Foi a minha mãe que encomendou este vírus

Duarte Correia da Silva e Teresa Dias Costa juntaram-se para descobrir o que realmente deu origem ao vírus.... mais um apontamento de humor.

Duarte Correia da Silva e Teresa Dias Costa juntaram-se para descobrir o que realmente deu origem ao vírus.... mais um apontamento de humor.

De há um mês a esta parte Portugal está irreconhecível. Sem sequer bater à porta, um vírus sem precedente fechou o nosso país a sete chaves. Desde a casa do cidadão comum até ao restaurante chinês que nem as pragas de baratas conseguem encerrar.

E são muitas as teorias da origem deste vírus que virou de pernas para o ar o mundo como o conhecemos. Pois bem, chegou a hora de começarmos a equacionar a possibilidade de ter sido uma das nossas mães a produzir esta malfadada maleita. Ou até mesmo uma mais engenhosa avó.

Depois da gripe suína e da gripe das aves, estou certo de que esta será lembrada como a gripe “Mais respeitinho que sou tua mãe!”

Há provas incontornáveis da suspeita que levanto e gostava que acompanhassem o meu raciocínio:

Todos nós ouvimos, cumprimos e ignorámos conselhos paternais, de alguém mais velho que sempre considerou filhos e netos inconscientó-rebeldes-irremediavelmente-sem-cura. Pois estão finalmente a ter os resultados para todo o “latim” que gastaram nos anos de ouro da juventude de filhos, netos, sobrinhos e animais domésticos mais teimosos.

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Ilustração de Teresa Dias Costa

A vitória mais clara vai para o clássico “Agasalha-te” que em casas diferentes terá, com certeza, tido versões diferentes. Foi obviamente dito e ouvido um “Leva um casaco”, talvez um “Olha que está frio lá fora…” ou mesmo um “Vais imediatamente buscar uma camisola que não estamos em agosto e não está tempo para andar de t-shirt”.
Neste momento, estejam 8, ou 24 graus, ninguém sai de casa se não estiver aconchegado até aos dentes. Até luvas e máscara! Ninguém passa frio esta primavera.

Estou igualmente em condições de garantir que por esta altura ninguém, mas absolutamente ninguém, fala com estranhos. Podem as mães e avós finalmente descansar as horas que não puderam na altura devida. Não há vivalma que se aproxime de um conhecido a menos de 4 metros, quanto mais de um senhor de gabardine e aspeto duvidoso. Na minha cabeça também usa boné da Castrol e galochas.

Estão também à vista de todos os efeitos da cartada “Sai da frente da televisão”. Que numa versão mais moderna seria computador, e que tinha como principal objetivo levar o mais acomodado jovem a encetar outro tipo de atividade e dinâmica para além da caixinha com cores que se apresentava mesmo à sua frente. Acontece que já todos vimos tudo o que está na televisão neste momento. TUDO! Já sabemos anúncios de cor. Não há repetição de “Rex, o cão polícia” que aqueça o coração de um telespectador à procura de calor. Nada! Não é fisicamente admissível mais tempo de antena.

Mais uma vitória para a team parentalidade com o exercício físico. Parabéns! O “vai lá para fora. Salta a corda, joga à bola ou dá uns pinotes” converteu-se agora numa febre de actividade física sem precedentes! Quem não corria, agora corre… só para poder sair de casa. Quem ia ao ginásio tem agora um ginásio em casa. Quem corria e ia ao ginásio vive nesta altura de sunga roxa e é halterofilista.

Outra febre corrente neste tempo de clausura é o pão. Sim, sim, pão. O pão que Tino de Rans proclamava como “tão bão”. Fazer pão está na moda, quais skinny jeans. Há farinhas esgotadas em todas as superfícies comercias das grandes cidades. Há inclusivamente testemunhos de peregrinos que em vez do 13 de maio em Fátima estão a pensar ir a pé até um mercado em Proença-a-Nova para conseguir fazer um papo seco com receita caseira. A pãodemia veio para ficar numa clara resposta à acusação “Tu não te entreténs com nada!!”

O cumprimento tardio de diretivas da progenição só se cumpre com um dos greatest hits: “Não te deites tarde”. Obedecido agora com distinção na ânsia de fazer o calendário andar mais depressa. Muitas vezes 18h30 é hora de ir para a cama porque “parece que o tempo não anda”. E quem diz 18h30 diz 14h30 porque há vezes em que uma boa sesta sabe a dois dias inteirinhos de sono.

“Contra factos não há argumentos” como diria a minha mãe. E bem! Como disse tudo isto na altura… Agora, não era preciso este sarilho todo só para nos fazer cumprir as regras. Nós já aprendemos a lição, por favor chamem lá o bicho para dentro que já deu o Vitinho.

Ilustração de Teresa Dias Costa

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.