Comemoram-se este ano os quinhentos anos do nascimento de Francisco de Holanda, artista e erudito português do Renascimento (nascido a 1517/1518 e falecido em 1584), autor do que passa por ser o primeiro tratado teórico europeu autónomo sobre o tema do retrato, intitulado “Do Tirar Polo Natural”. Figura como apêndice ao seu livro “Da Pintura Antiga“ [1] e foi escrito em 1549.
Associando-se às comemorações, o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) organizou uma esplêndida exposição dedicada ao retrato português, tendo como ponto de partida a matriz de Francisco de Holanda, mas transcendendo-a completamente, com cerca de 150 obras expostas que retratam o retrato português, da Idade Média até hoje.
O Museu Nacional de Arte Antiga organizou uma esplêndida exposição dedicada ao retrato português, tendo como ponto de partida a matriz de Francisco de Holanda, mas transcendendo-a completamente, com cerca de 150 obras expostas que retratam o retrato português, da Idade Média até hoje.
Paralelamente, esta foi a ocasião de prestar homenagem ao crítico e grande historiador de arte português José Augusto França. Na verdade, em 1967 o MNAA encomendara-lhe a realização de uma mostra de tema livre, a que José Augusto França respondeu com a proposta de uma exposição sobre “O Retrato na Arte Portuguesa”. Prontamente acolhida, beneficiava do apoio financeiro da Fundação Calouste Gulbenkian. Porém, o Ministro da Educação da época proibiu-a, por razões que se prendem com o posicionamento político do programador e organizador indigitado.
Cinquenta anos depois, José Augusto França pode ser mais uma vez visitado, porque felizmente, a reflexão feita pelo ilustre professor sobre o retrato português foi passada a escrito, e, já em 1981, publicou-se, exactamente, a síntese por si feita com o título “O Retrato na Arte Portuguesa” (Livros Horizonte). O último capítulo do livro intitulado “Sobre o Sentido do Retrato em Portugal”, está agora transcrito no Catálogo da nossa exposição (pág. 37 e segs.).
Este catálogo, esplêndido livro de arte em português e inglês, inclui ainda os estudos “Do Tirar polo Natural (1549) de Francisco de Holanda” assinado por Sylvie Deswarte Rosa, centrado na figura de Francisco, mas também com boa informação sobre o pai, António de Holanda, e “Sombras e Alguma Luz, Panorama do Retrato Português”, de Anísio Franco, um dos três curadores da exposição e “conservador da casa”, MNAA (ao lado de Filipa Oliveira e Paulo Pires do Vale).
Ficámos a saber que depois da presente exposição, dedicada ao retrato de portugueses feito por portugueses, está prevista para dentro de um ano, outra, sobre o retrato de portugueses feito por estrangeiros. Foi na sequência da visita a esta exposição que não resisti a tecer as breves considerações e comentários que se seguem. Vejamos então.
- Pintura: géneros e hierarquia
Já o século XIX ia avançado e ainda se mantinha uma classificação da pintura que à data se fazia, em géneros, com uma hierarquia própria, na melhor tradição dos três séculos anteriores. Conservava-se portanto uma orientação, segundo a qual, o tema se mostrava decisivo na valoração da obra. Tanto ou mais do que o “como” da representação interessava o “quê” dessa representação.
E assim se costumava considerar sem discussão, como género maior, a pintura de história, incluindo os temas religiosos, mitológicos ou alegóricos.
Ao episódio narrado emprestava-se um propósito edificante em que, não apenas se instruía o espetador como se procurava torná-lo melhor. Para o renascentista Leon Battista Alberti (De Pictura, livro II) não só não havia arte sem história como quanto melhor fosse a história melhor a arte. Daí que, se o tema fosse banal, também a obra teria que pertencer a um género inferior.
A seguir vinha o género do retrato, que nesta hierarquia apresentaria alguma ambiguidade, porque o estatuto do representado tinha que interferir no posicionamento da obra.
