Habitada pela coexistência das três religiões do livro (Cristianismo, Islamismo e Judaísmo) e uma história incrivelmente rica e diversa, Toledo tomou-me de assalto a curiosidade. Acredito que uma boa experiência de férias deve contemplar uma mistura equilibrada entre tranquilidade e desafio, familiaridade e novidade, relaxamento e aventura sendo que esta bela cidade medieval localizada sensivelmente a 580km tanto de Lisboa como do Porto apresenta-se como uma candidata imperial.
Nesta altura em que, enquanto europeus e cidadãos do mundo somos interpelados quase diariamente a criar e defender opinião sobre diversidade cultural, tolerância religiosa e direitos humanos encontro na história da cidade de Toledo uma ótima oportunidade de verificar como é que o processo de construção da identidade cultural e social é um caminho de encontro com Deus e os outros.
Em 711 DC iniciou-se a conquista moura da península ibérica pondo termo à era visigótica e dando lugar ao Emirado seguido de Califado de Córdova. Porém nem toda a península ibérica fora absorvida pela cultura Islâmica, havia quatro grandes regiões com forte presença cultural e militar dentro do califado: os Leoneses (de León), os Castelhanos (de Castilla), os Navarros (de Navarra) e o Condado de Barcelona. Pois… as coisas tornaram-se muito complicadas e eventualmente, após relações diplomáticas “intensas”, atingiu-se uma co-habitação entre todos estes reinos da ibéria de domínio mouro. Mais tarde Toledo seria batizada como Capital do império espanhol por D. Carlos I.
Toledo servia como um posto estratégico militar e comercial com uma larga população Judia e Cristã acabando por se tornar uma cidade cristã depois da Reconquista em 1085. Pois bem, 300 anos de co-habitação entre as três religiões irmãs tiveram um impacto significativo na morfologia da cidade e os edifícios considerados pela UNESCO como património cultural da humanidade são a prova disso. Numa paisagem repleta de igrejas, mesquitas e algumas sinagogas são também frequentes as igrejas adaptadas de outrora mesquitas e palácios com uma arquitetura mista.
Numa nota mais pessoal chamo a atenção para a qualidade e genuinidade da música de rua, o flamenco sempre me apaixonou e deve ser por isso que dei sempre nomes de origem espanhola às minhas guitarras. É raro encontrarmos paz no que consideramos incompatível e a maior parte das vezes é um facto que encontramos mais confrontos do que acordos quando cruzamos duas ideologias distintas. Toledo é um exemplo bem vivo de que haverá sempre confronto entre margens distintas dos costumes, porém é aí que Deus se revela como ferramenta de generosidade e construção.
* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.