Da Sebe ao Ser

Foi recentemente publicada a nova edição da obra de Maria Gabriela Llansol "Da Sebe ao Ser". É organizada por João Barrento e Maria Etelvina Santos e conta com um conjunto significativo de textos inéditos. Uma sugestão da Brotéria.

Foi recentemente publicada a nova edição da obra de Maria Gabriela Llansol "Da Sebe ao Ser". É organizada por João Barrento e Maria Etelvina Santos e conta com um conjunto significativo de textos inéditos. Uma sugestão da Brotéria.

 

A primeira edição deste Livro (e nunca se fez outra) é de 1988. Aparece, agora, acompanhado por textos inéditos que ajudam a lê-lo com olhar mais intenso e demorado. Esboços, apontamentos de uma escritora difícil, constituem um Anexo denominado “Na génese de Da Sebe ao Ser”, pp. 205-281.

 

Trata-se, talvez, do livro de M. G. Llansol onde se propõe uma leitura do Portugal contemporâneo à luz da História. A “narrativa” em 522 “versículos”, distribuídos por três Secções (1. O Monte Espichel, vv. 1-105; 2. O Jardim, vv. 106-354; 3. O Litoral do Mundo, vv. 355-522) remete para uma ruminação acerca do embarque/desembarque, mais presente e futuro do que passado. A viagem não é realizada, como em Os Lusíadas, ou em alguma Hora metafísica, como na Mensagem de Fernando Pessoa. Participando dessas “leituras”, personagens historicamente identificadas, ou temas, por exemplo, “a ilha dos amores”, “o monstro”, contracenam com “figuras”, “cenas-fulgor”, motivos do universo llansoliano. Uma liturgia da palavra subsiste, proclamada diante de uma assembleia, não já “o peito ilustre lusitano” ou os irmãos iniciados (Valete, Fratres), mas o plural-singular, o universal-concreto: Comuns, o Pobre. É este aspecto que me apraz sublinhar na novidade desta Obra, justamente realçado na Nota introdutória em que se cita o Livro de Horas VI, p. 29, quando Maria Gabriela Llansol encontra o título definitivo Da Sebe ao Ser: “circunscrevi-me ao problema do poder e à meditação sobre as diferentes naturezas de quem é pobre”.

 

Os escritos inéditos agora publicados ainda mais nos clarificam. Nesta linha de composição, adquire pleno rigor a entrada de Comuns, o Pobre, quando a cena é titulada “Revela-se a autora desta narrativa”, ao princípio da Secção 2. O Jardim: “Os textos em que me comprazia importunavam-no: eram livres neles mesmos, mas não na sua imagem. […] Quando João da Cruz voltar, encontrar-me-á conversando com João Evangelista, com os hóspedes recentes e sobretudo, com Comuns, o Pobre” (p. 53). Lido e relido à luz desta última Figura, Da Sebe ao Ser continuará a desafiar o leitor/ouvinte. Graças a esta nova edição e ao cuidado sempre excelente de João Barrento e Maria Etelvina Santos, podemos entender melhor o papel do personagem-protagonista Comuns, o Pobre. Não adquire somente um significado místico. Bastaria ler “o pobre morto-vivo”, datado de 17 de Fevereiro de 1981, nomeadamente a seguinte passagem: “este pobre é o nosso animal feroz vindo de longe, nadou sozinho através das águas e deu, já morto, à praia; depois ressuscitou, para continuar a sofrer; há uma parte desta ilha que é maldita; Copérnico não acredita que o Sol caiu aqui e faz o seu caminho só queimando os homens no espaço que lhe é próprio; eu treino a serpente para fazer face a esse monstro que muge nesta ponta da ilha sem dar leite, só veneno de miséria” (p. 247). As serpentes, “que são os animais tradicionais do conhecimento” (p. 247), poderão falar no pensamento de Juan: “sempre o intrigara a nossa herança errante e marítima e que, de um momento para o outro, pressentia que o próprio ermo marítimo nos ia reter para sempre” (p. 201).

E a palavra da Autora poderá ouvir-se na conclusão,

“O presente epílogo” deste Livro: “ – Não foi o mar Juan,
mas o seu movimento,
que nos foi dado em herança” (p. 202).

 


 

Da Sebe ao Ser, com textos inéditos
Maria Gabriela Llansol
(nota introdutória de João Barrento e Maria Etelvina Santos)
Assírio & Alvim, 2019 (16.60€) – Comprar aqui

 

 

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.


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Esta secção é da responsabilidade da revista Brotéria – Cristianismo e Cultura, publicada pelos jesuítas portugueses desde 1902.

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