A seguir vinha o género do retrato, que nesta hierarquia apresentaria alguma ambiguidade, porque o estatuto do representado tinha que interferir no posicionamento da obra.
Depois aparecia a paisagem, como natureza “viva”. Ainda só depois, aquilo a que à falta de melhor se chamou cena de género, e, por fim, a natureza morta.
A cena de género representa pessoas, com uma história que também é contada, mas que se reduz a costumes da época, a episódios privados ou de rua protagonizados por cidadãos banais. São ainda cenas de história, mas da história do quotidiano, contemporânea do autor.
Quanto à natureza morta, figura no mais baixo da hierarquia porque a figura humana está aí ausente. Morta, já que não representa criaturas vivas. Os ingleses chamaram-lhe vida tranquila (“still life”), tal como os franceses do sec. XVII lhe chamavam “vie coye”.
Curiosamente, na passagem para o sec. XX a natureza morta passou a ter uma importância grande, porque para além de sugerir uma metafísica do objecto, desclassificou a importância do tema, na pintura, e abriu mesmo caminho para a abstração.
Poder-se-ia ainda falar do nu como género da pintura, se bem que de modo algo de forçado. O nu foi sempre um tema central da arte ocidental mas, aparecido com os gregos no sec. V, a.c., mais do que um tema, deve ser considerado uma forma de fazer arte (Kenneth Clark). É uma busca de beleza ideal, cara ao classicismo, que o afasta decisivamente do “despido”. Ainda há pouco tempo Julien Freud pintava cujo valor é incontestável mas que não representam nus. Representam pessoas “despidas” (que aliás nos fazem sentir … num talho).
2. O retrato e as suas modalidades
Se nos ocuparmos agora, concretamente, do retrato, vemos que aí também se podem distinguir modalidades.
Há os falsos retratos em que se representam personagens que existiram mas que se desconhece completamente como eram. Basta pensar nos milhões de reproduções da face de Jesus ou de personagens bíblicas, em termos mais triviais recordo, por exemplo, o “retrato” de Aristóteles com o busto de Homero, pintado por Rembrandt. Trata-se mais de evocações do que de retratos.
Tanto o retrato esculpido, como em duas dimensões, nasceu, tanto quanto se sabe, na antiguidade clássica. Os retratos do Egito, sujeitos a cânones formais muito estritos, de tão impessoais, não permitiam identificar facilmente o retratado. Tivemos que aguardar pela época romana do Egito, para depararmos com tábuas espantosas, colocadas nas múmias no lugar da cabeça, e retratando o falecido com um realismo que só voltaria a ver-se muitos séculos depois (Fayoum).
Tivemos que aguardar pela época romana do Egito, para depararmos com tábuas espantosas, colocadas nas múmias no lugar da cabeça, e retratando o falecido com um realismo que só voltaria a ver-se muitos séculos depois (Fayoum).
Há o retrato em que o artista parece só pretender reproduzir aquilo que vê. Seria o caso de Apelles, de quem disse Francisco de Holanda que “não teve dia nenhum tão ocupado, que não se exercitasse siquer em dar algum risco, o que ficou por provérbio. Foi tão privado de Alexandre o Magno, que mandou por edito que nenhum outro o tirasse polo natural”[2]
Retrato vem de “retrahere”, trazer outra vez (à vista) a realidade que se mostra, tal como o equivalente francês “portrait” resulta de “protrahere”, qualquer coisa como trazer, em vez de, substitir.
Pois aconteceu que durante a Idade Média este “tirar polo natural” não conheceu os seus melhores dias e tivemos que esperar, pela Itália ou França dos séc. XIV e XV, para termos retratos realistas, de perfil, inspirados em moedas ou medalhas antigas. Depois veio esse ponto alto da história do retrato que foram os primitivos flamengos, com as figuras já a três quartos, vendo-se as mãos, geralmente postas a rezar ou a segurar nalgum objecto.
Voltando à Itália do Renascimento e do Maneirismo, encontramos o cume seguinte da arte do retrato. O personagem pode figurar a meio corpo ou corpo inteiro, a pé ou a cavalo, e aparece o retrato de frente em majestade, antes reservado para representações religiosas ou só dos mais latos dignatários.
