Escutar o Espírito no meio do turbilhão

Convoque-se a Igreja, escutem-se as vítimas, os testemunhos da Igreja de outros países e os passos que já deram, escute-se a Palavra de Deus e o que o Espírito diz à Igreja, escutem-se os sinais dos tempos e decidamos juntos os passos a dar

Convoque-se a Igreja, escutem-se as vítimas, os testemunhos da Igreja de outros países e os passos que já deram, escute-se a Palavra de Deus e o que o Espírito diz à Igreja, escutem-se os sinais dos tempos e decidamos juntos os passos a dar

É missão praticamente impossível nestes dias encontrar um pouco de serenidade para pôr por escrito o que se sente, o que se pensa, o que o Espírito diz a cada um e à comunidade depois da apresentação do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa. Turbilhão talvez seja a palavra que melhor descreve o que experimento. Desejando ardentemente que também no turbilhão o Espírito se manifeste.

E a primeira constatação é que “não sei”! Como certeiramente confessou D. José Ornelas no passado dia 13 de fevereiro: “Este estudo da Comissão Independente apresenta-nos um número muito maior do que aquele que soubemos apurar até hoje. Pedimos desculpa por não termos sabido criar formas eficazes de escuta e de escrutínio interno, e por nem sempre termos gerido as situações de forma firme e guiada pela proteção prioritária dos menores”. Ou, como reconhecia o Papa Francisco, na sua Carta ao Povo de Deus de 20 de agosto de 2018: “Com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas. Nós negligenciamos e abandonamos os pequenos”.

No oceano de palavras, sugestões e decisões do passado e do presente que por estes dias se fazem ouvir, esta Carta continua a ser para mim uma bússola firme, que me conduz a ver melhor.

Sei que há sofrimentos a precisar de serem acolhidos. Sei que há feridas abertas a precisar de serem curadas. Sei que há silêncios ensurdecedores a precisarem de ser escutados. Sei que há pessoas, famílias e comunidades dilaceradas. Sei que há decisões urgentes a serem tomadas. Sei o quanto se espera dos Bispos de Portugal nas próximas semanas.

Sei que há sofrimentos a precisar de serem acolhidos. Sei que há feridas abertas a precisar de serem curadas. Sei que há silêncios ensurdecedores a precisarem de ser escutados. Sei que há pessoas, famílias e comunidades dilaceradas. Sei que há decisões urgentes a serem tomadas. Sei o quanto se espera dos Bispos de Portugal nas próximas semanas. 

Mas também sei que não há soluções mágicas ou milagrosas. Apenas um exigente percurso que nos há de levar do “não saber” à procura humilde e decidida de caminhos possíveis.

Como o Papa Francisco estou profundamente convencido que “é impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, todas as vezes que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas”.

Há, com toda a certeza, decisões muito imediatas a serem tomadas, quer no atendimento às necessidades de tantas vítimas de abuso sexual, espiritual, de consciência e de poder dentro da Igreja, bem como de seguimento e enquadramento dos agressores identificados. Mas a decisão mais necessária – talvez a mais difícil – é a que também aponta o Papa Francisco: “a única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer os nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em nossas comunidades, sem a participação ativa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista”.

Aos ministros ordenados da Igreja – e em especial aos Bispos e a quantos exercem a autoridade – compete colocar as mediações institucionais e sacramentais concretas, para que este seja claramente o tempo em que todos, como Povo de Deus, contribuímos decididamente para a transformação pessoal, eclesial e social que o Evangelho e a pessoa de Jesus Cristo nos exigem.

Convoque-se a Igreja, escutem-se as vítimas (passo decisivo para a conversão), escutem-se os testemunhos da Igreja de outros países e os passos que já deram, escute-se a Palavra de Deus, escute-se o que o Espírito diz à Igreja, escutem-se os sinais dos tempos e decidamos, juntos, os passos que precisamos de dar.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.