pondo em causa o caráter multiconfessional e simbólico da cidade para as três religiões, que aqui encontram uma fortíssima expressão espiritual.
Assim, os objetos integrantes desta exposição traçam alguns pontos entre imagens e sinais, ou algumas das fontes espirituais de ambas as religiões, e atinge-se o objetivo desta exposição, que era mostrar o potencial de cooperação e visões entre a fé de diferentes grupos religiosos.
Com efeito, a cidade de Jerusalém, que tem um estatuto na ordem jurídica internacional, como cidade dividida, tem uma dimensão sagrada para o Judaísmo, mas também para o Cristianismo, como também tem para o Islão, em função dos lugares sagrados existentes para as três religiões.
Vem isto a propósito da muito interessante exposição temporária que está aberta ao público na The New York Public Library, em Nova Iorque, sob o lema “Shared Sacred Sites”. Faz parte de um conjunto de exposições divididas por três núcleos, formado ainda também pelo Cuny Graduate Center e pelo Morgan Library & Museum.
Essa exposição está patente ao público até ao final do mês de Julho, permitindo ao visitante incorporar olhares sobre diversas dimensões da religiosidade dos três credos e que se fizeram sentir ao longo de séculos.
Os documentos expostos, quer livros, quer imagens, quer gravuras, quer pinturas, quer objetos mostram ou exprimem as aproximações vistas como faces dum diálogo, que tem sido possível, e é possível, estabelecer ao longo de vários séculos.
A exibição deste projeto partiu do Museum of European and Meditarranean Civilizations, de Marselha em 2015, com trabalhos seguintes no Bardo Museam, de Tunis (2016), Tessalónica (2017), Paris (2017, e Marrakesh (2018).
Estas três instituições promotoras olharam para as respetivas coleções para ilustrar a coexistência entre as três religiões monoteístas.
Como é referido no respetivo catálogo de apresentação, cada localização oferece uma perspectiva única das intercessões entre as três religiões.
A New York Public Library oferece uma visão histórica de algumas das figuras e de interpretações partilhadas e que inspiram os respetivos credos.
Foi nesse contexto que pudemos apreciar, por exemplo, uma bela gravura da Terra Santa do século XV, que mais não é do que o primeiro jornal de viagem ilustrado que foi impresso. Mostra a região de Damasco para Jerusalém, as pirâmides ao longo do Rio Nilo e mesmo Meca, com foco central em Jerusalém, com imensos detalhes dos ricos arredores da cidade. Ou apreciar uma gravura pintada num Alcorão, do Irão, do século XII, mostrando Jesus sentado, vestido à árabe, fazendo o milagre dos pães e peixes.
O Alcorão explica que esse milagre constitui uma resposta a um pedido dos apóstolos, e Jesus sentado à mesa faz com que a comida desça do céu.
Esta exposição também mostra, por exemplo, a Anunciação da Virgem Maria, pintada vestida à maneira ou com indumentária “ árabe”, numa pintura da Escola de Isfahan (Irão), que um artista turco reproduziu de uma antiga miniatura persa.
Assim, a história da Anunciação, ou o Mistério da Incarnação, constitui uma metáfora para os pintores, porque evoca a complexa relação entre o corpo e o espírito, a fonte do espírito, que existe em todas as religiões monoteístas, como se refere no pequeno catálogo da apresentação da mesma exposição.
Como se sabe, Jesus é considerado Filho de Deus para os cristãos e reverenciado como um grande profeta (ISA) para os muçulmanos.
Assim, os objetos integrantes desta exposição traçam alguns pontos entre imagens e sinais, ou algumas das fontes espirituais de ambas as religiões, e atinge-se o objetivo desta exposição, que era mostrar o potencial de cooperação e visões entre a fé de diferentes grupos religiosos.
Note-se por fim, que poucos dias depois, já no quadro de uma visita ao MET de New York, encontramos numa das alas desse museu, vários livros e gravuras de origem árabe, belissimamente pintados e ilustrados, com escrita em árabe, que nos mostram também alguns sinais de aproximação entre o Cristianismo e o Islão.
Foi o caso de uma gravura exposta do Irão, período Talmude (ca 1370-1507), pintada em aguarela, ouro, e prata sobre papel, que representa Jonas e a baleia, e ilustra que esta história, mencionada no Alcorão (37:139), era também popular no mundo muçulmano e era frequentemente ilustrada em manuscritos da história do mundo.
Estas imagens e gravuras que a referida exposição apresenta suscitam no visitante uma esperança redobrada nas fortes ligações existentes entre os vários sítios ou terras, com relevo para os crentes destes três credos monoteístas, e sublinham que existem fontes fortíssimas de diálogo e espaço de encontro entre as três religiões, ainda que no mesmo quadro geográfico.
Num quadro de confrontação que persiste na atualidade, esta exposição leva-nos a que aspiremos a que possam ser explorados novos caminhos, se reconhecida a essência das fontes espirituais comuns.
Exposição: «Shared Sacred Sites» – termina a 28 de julho de 2018.
Local: New Your Public Library
Este texto foi originalmente publicado no Caderno Cultural da revista Brotéria Maio-Junho de 2018.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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