A partir daqui, fica claro que ao lado do retrato em que o artista pinta fundamentalmente o que vê, há retratos em que o pintor se preocupa antes do mais com o modo como o retratado quer, ou deve ser visto. E, para além disso, surge como frequente um propósito de traduzir, através do retrato, um certo carácter. Será então o chamado retrato psicológico.
Vulgarizam-se os retratos de grupo, de que os nossos painéis de S. Vicente são exemplo primeiro, e os auto-retratos, forma plástica de o artista se revelar a si mesmo. Tudo, até aos tempos atuais.
3. “Tirar o retrato” – a importância da fotografia
“Ter que ir tirar o retrato” foi e continua a ser uma expressão frequente, que transmite a necessidade de ter uma fotografia, se se não disser mais nada só da cara, e para fins de identificação em documentos oficiais. Nesse caso, preenche um papel estritamente funcional sem quaisquer preocupações artísticas.
Acontece é que de há longo tempo a fotografia passou a integrar o elenco das artes visuais e a combinar, no campo do retrato, uma dimensão afetiva ou documental – a presença de quem está ausente – com preocupações de ordem estética. E então, para além de todo o labor que pode ter lugar depois da fotografia “tirada”, na revelação, alterando-a ou associando-a, deparamos com um trabalho que é de preparação e fundamental em qualquer fotografia. Antes de a tirar importa ter em conta a luz, o enquadramento e o motivo. Com a luz podem-se exprimir muitas coisas, o enquadramento dá-nos a composição da imagem que se pretende e o motivo implica escolher o local e o momento certos.
Nas outras artes plásticas o retrato não se tira, no sentido em que não é uma parcela da realidade que se rouba, e como em qualquer roubo, rapidamente. O retrato pintado, ou desenhado, constrói-se, faz-se, melhor, vai-se fazendo. O autor procura acrescentar o que vai descobrindo ser preferível para realizar os seus propósitos.
O que não impede que desempenhe um papel, e sobretudo tenha tido, antes da invenção da fotografia, uma utilidade óbvia. Penso, por exemplo, nos casamentos reais ajustados, em que se trocavam os retratos dos nubentes, distantes um do outro, para que pudessem ver a imagem da pessoa com quem iam casar. Aliás, só no final do sec. XVIII é que se começou a falar de belas-artes como conjunto de obras com o fim em si mesmas, é dizer, prosseguindo uma finalidade estritamente estética.
4. Os eixos temáticos da exposição
A exposição patente no MNAA conta evidentemente com fotografias excelentes e, além disso, é uma mostra que congrega pintura e desenho ao lado de outras modalidades de expressão plástica. Não se fixa no passado, mostra-nos também o que se cria hoje e convida-nos a fazer um percurso à volta de três eixos temáticos:
I – “Do Afetivo: entre presença e ausência”, introduzido no Catálogo por Paulo Pires do Vale;
II – “Da Identidade: entre verdade e ficção”, com texto do mesmo autor, e
III – “Do Poder: entre força e vulnerabilidade” apresentado por Filipa Oliveira.
A primeira secção, “Do Afetivo: entre presença e ausência”, centra-se na relação subjectiva, sentimental, subjacente ao retrato. Ligação entre quem encomenda o retrato e o retratado, entre quem faz o retrato e o retratado entre quem vê o retrato e o retratado.
O retrato é encarado como “dispositivo afetivo” e aí se recorda Francisco de Holanda, Alexandre Magno e a sua amada Campaspe, bem como Apeles, o novo apaixonado dela, exactamente quando e porque fez o respetivo retrato. (óleo atribuído a Joseph Goupy) Tal como Pigmalião e a sua estátua.
Num outro quadro exposto, a história que nos é trazida é da filha de um oleiro, que em Corinto desenhou o perfil do amado, a partir da sombra de uma lamparina, porque ele, marinheiro, ia partir. O pai dela fez a partir daí uma figura em barro, e esta seria a origem do retrato (óleo atribuído a Joseph Suvée).
