Está patente ao público até ao fim do mês de Setembro uma excelente exposição temporária, promovida em boa hora pela Direção-Geral do Património Cultural e pelo Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja, de que aqui fazemos eco: Na Rota das Catedrais – Construção d(e) identidades
Um olhar singular
Tal como destacam os seus organizadores, esta exposição permite um olhar singular sobre a enorme riqueza patrimonial e artística integrante desta Rota, que se forjou ao longo do tempo e do espaço. As Catedrais e as suas obras revelam um enorme legado material e imaterial que se foi formando no decurso da história, mais significativa para os portugueses, pois estes identificam-se com esse legado.
Com efeito, as Catedrais (Sés), não são fascinantes apenas como construções notáveis, constituem pontos essenciais formadores de identidades das cidades nas quais se integram, pois são lugares referenciais de natureza teológica, sacramental e pastoral de cada Igreja diocesana.
Uma dessas identidades é seguramente a dimensão religiosa e patrimonial, visto que essas Catedrais constituem templos de que as comunidades dependiam e dependem espiritualmente, mas que também apoiavam, humana e materialmente, mesmo perante a afirmação de outros poderes e interesses.
A exposição sugere um percurso sobre obras e objetos artísticos e os seus espaços de origem, as Catedrais e Concatedrais de Portugal, e para cuja formação e alterações sucessivas se empenharam não apenas os respetivos bispos e cabidos, mas também em muitos casos monarcas e representantes de Governos. E em que participaram, em diferentes graus, todas as classes sociais.
A exposição permite melhor olhar para o papel das Igrejas diocesanas e da Igreja Católica na formação da nossa história e da visão que estas foram moldando, que se reflete no modo de ser ou de estar, e de viver das pessoas e das comunidades diocesanas ao longo dessa história.
As Catedrais como formadoras de identidades
Os melhores arquitetos e artesãos, pintores, escultores, ou ourives, deram o seu cunho a peças de mobiliário, alfaias, esculturas, vasos e vitrais, para a representação do mais sublime dos sentimentos humanos e espirituais, de devoção e de contemplação, mas também representando as promessas efetuadas, ou a esperança num mundo melhor.
O facto de mecenas terem contribuído decisivamente para o crescimento das obras e objetos detidos pelas Catedrais, ao longo de séculos, está espelhado também nesta exposição por uma belíssima custódia de prata dourada, do Seculo XVI, oferecida à Sé de Coimbra.
A exposição permite melhor olhar para o papel das Igrejas diocesanas e da Igreja Católica na formação da nossa história e da visão que estas foram moldando, que se reflete no modo de ser ou de estar, e de viver das pessoas e das comunidades diocesanas ao longo dessa história.
As catedrais foram formadoras de identidades não apenas para as cidades, e centros urbanos de que fazem parte, mas de todo o território diocesano, de que são o centro, diferenciando-se das demais. Mas também porque refletem os valores mais altos dessas comunidades, de natureza cultural, e de natureza espiritual. Cada uma delas tem o seu próprio percurso histórico, cultural e artístico, em vários planos, impulsionado por cada um dos seus bispos e comunidades.
De facto, as catedrais (Sés) constituem pilares da terra – ainda que, para os crentes dirigidas ou orientadas para Deus e o transcendente – de particular significado para cada terra ou centro urbano de maior importância económico-social. Se exibem elementos de diferenciação, ou de distinção cultural, também representam centros de afirmação de poderes político-religiosos, mas também de afirmação de saberes e conhecimento, e de tradições.
Ora, toda esta exposição está construída com base 110 peças de valor artístico e histórico de grande relevo, oriundas de museus, bibliotecas e arquivos das próprias catedrais de Portugal continental, mas também das Ilhas da Madeira e dos Açores, cuja qualidade impôs que fosse reconhecido o estatuto de Tesouros Nacionais. Exemplos significativos dessa riqueza, as obras que integram hoje as coleções dos Museus das Sés de Braga, de Faro, do Porto, de Santarém, e de Viseu.
Objetos e peças de mobiliário, convocam a nossa atenção, como as cadeiras (ou cathedras) de bispos das dioceses de formação mais antiga, como as dos antigos Bispos de Ceuta (do séc. XV), ou da cadeira (ou cathedra) do bispo da Guarda (do séc. XVIII); ou ainda de criação mais recente, como a cathedra do bispo de Vila Real, num sentido mais despojado e ligado à contemporaneidade; ou ainda outras peças, como os cadeirais trabalhados para o cabido ou ainda os mais simples bancos para os restantes fiéis; ou outros objetos diferenciadores, como um bonito púlpito, que teve e tem sempre um papel central na vida de uma Sé Catedral.
E a visita arrasta-nos sempre para contemplação de vários planos, materiais, espirituais e dos valores, da arte e dos elementos simbólicos, que as catedrais integraram. Foi um percurso que mostra a acumulação de objetos riquíssimos para seu uso privativo, ou de culto; que outros templos ou igrejas não disfrutaram ou dispuseram, uma vez que as catedrais objeto desta Rota, e todos os bens culturais que integram, são em regra invulgares e excecionais.
