Desde a madrugada do dia 7 de outubro, sábado, que palestinos e israelitas estão envolvidos num conflito militar sem tréguas. Centenas de militantes palestinos do Hamas derrubaram a vedação que separa a Faixa de Gaza do território israelita, esmagando-a com um bulldozer, e entraram a pé. Outros vieram em planadores. O acesso ao território israelita foi acompanhado por uma onda de mísseis que caíram na região circundante, mas também em zonas mais longínquas, tendo alguns deles chegado a Telavive e Jerusalém. O exército israelita respondeu com bombardeamentos incessantes sobre a cidade de Gaza e com batalhas ferozes de forma a eliminar os rebeldes do seu território, e convocou os reservistas do Exército para se prepararem para uma nova intervenção militar.
Israel foi apanhado desprevenido; os seus célebres serviços secretos militares não sabiam o que estava a ser planeado ao longo de semanas e meses.
Muitos descreveram Gaza como uma prisão a céu aberto, constantemente sob vigilância israelita. Como é que, então, este ataque pôde acontecer?
No meio do conflito feroz em curso, é demasiado cedo para analisar, compreender e discernir para onde nos dirigimos. No entanto, é evidente que é difícil não ceder à desumanidade na situação atual.
Em Israel, um bombardeamento estrondoso prossegue ininterruptamente dia e noite. Os ouvidos são constantemente assaltados pelo zumbido dos aviões israelitas que sobrevoam os céus para ir bombardear Gaza ou as forças do Hezbollah, no sul do Líbano. O Hezbollah está a fazer movimentações ameaçadoras em solidariedade para com o Hamas.
E depois há os estrondos que se ouvem dos mísseis enviados de Gaza e que são intercetados pelo sistema antimíssil Iron Dome de Israel ou que caem em território israelita. São acionadas sirenes que fazem gelar o sangue e que avisam as pessoas que estão por perto para se refugiarem nos abrigos. Quando os mísseis atingem zonas residenciais, as sirenes das ambulâncias e da polícia aumentam a sensação de terror.
Em Gaza, todos estes sons são intensificados quando os mísseis israelitas destroem edifícios inteiros que, em segundos, ficam reduzidos a escombros. As sirenes das ambulâncias raramente se calam em Gaza. Os olhos são bombardeados com imagens constantes de horror e destruição.
Em Israel, as imagens mostram atiradores mascarados do Hamas a percorrerem as ruas das cidades e aldeias israelitas, disparando sobre homens, mulheres e crianças. Mais de mil pessoas foram mortas, mais de 250 num local onde jovens israelitas se encontravam reunidos para uma celebração ao ar livre. Muitos foram abatidos quando tentavam fugir. As imagens de corpos espalhados pelas ruas recordam aos israelitas os ataques contra os judeus nos momentos mais negros da história judaica. Israelitas arrastados para a Faixa de Gaza como reféns, mulheres idosas, crianças pequenas, qualquer pessoa que pudesse ser levada viva.
Em Gaza, imagens de corpos de homens, mulheres e crianças a serem retirados dos escombros de casas destruídas, à medida que o número de mortos não pára de aumentar. Imagens dos feridos levados para hospitais mal equipados e subdesenvolvidos após anos de um bloqueio impiedoso à Faixa de Gaza.
Em Gaza, imagens de corpos de homens, mulheres e crianças a serem retirados dos escombros de casas destruídas, à medida que o número de mortos não pára de aumentar. Imagens dos feridos levados para hospitais mal equipados e subdesenvolvidos após anos de um bloqueio impiedoso à Faixa de Gaza.
E pais, filhos, familiares e amigos a gritarem a sua perda a um mundo que parece não querer ou ser incapaz de ouvir o seu grito. Imagens de pessoas que fogem das bombas sem ter para onde ir, numa faixa de terra que é um dos territórios mais sobrepovoados do mundo, exposta por todo o lado aos mísseis israelitas. A maioria dos habitantes de Gaza de hoje são descendentes dos que foram expulsos dos territórios israelitas que o Hamas está agora a bombardear.
E depois há o fluxo constante de palavras proclamadas pelos líderes que semeiam o ódio e um desejo de vingança sem fim. Um porta-voz do Hamas explicou, de forma arrepiante, que nenhum civil está a ser visado. Para ele e para os seus soldados, todos os israelitas – velhos e novos, homens e mulheres – são colonos militantes determinados a preservar a hegemonia israelita e a manter os palestinos submissos.
Os líderes de Israel comparam o Hamas aos nazis e ao Estado Islâmico, identificando os israelitas como vítimas eternas de um ódio insondável e de um impulso genocida. Dizem aos israelitas e ao mundo que Israel está empenhado na defesa contra um inimigo que não conhece limites para a sua crueldade.
Os líderes de Israel comparam o Hamas aos nazis e ao Estado Islâmico, identificando os israelitas como vítimas eternas de um ódio insondável e de um impulso genocida. Dizem aos israelitas e ao mundo que Israel está empenhado na defesa contra um inimigo que não conhece limites para a sua crueldade.
Para demasiadas pessoas de ambos os lados, não há civis, não há observadores inocentes! A humanidade do outro foi quase totalmente obscurecida por décadas de conflito que fecharam todos os horizontes, exceto o da guerra sem fim.
O Papa Francisco afirmou na oração do Angelus do passado domingo que a guerra é uma derrota para todos. Isto não se deve apenas às centenas de mortos, aos milhares de feridos e à destruição maciça de bens de ambos os lados. É também verdade porque a centelha de humanidade, que todos somos chamados a reconhecer uns nos outros, pois somos todos criados à imagem e semelhança de Deus, está progressivamente a extinguir-se .
Artigo publicado originalmente no dia 12 de outubro no Jesuit Institute South Africa.
Tradução: Ponto SJ
Fotografia: Associated Press
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.