A propósito de sombra cruzada com retrato, Lurdes Castro, que “tira as sombras da sombra”, está presente. E do mesmo modo, Ana Vieira ou Helena Almeida, usando-se a fotografia ou outras técnicas.
No âmbito das miniaturas há um D. João VI ao peito de carlota Joaquina e o pintado, ao que se crê, por Pellegrini. E também dez retratos de príncipes princesas e rainhas ligados à corte portuguesa do sec. XVI, atribuídos ao próprio Francisco de Holanda e que vieram da Galeria Nacional de Parma.
Percebe-se o retrato como “amor pelo separado”, como memória, sempre, de uma ausência. Como “serviço às sombras da memória”.
De qualquer maneira, vê-se que no retrato é de incluir a dimensão do tempo.
Percebe-se o retrato como “amor pelo separado”, como memória, sempre, de uma ausência. Como “serviço às sombras da memória”.
E surgem então os retratos de um certo familiar, de grupos com algo ou muito a uni-los, sentimentalmente. Ou tão só de desconhecidos que simplesmente despertam afetos, como é o caso de belíssimas fotografias de gente do povo, mas não só, de Carlos Relvas, ou as de Fernando Lemos e José Cutileiro.
António Manuel da Fonseca, António Pereira, Arlindo Silva, Columbano, Cristóvão de Morais, Domingos António de Sequeira, Eduardo Malta, Maria Constança Machado, Nikias Skapinakis, Roquemont, Vhils, ou Vieira Lusitano, estão representados.
Mas o retrato pode querer homenagear alguém, e essa é ainda uma manifestação de afeto. Daí, por exemplo, quatro “tondos” a óleo do sec. XVIII, representando o “Sá das Galés” e três fidalgos titulares. Ou inúmeras esculturas. De Pero de Frias II, Soares dos Reis, Canto da Maia, Francisco Franco, Diogo de Macedo, António Duarte, João Cutileiro, Tiago Alexandre, ou de autores desconhecidos. Até, uma caderneta antiga com fotografias de jogadores de futebol, que não será arte por certo mas ilustra uma forma banal e acessível de prestar a tal homenagem a alguém.
Finalmente, recorda-se mais uma vez Francisco de Holanda e o seu diálogo, agora a propósito dos elementos do retrato. E cada elemento é acompanhado de obras, em que um certo elemento sobressai.
Começa-se pelos olhos, “as janelas e portas por onde tudo tem entrada”. Depois importa atentar nas orelhas e “na feição elegante delas que há-de ser tal, que logo na orelha se há-se conhecer que tal há-de ser o rosto e de quem é.” As sobrancelhas “além de serem mui necessárias, fê-las (o eterno e perfeito mestre) para um mui perfeito ornamento e decoro do rosto”.
A seguir apontam-se elementos para se ver “em que consiste todo o bom ar e graça do nariz”. E quanto às bocas, entre o mais, “Não se querem vermelhas sem nenhuma maneira, mas de uma cor de rosa música”. Quanto às mãos, “é de novo outro rosto por toda a superfície”.
Ilustram-se depois aspectos do retrato como o toucado ou o vestuário, e quanto aos retratos “na madura idade a fremosura deve estar escondida dentro do ânimo e da alma e não resplandecer senão na face das boas obras”.
É que como nos diz Paulo Pires do Vale, “percebemos que um rosto não se faz da soma do seu visível. Ele implica sempre uma transfiguração. Algo irradia dele, ergue-se dele.”
“Da Identidade: entre verdade e ficção”, preenche uma segunda secção, em que, no texto introdutório, Paulo Pires do Vale, ainda ele, começou por lembrar Leon Battista Alberti, quando este considerou Narciso como o primeiro dos pintores. Narciso teria pretendido abraçar a imagem de si próprio na superfície da água, sem saber que era a imagem de si próprio, mas pela qual se tinha apaixonado.
