Não há dúvidas. As eleições autárquicas são aquelas que têm maior poder mobilizador, pela sua própria natureza: são as que mais pessoas elegem, entre candidaturas aos diferentes órgãos do poder local em 308 municípios e 3092 freguesias. Quem não é candidato, por sua vez, encontra não só no sufrágio, mas também através das diferentes campanhas eleitorais, o modo de participação política de maior proximidade, dando-se a oportunidade de expor e tratar preocupações e problemas de grande familiaridade. Dito isto, as eleições autárquicas poderiam ser um momento privilegiado para exercer a cidadania.
Contudo, deparamo-nos com dois problemas que desincentivam esse exercício, pelo menos de forma plena. Neste caso, um problema é novo, o outro nem por isso. Por um lado, temos a persistência de uma pandemia que, apesar de geralmente controlada, continua a exigir algumas medidas de distanciamento, dificultando o encontro entre as pessoas e os candidatos a representantes políticos. Sobre este aspeto, importa sublinhar a diferença entre a política presencial e a política virtual. Qual será mais promotora de um verdadeiro encontro e de um verdadeiro debate de ideias?
Por outro lado, assistimos, como sempre, a prognósticos e leituras extensivas (para não dizer abusivas) dos sucessos e fracassos eleitorais, como se os resultados autárquicos revelassem inequivocamente o que quer que seja de relevante sobre a política de âmbito nacional. Basta relembrar que um partido que teve um sucesso extraordinário na capital do país, nas últimas eleições, se encontra, neste momento, perto da irrelevância; e que certos partidos emergentes, porventura com crescente intenção de voto a nível nacional, estão comprovadamente impreparados para disputar o poder local.
Ainda quanto a este segundo problema, de maior complexidade, é, apesar de tudo, natural que se façam estas leituras em alguns casos específicos, sobretudo a respeito dos dois maiores partidos nacionais, por causa da histórica rotatividade bipartidária em Portugal. O que não é legítimo é que se faça uma campanha com base nesse pressuposto. E retomo aqui o ponto de este problema ser um elemento desencorajador da participação cívica e eleitoral: no meio desta teia interpretativa, desaparece amiúde o objeto destas eleições, ou seja, os problemas sentidos a nível local: o foco desvia-se para quem tem melhores relações com o governo central (o que, aliás, só mostra uma falha de sentido democrático); ou para eventuais mudanças internas num partido, por exemplo.
E retomo aqui o ponto de este problema ser um elemento desencorajador da participação cívica e eleitoral: no meio desta teia interpretativa, desaparece amiúde o objeto destas eleições, ou seja, os problemas sentidos a nível local: o foco desvia-se para quem tem melhores relações com o governo central (o que, aliás, só mostra uma falha de sentido democrático); ou para eventuais mudanças internas num partido, por exemplo.
A par disto, verificamos que nem sempre nos debates se promoveu a discussão sobre os temas que tocam os cidadãos e sobre os meios para levar a cabo as medidas que são propostas. Usou-se, em vez disso, trocas de acusações, que por vezes extrapolam as questões locais e a situação atual. Por exemplo, nos debates sobre a cidade de Lisboa, no que toca ao urbanismo, a discussão incidiu mais sobre possíveis conflitos de interesses nesse pelouro do que sobre o próprio planeamento urbanístico; e no que toca aos transportes, os passes a 30€/40€ (viabilizados por um programa que parte do Orçamento de Estado) serviram de arma de arremesso a um dos partidos da coligação de oposição (e não à candidatura em causa) – tendo ficado por saber como melhorar a qualidade e a oferta dos transportes públicos, para além das designações genéricas que foram lançadas.
Face a isto, posso (e devo) superar a obscuridade. É possível fazer um discernimento sobre as linhas programáticas de cada candidatura. Mesmo que não tenha o tempo de ler todos os programas políticos em detalhe, posso, através dos diferentes meios disponíveis, ter um vislumbre da visão que cada candidatura tem para o meu concelho e decidir o meu voto em conformidade com a minha visão. Não há programas políticos perfeitos ou desenhados à minha medida – a política é, por definição, comunitária. Por isso, importa que o meu critério não seja tanto um sinal de descontentamento, mas uma oportunidade à proposta política que mais se aproxima das minhas preocupações. Se queremos políticos com propostas construtivas, importa que a orientação do meu voto também o seja.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.