A playlist de Manuel Guerra que não é um ‘top qualquer coisa’

A primeira sugestão da rubrica Guardar o sábado traz-nos uma playlist do músico Manuel Guerra. Um conjunto de temas que atravessa diferentes disposições, relativamente recentes, e que têm em comum uma mensagem forte que deixou marcas.

A primeira sugestão da rubrica Guardar o sábado traz-nos uma playlist do músico Manuel Guerra. Um conjunto de temas que atravessa diferentes disposições, relativamente recentes, e que têm em comum uma mensagem forte que deixou marcas.

Fazer uma playlist é para mim um exercício impossível, primeiro porque no meu conceito uma lista limitada de músicas nunca é fixa, está sempre a mudar em função do estado de espírito, dos acontecimentos, das últimas novidades ou das descobertas constantes. Depois não me consigo comprometer com a escolha como sendo representativa de um “top qualquer coisa”.

Tentei lembrar-me de cabeça de um conjunto de temas que atravessasse diferentes disposições, relativamente recentes, e que tenham em comum uma mensagem forte que me tenha marcado de alguma forma. Ficaram duzentas e cinquenta e três mil de fora, mas é um princípio. Hoje sugiro estas:

1.Love is a verb, John Mayer

O amor é o tema sobre o qual mais se escreve, canta, pinta, dança ou esculpe. Nem sempre o vejo descrito com a simplicidade, concisão, originalidade e poesia com que o John Mayer faz nesta canção. O amor não é uma coisa, é um verbo, não é uma muleta nem uma desculpa, não é uma droga ao contrário do que se diz. O amor é uma ação.

 

2. Another Man’s Shoes, Drew Holcomb and The Neighbors

Uma mensagem muito simples numa música muito simples. Toda a gente tem os seus problemas. Para compreendermos a dimensão do peso que cada qual leva às costas temos de ser capazes de nos colocar nos sapatos de outra pessoa e andar uma milha. Se não for suficiente, outra e outra. Então deve tornar-se muito mais fácil compreender comportamentos, reações, tristezas, depressões e revoltas dos outros e até compreendermo-nos a nós próprios, vistos à distância.

 

3. Lay it on me, Gabe Dixon

A pandemia de 2020 ofereceu ao mundo muita música nova. O Gabe também a sentiu na pele e está muito grato pela ajuda que teve da mulher para atravessar este período. Fez esta canção para lhe dizer que quer estar à disposição para carregar os fardos dela e dividir o peso. Quer-nos dizer a todos para levantarmos a cabeça.

 

4. Mary and Joseph, Dave Barnes

É bom que a festa do Natal se repita todos os anos. Sinto que vou crescendo e amadurecendo e, se me esforçar, é possível encarar o motivo de celebração sempre de uma forma nova. O meu conceito da importância do Verbo feito homem tem podido evoluir. No Natal, porém, acontece que sinto que as canções se tornam repetitivas e recorrentes, salvo muitas exceções que não me chegarão aos ouvidos. Mas esta chegou e gostei muito mal a ouvi. Um presépio moderno, as mesmas dificuldades e um mesmo propósito, deixar que a luz nos ilumine.

 

 

5. Smile, David Gilmour

Uma das minhas referências musicais mais antigas. Sir David canta com a mulher a fazer coros um poema que ela própria escreveu, sobre o poder do sorriso. O poder de resolver problemas, de encontrar caminhos de saída e de construir um porto seguro que toda a gente precisa e merece.

 

6. Watching TV, Roger Waters

Numa música de 1992, do primeiro CD que comprei, em plena adolescência, quando os discos de vinil ficaram fora de moda, Roger Waters canta sobre a urgência da empatia, com a ajuda do baterista e cantor dos Eagles (Don Henley), usando como papel de cenário a Praça de Tiananmen e como personagem principal uma estudante chinesa fictícia, representante das vítimas anónimas da violência, de quem ninguém conhece a história, os desejos, medos, ansiedades, feridas e dores. Para a tornar real, conta a história dela e da família. Em poucos minutos sentimos a revolta do desperdício de uma vida humana, de uma estudante de filosofia, filha de um engenheiro que pode ser símbolo das nossas falhas, simplesmente porque o seu martírio foi televisionado. Que a empatia não exista só para o que passa na televisão (ou numa versão mais moderna, nas redes sociais), mas tão-somente porque se tratam de seres humanos, irmãs e irmãos.

 

7. Now that I found you, Liam Gallagher

Acredito nas segundas oportunidades. O autor desta canção só conheceu a filha já adulta. Não conheço bem as condições da família pouco convencional e os contornos que levaram a que não se cruzassem antes, mas alegra-me o encontro e gosto do testemunho que fica.

 

8. Pontes entre nós, Pedro Abrunhosa

O Pedro Abrunhosa tem o dom de simplificar com poesia e música uma ideia que  diariamente parece complicar-se sem razão. Com pontes, o distante se faz perto. As pontes são infra estruturas essenciais do ser.

 

 

9. Até ao fim, João Só

Música épica do meu querido amigo João. Sou fã da música dele e da facilidade que tem de se exprimir. Responde de forma perentória à pergunta “O que é que queres mais de mim?” com um “sabes que vou até ao fim”. E eu acredito sempre que ele vá!

 

10. Sem medo, Manuel Guerra

Quando lancei este single, uma amiga disse-me: “Isto é a história do meu casamento”. Foi a melhor crítica que me poderiam ter oferecido, pois eu tentei contar da minha própria experiência, de forma metafórica, o que me parece ser uma história que se repete, com muitos pontos comuns a muita gente: Altos e baixos, encantos e desencantos, obras do acaso que têm de ser ativamente ordenadas pela vontade do querer, contrariando a natureza, sem meta, mas por um caminho recompensador.

* Os jesuítas em Portugal assumem a gestão editorial do Ponto SJ, mas os textos de opinião vinculam apenas os seus autores.