Eu utilizador do X (outrora Twitter) me confesso. Uso essa rede social para uma série de coisas, desde leitura de notícias, opinião política, comédia, música, futebol, enfim, um pouco de tudo. Mas ultimamente, o algoritmo do X tem-me pregado partidas. Começou com um vídeo, daqueles de discussões acaloradas no trânsito. Não sei bem como fui lá parar, uma vez que nem sou fã do género. Mas o algoritmo, esse danado, percebeu que a minha atenção ficou retida uns segundos a mais do que o habitual. E pronto, foi a minha ruína! De repente, era um festival de buzinas, palavrões e condutores descontrolados a inundar o meu feed. Um autêntico reality show da selva do asfalto, e eu, sem querer, a transformar-me num espectador fiel.
O pior é que o algoritmo não se ficou por aí. Começou a sugerir-me outros conteúdos igualmente bizarros e viciantes, cada um mais estranho que o outro. De repente, o meu feed, antes um espaço democrático com um bocadinho de tudo, parecia a timeline de um tarado, coisa que gosto de acreditar que não sou. É fascinante, e ao mesmo tempo assustador, como este algoritmo, com uns quantos cliques e visualizações, consegue distorcer a nossa perceção, rotulando-nos e aprisionando-nos em bolhas de conteúdo que, no fundo, nem sabemos se realmente nos interessam.
Há dias, durante a missa, dei por mim a pensar na vida espiritual como um algoritmo. O algoritmo da fé, digamos assim. Sei bem que corro o risco de parecer aquelas avós que adoram comparações tecnológicas com a espiritualidade e depois postam no Facebook, acompanhadas de “Um lindo dia para você!”, mas sigo confiante apesar desse risco.
É fascinante, e ao mesmo tempo assustador, como este algoritmo, com uns quantos cliques e visualizações, consegue distorcer a nossa perceção, rotulando-nos e aprisionando-nos em bolhas de conteúdo que, no fundo, nem sabemos se realmente nos interessam.
Na verdade, é assim que funciona, tal e qual os algoritmos das redes sociais. À medida que vamos experimentando mais e mais a vida espiritual, mais vamos descobrindo, mais vamos ficando agarrados. É como se, a cada oração, cada leitura, cada encontro, retiro, a cada momento de introspeção, a cada ato de fé, o algoritmo da nossa alma fosse aprendendo os nossos anseios mais profundos, as nossas necessidades espirituais, e vai-nos alimentando com aquilo que nos faz bem, que nos aproxima de Deus.
E o mesmo, naturalmente, acontece com o reverso da medalha. Chamemos-lhe o algoritmo do pecado. Quando nos afastamos da fé, quando ignoramos a nossa bússola moral, quando optamos por não ouvir Jesus, o algoritmo também funciona, mas de forma inversa. Começa a alimentar-nos com aquilo que nos afasta da luz, que nos prende às trevas. É um ciclo vicioso, uma espiral descendente que pode ser difícil de quebrar, tal como me aconteceu no X.
Voltando aí: a certa altura, consciente de que aquela overdose de comportamentos duvidosos e discussões acaloradas não me estava a fazer bem, foi preciso intervir. Manualmente, fui obrigado a fazer um reset ao algoritmo. Uns quantos “deixar de seguir”, bloqueios estratégicos e depois de muitas pesquisas por golfinhos fofinhos, os melhores golos do Ronaldo, e curiosidades sobre o Japão, sinto que o meu feed está a voltar a um equilíbrio mais saudável.
Novamente, o mesmo com a vida espiritual. De vez em quando, é preciso fazer uma limpeza, um reset. É preciso um momento para identificarmos os algoritmos nocivos que foram tomando conta de nós – a inveja, a raiva, o egoísmo – e os confessarmos, para que possamos, com a ajuda da graça, reprogramar o nosso espírito e voltar a sintonizar-nos com o algoritmo divino.
Talvez a progressão espiritual seja mesmo uma questão de saber usar os algoritmos a nosso favor. De alimentar aquilo que nos eleva, que nos aproxima do bem, da verdade e da beleza, e ignorar as tentações que nos puxam para baixo. No final, a escolha é nossa: queremos viver num feed de luz ou de escuridão?
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.