Importa corrigir Alberti, porque Narciso adorou uma imagem tirada da natureza e não criou nada. Daí que só a elaboração de uma obra de arte, um artefacto que daria origem a uma terceira realidade, ligaria para o futuro o motivo e o artista.
A obra criada, enquanto “dispositivo de subjetivação”, pode bem ser um retrato que surge como “invenção da individualidade e descoberta de subjectividade, de presença de si diante de si mesmo e de afirmação diante dos outros. Afinal, a individualidade é uma construção cultural e social”.
Pois nesta parte surgem inúmeros exemplos de trabalhos, em que a imaginação permitiu uma criatividade que descolou da mera aparência de um rosto, e partiu para outros voos.
Baniu o rosto, até (exemplarmente Luisa Cunha em “Não”).
Então, o sujeito, a identidade, não preexiste à obra e resulta da criação da própria obra. “A identidade do retratado é o início do retrato, mas não o que transforma um retrato em obra de arte”.
Cabe aqui a mostra de retratos acompanhados pelo santo do mesmo nome (do Mestre da Lourinhã os Principes D. João e D. Luís, de Lourenço de Salzedo D. João III e Dª Catarina, etc.).
Ou então como rosto desse santo: a mesma Dª Catarina aqui bem mais nova, de Domingo Carvalho, como Sª Catarina, os Infantes D. Luís e D. Duarte como S. Luís de França e como S. Eduardo de Inglaterra, de autor desconhecido, Aurélia de Sousa por si própria, como S. António, Maria de Lurdes Melo e Castro como Nossa Senhora de Lurdes também pintado por ela mesma.
O retratado pode ainda aparecer como o rosto de Cristo. Crucificado (Albuquerque Mendes, auto-retrato) ou não (Tiago Baptista apresentando-se no baptismo, António Carneiro como “ecce homo”).
Ou retratado pode ainda pretender ser a cara de Camões (José Almeida Pereira segundo o auto-retrato de José Malhoa). Os retratados podem ainda substituir a cara de personagens icónicos dos Painéis de S. Vicente, como se pode ver na homenagem do grupo KWY a Nuno Gonçalves.
Temos aqui um retratado máscara de outrem, portanto.
Há também retratados acompanhados de sinais que lhes atribuem um estatuto, para que se veja e portanto se saiba… Pode ser um brasão, mas pode ser também uma paleta e pincéis quando o pintor é retratado ou se auto-retrata (Columbano, José Tagarro).
Há também retratados acompanhados de sinais que lhes atribuem um estatuto, para que se veja e portanto se saiba… Pode ser um brasão, mas pode ser também uma paleta e pincéis quando o pintor é retratado ou se auto-retrata (Columbano, José Tagarro).
O retratado pode integrar uma cena em que figura como o herói, mas também pode remeter-se à condição de personagem secundário ou anti-herói. De vítima (Joaquim Pinto) ou ainda, de ser para a morte. E alguns dos auto-retratos expostos bem podem ilustrar esta dimensão.
Estamos naturalmente no terreno por excelência do auto-retrato, com representação de luxo: Almada Negreiros, Ângelo de Sousa, António Júlio Duarte, António Olaio, Armando Pereira de Basto, Aurélia de Sousa, Gaetan, Helena Almeida, Jorge Molder, Julião Sarmento, Mário Botas, Paula Rego, Pedro Cabrita Reis, Sequeira, Susana Mendes Silva e Vieira da Silva.
O último eixo temático desta exposição sobre o retrato, introduzido por Filipa Oliveira, aparece com o título “Do Poder Entre Força e Vulnerabilidade”.
É a vez de termos em conta a função sacralizante que o retrato também desempenha: “Ao retirar do natural, separando-se dele, torna sagrada uma realidade humana e finita”. Ao sacralizar, o retrato dá poder ao retratado e desempenha, portanto, uma função política. Porque o retratado é então apresentado como expressão de força, poder, soberania, mas também como referência ética, um repositório de virtudes morais, de facto seu apanágio ou nem tanto.
