Ir ao teatro: Severa o Musical

Filipe La Féria oferece-nos mais um musical, desta vez sobre a fadista Severa. É uma história que nos fala de amor, não fosse esse um dos temas centrais do Fado. Não só de romantismo, mas também de amizade.

Filipe La Féria oferece-nos mais um musical, desta vez sobre a fadista Severa. É uma história que nos fala de amor, não fosse esse um dos temas centrais do Fado. Não só de romantismo, mas também de amizade.

Ir ao Politeama assistir a um espectáculo de Filipe La Féria é sempre uma noite de festa garantida. Antes da cortina subir é visível o entusiasmo ou de quem veio de propósito a Lisboa para esta noite, ou de quem já não vai ao teatro há largos anos, ou de quem é assíduo mas se calhar não tanto de teatro musical.

E o ambiente antes de começar Severa o Musical não é excepção. Até pelo menos dia 31 de Agosto é este o novo musical de Filie La Féria a que pode assistir.
Severa o Musical, com autoria e encenação, claro, de Filipe La Féria, leva-nos para o século XIX, às tabernas da Mouraria em Lisboa, onde com algum toque de contemporaneidade revisitamos uma das figuras mais lendárias da história do fado: aquela que é considerada a sua mãe e fundadora, Maria Severa Onofriana (1820-1846), interpretada alternadamente por Anabela e por Filipa Cardoso. Para esta crítica foi Filipa Cardoso a interpretar a personagem principal.

Este, que já é considerado um dos melhores espetáculos de Filipe La Féria, oferece-nos um verdadeiro quadro de época, mesmo antes de começar a guerra entre absolutistas e liberais, numa Lisboa dividida entre o povo e aristocracia, onde a festa é brava não só nas arenas de touros, palco de alguns dos momentos mais marcantes da peça, mas também nas tabernas da Mouraria, onde os mais pobres se juntam para beber e comer. Quadro esse cujo foco é a relação entre Severa e o Conde de Vimioso (Dom Francisco de Paula de Portugal e Castro) a quem chamam de Marialva, interpretado por Bruno Xavier.

É Almeida Garret (Carlos Quintas) que começa por nos fazer o relato de que rapidamente nos apercebemos que não gira apenas em volta da relação de Severa e do Marialva, mas também em torno dos enredos em que cada um se foi deixando envolver emocionalmente. Severa e o mendigo Custódia (Filipe de Albuquerque) e o Conde de Vimioso e a Marquesa de Seide (Dora), com quem mantinha também uma relação extra conjugal.

Através de Severa, filha de um cigano e de uma prostituta, passamos a conhecer a origem do fado, um género musical que no seu início era oriundo e exclusivo das classes baixas, com visível influência dos cânticos ciganos, vindo do Brasil trazido pelos escravos, e que tanta estranheza causava às classes mais altas.

Através de Severa, filha de um cigano e de uma prostituta, passamos a conhecer a origem do fado, um género musical que no seu início era oriundo e exclusivo das classes baixas, com visível influência dos cânticos ciganos, vindo do Brasil trazido pelos escravos, e que tanta estranheza causava às classes mais altas. É o que podemos observar numa cena maravilhosa em que Severa é chamada a a dar a conhecer o Fado à aristocracia de Lisboa.

Numa excelente interpretação de Severa, Filipa Cardoso oferece-nos uma mulher valente, sem papas na língua, orgulhosa da sua condição social, com vontade de transgredir tudo o que não se compadeça com a sua vontade. Uma mulher, acima de tudo, orgulhosa da música que leva na alma.

É uma história que nos fala de amor, não fosse esse um dos temas centrais do Fado. Não só de romantismo, mas também de amizade. São vários os momentos em que conhecemos um lado de Severa mais doce, por exemplo quando ajuda Gabriel e Malhada a fugirem de Lisboa, permitindo-nos assim perceber o carácter de Severa. Uma figura que, apesar de ter morrido muito nova, nunca abdicou das suas raízes e de ajudar os necessitados, mesmo estando ela própria em condições muitas vezes adversas.

Um espetáculo a espaços cómico, onde personagens como Marcolina (Yola Diniz), D.Maria II (Carla Vasconcelos) e o Diácono (Fernando Gomes, que é sempre bom  ver em palco) vão tratando de nos divertir com as suas performances.

Tecnicamente é um espectáculo muito bem conseguido. Irrepreensível a nível musical, com grandes vozes, como a de Bruno Xavier, Filipa Cardoso, David Gomes e Filipe Albuquerque. Ainda que algumas não sejam tipicamente fadistas, não deixam de conferir esse necessário toque. David Gomes, na personagem de Gabriel, e Filipe Albuquerque, na personagem de Custódia, proporcionam dois dos momentos musicais mais bem conseguidos de toda a peça. O ensemble de bailarinos e actores é disciplinadíssimo e alcança em muitos momentos uma intensidade invulgar só possível com mão de mestre no trabalho coreográfico (Marco Mercier) e musical (Tiago Isidro). Nota muito positiva também para o trabalho muito eficaz de cenografia que propõe um equilíbrio entre o conceptual e simples, e o que nos leva directamente para o século XIX. Uma nota para o guarda-roupa e luz também ao nível do que já nos habituaram as produções no Politeama.

Talvez ainda de referir alguma influência interessante de outros musicais estrangeiros com conteúdo histórico, como o recente Hamilton ou o mais antigo Les Miserables, mas com uma aproximação clara à realidade portuguesa, em que  a viagem ao universo das cantadeiras de fado da Mouraria do século XIX é de facto a nota mais positiva deste espetáculo de Filipe La Féria.
Sem fazer mais revelações de enredo fica o convite para ir ao Politeama assistir a Severa o Musical para uma noite diferente em que a magia do teatro musical e da festa está sempre garantida.

Fotos: ©Filipe La Féria


Ficha Técnica

Autoria e Encenação: Filipe La Féria
Musica original: Miguel Amorim, Jorge Fernando e Filipe La Féria
Coreografia: Marco Mercier
Direcção Musical: Tiago Isidro
Elenco: Anabela, Filipa Cardoso, Carlos Quintas, Fernando Gomes, Yola Dinis, Filipe de Albuquerque, Bruno Xavier, Cristina Oliveira, João Frizza, Francisco Sobral, Dora, Ricardo Soler, Rosa Areia, Carina Leitão, Carla Vasconcelos, Rui Vaz, David Gomes, Paulo Miguel Ferreira, Catarina Pereira, João Albuquerque Alves
Promotor: Boca de Cena, Produções Artísticas Lda.

Informações úteis:
Local: Teatro Politeama – R. Portas de Santo Antão 109, 1150-266 Lisboa (mapa google)
Contactos: [email protected] I Telefone: 213405700
Preços: Plateia – 35€ I 1ª Tribuna – 35€ I 2ª Tribuna – 30€ I 1º Balcão – 20€ I 2º Balcão – 15€ I Camarotes – 25€
Descontos: Jovens até 12 anos I Jovens até 18 anosI Noite da Família I Séniores (+65 anos)
Comprar: aqui 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


Brotéria Logo

Sugestão Cultural Brotéria

Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

Conheça melhor a Brotéria