Quando somos confrontados com a morte de alguém que nos é próximo há certamente um sentimento de tristeza causado pela separação física, mas, em simultâneo, vem-nos à memoria a vida partilhada, feita de momentos, de conversas, de interações, de vivências.
O Padre António Vaz Pinto foi uma pessoa rara: por onde andou – e andou por muitos lugares – deixou marca e tocou vidas. Mas deixou-se também tocar pelas pessoas e pelas terras, num intercâmbio fecundo que deu muitos e bons frutos.
Conheci bem o Padre António, cofundador do Banco Alimentar, com o seu irmão José, e membro de várias Direções da instituição. Abriu muitas portas, fez muitas pontes, mobilizou muitas pessoas para uma causa pela qual se bateu por acreditar que dar de comer a quem tem fome, lutando contra o desperdício e encaminhando as sobras, mais do que solidariedade é justiça. Tivemos muitas conversas e discussões, pois nunca se negava a um confronto de ideias e de opiniões, sem, todavia, impor as suas, mas antes procurando perceber as motivações dos outros e se lhes encontrasse justiça, não hesitando em dar-lhes razão. Sem, no entanto, ceder nunca nos princípios e com uma fé inabalável, fruto da confiança no amor de Deus de que dava testemunho constante. Bom conversador, tinha sempre uma história para contar, fosse passada consigo ou com algum conhecido. Culto e engraçado, com sentido de família, seja aquela onde nasceu, seja aquela que escolheu por vocação, gostava realmente de pessoas.
O Padre António deixa obra em vários domínios, das entidades em cuja criação participou, aos livros que escreveu, das peregrinações que organizou, aos Exercícios que orientou, mas, sobretudo, deixa uma marca indelével em tantas pessoas que tocou, em encontros por vezes improváveis que nunca desperdiçou retirando algo para a própria vida. Os movimentos e obras que criou e aos quais esteve ligado tinham o denominador comum de interpelarem jovens, procurando que, de forma enquadrada, ganhassem sentido e vivessem com valores, sem ignorar ou esquecer os mais velhos cujos talentos sabia bem pôr a render.
O legado que nos deixa é como o jardim que plantou no CUPAV: inclui todas as variedades de árvores citadas na Bíblia, que medraram e hoje dão fruto, numa riqueza com sentido. Teve uma vida boa e soube sempre aceitar o que lhe calhava com um sorriso, dando testemunho e contagiando-nos a confiar no amor de Deus.
A nossa vida fica mais rica quando se cruza com pessoas do gabarito do Padre António Vaz Pinto. É também esse o legado que deixa a tantos e que hoje agradecemos. Pessoas assim são raras.
Foto de destaque: Pedro Paço d’ Arcos
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.