“Deus como tu”

P. Paulo Duarte sj lança no dia 19 em Lisboa o livro "Deus como tu". Conheça aqui a motivação e história deste projeto, contada pelo próprio autor. Publicamos também em primeira mão um dos capítulos da obra que irá para as bancas no dia 18.

P. Paulo Duarte sj lança no dia 19 em Lisboa o livro "Deus como tu". Conheça aqui a motivação e história deste projeto, contada pelo próprio autor. Publicamos também em primeira mão um dos capítulos da obra que irá para as bancas no dia 18.

A busca de pontes que juntam e agregam foi-se tornando ao longo dos anos uma importante característica do meu modo de viver. Tanto pontes humanas, como divinas, num tecer de relações que permitem a reconciliação e a paz. A experiência de vida – no escutar, ver, tocar, cheirar e saborear o que nos circunda – modela a nossa existência e o modo como nos revelamos em sociedade. Foi daí que foram surgindo pensamentos soltos ou desabafos, outros tons ou coisas na vida de um padre, que ganharam luz e publicação na era digital pelas redes sociais. Agora, após suspiros de alma, em jeito de aceitação e agradecimento de “tens de escrever um livro”, “nem sabes o quanto me ajuda ler-te em cada dia”, “tens-me aproximado de Deus”, chegou o tempo de serem publicados em papel.

Esta ideia surgiu inicialmente depois de um primeiro convite por parte de Liliana Valpaços, editora da Matéria-Prima Edições. A leitura das publicações no blogue o.insecto e na minha página pessoal de facebook estimulou a uma boa conversa. Desde as resistências iniciais até ao momento de envio do livro para a gráfica, passaram dois anos. Foi tempo de, em conjunto com Liliana Valpaços e Sílvia Baptista, escolha de textos, reformulação, organização, processo de edição, chegando à beleza de matéria-prima palpável em livro.

Surge, assim, “Deus como tu”. Este livro de crónicas tem como convite o voltar à fé, também humanizada a partir das experiências de quotidiano, e coloca-nos questões que nos fazem pensar em temas como a morte, a culpa, a solidão, mas também, o riso, a alegria e a liberdade. O livro apresenta-se, depois de uma introdução, em três grandes momentos: em “Escutar”, incita o leitor a escutar-se e a escutar o outro como forma de ligação ao mundo; de seguida, em “Partilhar”, convida à reflexão sobre o modo como Deus está presente em cada um de nós, na vida de todos os dias, e, por fim, “Reconciliar”, despertando algo tão importante na construção de uma forma de sermos humanos.

 

 

NÃO TEMOS DE SER IMACULADOS

(in “Deus como tu”, capítulo 2, página 77)

“Padre Paulo, parece que toda a gente me obriga a ser feliz. Já sei que há quem possa estar pior do que eu, que há quem sofra mais do que eu, que não teria com que me queixar, essas coisas todas que me põem ainda pior. Eu acredito em Deus, rezo, mas não saio disto.”

Do rosto emanava tristeza profunda, claramente em depressão. Como não sou terapeuta, tenho muito cuidado no que digo. Pergunto sempre se está a ter algum acompanhamento especializado. O problema acontece quando são pessoas que não têm meios para este tipo de acompanhamento e lá se procura o padre como o “psicólogo barato”.

– E acredita em si?

– Como assim?

– Acredita que tem de fazer o caminho, mesmo que duro, de descoberta do seu lado mais sombrio e amá-lo?

– Não sou capaz. Isso é impossível!

– E se começar por dizer “é difícil”, antes de dizer “é impossível”? Cada vez somos mais marcados pela busca da perfeição em muitas situações: físicas, emocionais, profissionais, religiosas. Temos de ser imaculados. Claro, tocar aí é como se estivéssemos a confirmar que “não prestamos”. Não é fácil, claro que não, mas esse caminho tem de ser feito, para amar tudo em nós, mesmo a sombra, a tristeza, o sem-sentido. É um caminho pessoal, mas tem de ser acompanhado por alguém que vai escutar sem julgar, ao mesmo tempo que vai ajudando a despertar para um novo amanhecer.

– Isso demora muito?

– Não é uma questão de tempo, mas de vontade. E como me falou de Deus, dizer-lhe que Deus é o primeiro a acompanhar nesta viagem.

Emocionou-se.

– Eu sou alguém, não sou?

– Permita-me que lhe toque?

– Sim.

Levantei-me e coloquei a mão no ombro.

– Vê, não consigo atravessar. Não é transparente, há solidez natural. Posso sugerir outra coisa?

– Sim.

– Vou colocar uma música e peço-lhe que imagine o nascer do sol. Ao mesmo tempo expanda os braços e o tronco. E fique assim, um pouco, simplesmente a respirar.

Deixei passar uns minutos e via as lágrimas a cair. O rosto ia ficando menos tenso, o longo caminho começava a ser feito.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.