«Deus amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho». Se me perguntassem qual é a expressão bíblica que melhor serve de tónica para o Advento, provavelmente responderia esta. «Porquê?» é a pergunta. E responderia que o sentido do Advento enquanto «espera de Deus que vem salvar o seu povo» se funda no contemplar esta intenção amorosa de Deus, que escolhe «vir ter com» aqueles que ama.
Ora, é verdade que estamos de tal forma habituados a falar do «apontar o caminho para Deus» que nos esquecemos facilmente de que, no Natal, celebramos a iniciativa de Deus que vem ao nosso encontro. Todos os anos, as nossas preocupações religiosas pelo Natal são as típicas preparações interiores e exteriores do Advento: uma confissão, um pouco mais de oração, uma intenção caridosa, a preparação da casa, os convites dos amigos e família… No entanto, creio que a contemplação da Encarnação dos Exercícios Espirituais [E.E. 101-109] nos pode desafiar a um bocadinho mais do que aquilo a que estamos habituados.
Através desta contemplação, Santo Inácio desafia-nos a ligar a realidade dura e desoladora do nosso mundo ao modo como Deus a vê e a quer acolher e salvar. Por isso, «re-aprofundar» o tempo do Advento é como que «re-aprender» a procurar a esperança na ação misericordiosa de Deus sobre uma realidade por Ele amada e que, para nós, tantas vezes não transparece cenários possíveis de esperança; pelo contrário, entristece-nos quando olhamos e vemos somente coisas más a acontecer à nossa volta: coisas que obviamente não podem ser ignoradas, mas que, contudo, nos fazem cair em processos de descredibilização da humanidade, convencendo-nos de que a «palavra dada por alguém», mais tarde ou mais cedo, sairá frustrada. Neste sentido, quer os grandes quer os pequenos dramas tendem a colocar em causa a nossa confiança num futuro bom para a humanidade e esta é a tendência que a contemplação da Encarnação inverte.
Por isso, «re-aprofundar» o tempo do Advento é como que «re-aprender» a procurar a esperança na ação misericordiosa de Deus sobre uma realidade por Ele amada e que, para nós, tantas vezes não transparece cenários possíveis de esperança; pelo contrário, entristece-nos quando olhamos e vemos somente coisas más a acontecer à nossa volta.
Sabemos bem que são tantos os dramas que assolam o nosso tempo de desconfianças e inseguranças: a guerra que nos faz desconfiar dos líderes das nações; os casos de abusos que nos fazem desconfiar das relações humanas; os casos de corrupção que nos fazem deixar de acreditar na honestidade; os casos de traição que nos fazem desconfiar daqueles que são mais próximos de nós. E tudo isto é a humanidade a precisar de ser salva pela Encarnação de Deus no meio do seu povo. Como é possível haver ainda uma luz que brilha no fundo da gruta de Belém? Parece ser um contrassenso, mas talvez seja possível, porque o Natal é isso mesmo: tudo, menos uma história romântica e agradável. Ao invés, o Natal é a contemplação de um Deus que entra na história de uma humanidade muito destruída e lhe acende a luz de uma esperança que lhe muda a vida.
Portanto, este é o tempo em que somos convidados a aprofundar o sentido dessa esperança cristã; não porque esperamos coisinhas, mas porque esperamos Aquele que é a nossa verdadeira Paz, Aquele que dá uma nova esperança aos homens e mulheres de todos os tempos, Aquele que nos faz voltar acreditar que o ser humano pode ter um futuro que não esteja à partida condenado ao fracasso. Por isso, o desafio para este Advento é o de contemplar a Encarnação que se dá numa realidade ferida e nos faz compreender que o «caminho para Deus» é também o caminho pelo qual Deus vem ao encontro daqueles que ama.
Concluindo, fica o desafio adventício de ter presente durante este tempo (se calhar até escrito na mesa de cabeceira) uma situação concreta que precisa de ser tocada por esta confiança e esperança de que Deus vem salvar o seu povo. É verdade que um dos principais desafios do Advento é apontar o caminho para Deus, onde possivelmente a nossa confiança em encontrá-Lo não está tão disposta a aceitá-Lo; mas a verdade é que a escolha da Encarnação sempre foi do próprio Deus e não nossa, de modo que o desafio é sempre o de me exercitar no «procurar para encontrar», muitas vezes nas próprias ruínas da vida, porque é aí que a Encarnação se dá. Vai-se a ver e o caminho para Deus é um caminho de Deus para nós, no qual os E.E. nos ajudam a perceber que o Advento é um preparar o coração para acolher o Deus que vem à nossa realidade.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.