As catedrais foram formadoras de identidades não apenas para as cidades, e centros urbanos de que fazem parte, mas de todo o território diocesano, de que são o centro, diferenciando-se das demais. Mas também porque refletem os valores mais altos dessas comunidades, de natureza cultural, e de natureza espiritual.
Como se sabe, no território Português, as Catedrais (ou Sés), além das funções de culto que mantinham, reuniram uma riqueza arquitetónica notável, muitas vezes apoiadas pelos nossos monarcas ou pelo Estado nas suas funções, desde D. Afonso Henriques, e continuaram a assegurar uma função religiosa e social fundamental. Justificaram a sua inicial construção, e continuaram a ser centros vivos de culto e atividade pastoral, à frente da qual estava o bispo respetivo.
Assim, ao percorrer o percurso desta exposição, ficamos a conhecer melhor a natureza do papel do Bispo em cada Sé, o qual, em ligação estreita com a da Sé Apostólica em Roma, cabia exercer o seu múnus apostólico, como pastor e presidindo ao culto, guiando uma comunidade numa diocese, mas também administrar, ensinar e até julgar.
A exposição mostra também a importância do Cabido da Sé no governo da diocese, de todo o ciclo de vida que integra uma Catedral, desde as cerimónias litúrgicas. As obras expostas identificam momentos e relações estabelecidas, evidenciam o cerimonial específico, os momentos de oração, os locais de oração, a importância da música e do canto, da administração dos sacramentos, e exibem as marcas e símbolos dos poderes eclesiásticos dos bispos que presidem às diferentes dioceses.
Se dúvidas houvesse, esta visita deixa absolutamente claro a centralidade da pessoa de Nossa Senhora, Mãe de Jesus, na vida da Cristandade. Essa importância manifesta-se ainda no facto de a Virgem Maria ser Santa padroeira na quase totalidade das Catedrais erigidas, em que predominam os oragos a Nossa Senhora da Assunção.
O impacto pessoal de uma exposição
No percurso da visita, ficamos deslumbrados com muitos dos objetos expostos, embora tão diferentes. Por me chamaram especial atenção, deixo aqui alguns exemplos:
– O cálice e patena de Entre-Douro-e-Minho do Sec. X-XI de prata repuxada, cinzelada e vazada e dourada, de autoria desconhecida, mais conhecido como Cálice de São Geraldo, 2.º arcebispo de Braga, entre 1095 e 1108;
– O diploma de confirmação por D. Afonso Henriques da carta de couto outorgado à Sé de Braga (um manuscrito sobre pergaminho), que será um dos primeiros documentos assinados por aquele monarca;
– A cruz processional, de autor desconhecido, do séc. XV, em prata dourada, oriunda do espólio do Museu Nacional Machado de Castro (oriunda da Sé Velha de Coimbra). Na qual a figura de Maria é apresentada como figura central na própria cruz, com o menino Jesus ao colo, o que configura uma representação absolutamente original, mas que tem o significado teológico da indicação da pessoa humana que quem mais centrada esteve em Cristo;
– O quadro com “A Adoração dos Magos” de Vasco Fernandes, do Séc. XVI, pintura a óleo sobre madeira de carvalho – e que faz parte da coleção do Museu Nacional Grão Vasco – , no qual este pintor integra um natural do Novo Mundo (ameríndio) na representação dos convocados para essa adoração, neste caso, dum recém-chegado à contemplação do Menino, o que reveste um carater formal inteiramente inovador para o seu tempo.
Estes são apenas alguns objetos, dos que foram reunidos para esta exposição e que nos falam do riquíssimo espólio artístico e cultural das nossas catedrais e da sua evolução.
Essa evolução não terminou no Sec. XVI ou XVII como mostra a exposição, para nós merecendo especial destaque, já no Século XXI a excecional obra-prima “Pietá”, de Maria com Cristo já sem vida nos seus braços, escultura de José Rodrigues, em bronze fundido, criada em 2012 para a nova Catedral de Bragança, a qual foi benzida pelo Cardeal Saraiva Martins.
Foi seguramente uma ótima oportunidade de conhecer um conjunto de obras dispersas e dos melhores e mais ricos templos católicos de Portugal. Podendo constituir um incentivo para outras visitas às Catedrais que ainda não conhecemos.
Assim enriquecemos o nosso olhar sobre um património cultural riquíssimo, do melhor que a nossa história nos legou, e que também é nosso.
Imagem de Capa: Ecclesia/LFV
Este texto integra o caderno cultural da Brotéria no seu número de agosto/setembro.
Informações Úteis:
Local – Galeria D. Luís – Palácio Nacional da Ajuda (Localização – Mapa Google)
Largo da Ajuda
1349-021 Lisboa
Coordenadas GPS: 38°42’27.49″N 9°11’52.16″W
Contactos: Tel.: 213637095 / 213620264; E-mail: [email protected]
Até 30 de Setembro de 2018
Horário: Das 10h00 às 18h00, todos os dias excepto quartas-feiras
Ingressos: Exposição: 5 euros; Exposição + Visita ao Palácio Nacional da Ajuda: 8 euros
Visitas guiadas:
1 e 29 de setembro, às 16h00, por Marco Daniel Duarte, Comissário da Exposição
Bilhete 5 €
Inscrição prévia: [email protected]
Lotação 30 pessoas
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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