Inácio: uma crise inesperada

Neste domingo do mês de Santo Inácio, uma reflexão sobre esta crise que vem acompanhada de uma provocadora pergunta: aceitas não controlar a tua vida? Aceitas abraçar a conversão, acreditando que é Deus quem te salva e não tu próprio.

Neste domingo do mês de Santo Inácio, uma reflexão sobre esta crise que vem acompanhada de uma provocadora pergunta: aceitas não controlar a tua vida? Aceitas abraçar a conversão, acreditando que é Deus quem te salva e não tu próprio.

Nos próximos domingos e no dia 31 de julho (sábado), a memória festiva de Santo Inácio de Loyola, irei expor (através da escrita e da imagem) aquilo que poderá ter estado na origem do fenómeno de conversão operado na vida deste homem, aguardando que alguma luz daqui se possa trazer para o processo das nossas demoradas conversões.

Depois da primeira etapa – “os santos fazem-se à força de vontade” (dia 11 julho) – vamos olhar, agora para um segundo momento, uma crise inesperada que virá a desmascarar e desmoronar o modelo de santidade assente quase exclusivamente na boa vontade.

Convém lembrar que a santidade antes de ser inaciana (experimentada na vida de Inácio de Loyola) ou inspirada por qualquer outra biografia, ela será incontornavelmente cristológica. Ou seja, é no próprio Cristo – gestos, palavras e parábolas – que encontramos a raiz e o sentido de todo e qualquer processo de transformação na vida cristã.

No capítulo quarto do Evangelho de Marcos são apresentadas quatro parábolas. Se por um lado, as duas primeiras – o semeador e a lâmpada – se referem a um exercício necessário do cuidado e da atenção, do zelo, da vigilância, da generosidade e da vontade; por outro, o segundo conjunto – a menor das sementes e o grão de mostarda – inaugura um caminho igualmente necessário e não menos importante que se traduz na espera e uma passividade de autêntica confiança. O próprio texto (Mc.4, 27) nos dirá que a semente virá a germinar mesmo que o semeador se encontre a dormir. Mesmo para germinar, pode ser necessário e da maior conveniência que se interrompa o gesto de semear.

Dito de outro modo, a semente fará o seu trabalho independentemente da vontade do semeador.

Dito de outro modo, a semente fará o seu trabalho independentemente da vontade do semeador.

No entanto, ao ambicionamos um caminho de transformação de vida, o nosso imaginário aponta de imediato a sua artilharia para a ascética, acompanhada naturalmente por uma pergunta prática e moral: que tenho, então, de fazer de bom para alcançar a vida eterna? Mas, talvez ainda seja insuficiente e pouco se esta não vier acompanhada de uma mística capaz de desejar um encontro silencioso, rendido e até passivo diante do próprio Deus, onde simplesmente se possa dizer: “fala, Senhor. Fala que o teu servo escuta”.

Quando se sublinha uma ascética em desapreço de uma mística, onde a ação preside à contemplação, acredito que uma crise inesperada nos possa bater à porta, assim em forma de constatação: “mesmo com esta irrepreensível força de vontade, ainda assim, não consigo salvar-me”.

Não sendo capaz de se livrar definitivamente da sua fragilidade, tanto em Loyola como em Manresa, Santo Inácio é apanhado desprevenido diante de perguntas sobre as quais não encontra uma resposta (inclusive junto de pregadores e confessores) que o torne definitivamente imune à experiência da fragilidade.

Num quarto dos dominicanos do convento de S. Pedro Mártir, fará a seguinte oração: “Socorre-me, Senhor, porque não encontro nenhum remédio nos homens, nem em nenhuma criatura; porque se eu pensasse poder encontrá-lo, nenhum trabalho me pareceria pesado. Mostra-me Tu, Senhor, onde o posso encontrar.” (Aut. 23)

Quando se sublinha uma ascética em desapreço de uma mística, onde a ação preside à contemplação, acredito que uma crise inesperada nos possa bater à porta, assim em forma de constatação: “mesmo com esta irrepreensível força de vontade, ainda assim, não consigo salvar-me”.

Esta crise prende-se, sobretudo, com uma razão. Santo Inácio não entende que haja coisas que não dependam só da sua vontade e que lhe escapem do seu controlo. E estas realidades são de duas naturezas. Uma que se prende com aquilo que lhe acontece no presente juntamente com o total desconhecimento diante do futuro; e outra, que incide sobre a inesperada alternância e variedade de moções (de alegria e tristeza) que ocorrem no seu coração.

Poderíamos dizer que esta crise virá acompanhada de uma provocadora e necessária pergunta: aceitas não controlar a tua vida? Aceitas não saber como será o teu futuro? Aceitas abraçar a conversão, acreditando que é Deus quem te salva e não tu próprio?

Como podemos nós saber se ao menos estamos no caminho certo, uma vez que desconhecemos o futuro? No próximo domingo (dia 25 julho), procuraremos avançar nesta questão, ficando por agora com esta descrição que Jerónimo Nadal (um dos primeiros jesuítas) faz de Santo Inácio: “Inácio seguia o Espírito mas não se lhe adiantava. Deste modo era conduzido com suavidade para onde não sabia e pouco a pouco se lhe abria o caminho. Sabiamente ignorante coloca com simplicidade o seu coração em Cristo”.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.