A “Aclamação de D. José” de Vieira Lusitano é o exemplo acabado do que se acaba de dizer.
A exposição apresenta como seu contraponto a representação de um casamento de negros a que José Conrado Roza, em pleno sec. XVIII, chamou nada menos que “Mascarada Nupcial”. E o “Retrato de Negro” de Veloso Salgado ou da “Cigana” de Joaquim Manuel da Rocha. Estes, os anti-retrato de aparato ou de corte, recorrendo ao gosto pelo exótico. “Não sujeitos” lhes chama Filipa Oliveira.
Muito curiosamente, o contraste entre o retrato-poder e o retrato de um “não sujeito” aparece no quadro de Cristóvão de Morais “Joana de Áustria, Princesa de Portugal”, trazido de Bruxelas para a exposição. Aí, D. Joana pousa carinhosamente a mão na cabeça de um “pretinho” que devia integrar o seu séquito. Juntam-se num só retrato dois personagens nos antípodas da importância social.
E porque a exposição tem também, sobretudo aqui, uma dimensão histórica documental, daí os retratos de outros excluídos que são os presos pela PIDE, de antes do 25 de abril. Acompanhados de uma voz off que vai contando as respectivas histórias, num trabalho que é de Susana Sousa Dias.
A fragilidade do poder e portanto a falta dele, aparece simbolizada na cabeça em mármore, romana, “Retrato de Júlia”, na “Cabeça Masculina” irreconhecível, também romana, no “Velho Rei” decapitado de Rui Chafes.
Também se exibem fotografias de Eduardo Gageiro e Alfredo Cunha, em que se mostram, respectivamente, o retrato de Salazar no ato de ser retirado da parede por um militar, e de Marcelo Caetano já tirado e encostado a uma parede. Ou de uma estátua em Luanda de que apeou o representado depois da independência.
E de forma completamente abrangente e radical, num registo que é o mesmo, Fernando Calhau apresenta um vídeo em que o artista vai pintando de negro a sua imagem, que assim fica tapada e invisível.
D. João VI é apresentado como o monarca que percebeu a importância política da divulgação da sua imagem e por isso a promoveu. Podem-se ver mais de dez retratos de D. João VI. Mas ao lado da “Aclamação de D. José”, só aqui a exposição ilustra o retrato ao serviço do poder.
Porque a mensagem que se faz passar, no demais sobre este tema, “Do Poder Entre Força e Vulnerabilidade”, é a rejeição da imagem poder. E assim acaba a exposição a dizer-nos “não se metam nisso porque não vale a pena”.
Ou então, “sic transit gloria mundi”.
[1] Edição acessível da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984
[2] A sequência do relato é depois algo insólita, prosseguindo Francisco de Holanda: “E esta tenho eu por grande cousa (o que porventura algum de nós não fezera) que tendo Alexandre uma moça fremosa chamada Campapse, e porque muito a amava, mostrou-a despida a Apelles para que lha pintasse: e conhecendo que também Apelles d’ella se namorára, lhe fez della dom, grandeza certo de grande animo e mayor que o seu imperio”. Ob. cit. pág. 336.
Comissários da Exposição:
Anísio Franco
Filipa Oliveira
Paulo Pires do Vale
Informações úteis:
Horário
terça-feira a domingo,
10h00-18h00
Preçário
Consulte aqui.
Como visitar – Localização
Piso 0/Galeria de Exposições Temporária do MNAA
Consulte aqui.
Contactos
Tel.: +351 213 912 800
[email protected]
Próxima Oficina de Desenho:
22 de setembro, 15h00-16h30
«Encontros para retratar.» Momentos informais para desenhar retratos no jardim do Museu, para quem já sabe e para quem quer aprender.
Orientação: Ricardo Mendes
Destinada a jovens e adultos
Sem inscrição prévia
Cada participante deve trazer os seus materiais de desenho (papel e riscadores)
Gratuito
Todas as imagens utilizadas foram cedidas pelo MNAA. O Ponto SJ agradece.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.
Sugestão Cultural Brotéria
Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.
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